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José Mauro de Vasconcelos: o subestimado muito traduzido
PublishNews, 04/03/2015
Felipe Lindoso, a partir dos dados que encontrou no Index Translationum, analisa a presença da literatura brasileira no exterior

Na minha adolescência, dois autores eram extremamente populares, e muito lidos. O poeta J. G. de Araújo Jorge, autor de copiosas poesias sentimentais que confortavam os corações das mocinhas, e José Mauro de Vasconcelos, com o Meu pé de laranja lima. A crítica sempre descascou os dois, e adolescente pretensioso que era, recusei ler esses livros (o que não quer dizer absolutamente nada, já que também detestei Senhor embaixador, do Érico Veríssimo, ao mesmo tempo que sempre gostei da trilogia do Tempo e o vento, de Clarissa e das Aventuras de Tibicuera, o que dá conta de sei lá o que na minha formação literária).

A percepção da crítica em relação ao autor mudou, como atesta a apreciação de Nelly Novaes Coelho, em seu Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil brasileira, no qual faz duas observações. A primeira, mais geral, sobre o autor, considera que sua obra consiste em “romances de um realismo duro (na maior parte registros quase diretos das experiências vividas pelo autor, [que] compõem uma obra muito irregular quanto ao valor de transfiguração estética. Todos eles permeados por uma visão de mundo pessimista e desesperançada, embora perpassada por um enorme anseio de humanidade e ternura”. Já quanto ao Meu pé de laranja lima, a avaliação é mais simpática: “Verdadeiro poema de exaltação da vida e da paciência exigida pelo viver, este romance tem muito a oferecer em emoções e lições de vida ao jovem leitor” (p. 387).

Do José Mauro de Vasconcelos acabei lendo Barro blanco, romance sobre as salinas do Rio Grande do Norte, certamente influenciado pela obra de Jorge Amado. E nada mais.

Mais recentemente, entretanto, na busca de informações sobre traduções de autores brasileiros, encontrei o site do Index Translationum da UNESCO, um banco de dados formado a partir de informações enviadas pelas bibliotecas nacionais dos países membros. O Index relaciona as publicações de traduções a partir dessas informações, cruzando depois por autores. Dessa maneira, obtém tabelas de traduções publicadas por países, pelo idioma de origem e outros cruzamentos. Não é um banco de dados perfeito, porque as bibliotecas nacionais atrasam o envio das informações, enviam dados incompletos, etc. etc. Aqui da nossa Pindorama, os últimos dados enviados pela Biblioteca Nacional foram de 2007.

Ainda assim, o Index é um trabalho formidável, e uma das poucas fontes confiáveis de dados internacionais sobre traduções – desde que se tenha em mente as já mencionadas deficiências dos informantes. Algumas estatísticas são coligidas por países. Outras, por idioma de origem. Por isso, não existe uma distinção, nos publicados originalmente em português, entre brasileiros e lusos.

A tabela mais recente de autores traduzidos do português é a seguinte:

2015

É uma lista surpreendente – não pela presença avassaladoras de traduções do Paulo Coelho, e sim pela presença do Leonardo Boff e do José Mauro de Vasconcellos. Mas não vou comentar o conjunto desses dados. Já o fiz em um post anterior, Literatura brasileira no exterior: problema dos editores?

Foi então que voltei a me interessar pelo José Mauro de Vasconcelos. E acabei descobrindo coisas surpreendentes. Gustavo Sorá, pesquisador que trabalha sobre as relações editoriais entre o Brasil e a Argentina, por exemplo, me disse que não apenas o livro é bem aceito pela crítica portenha, como tem sido lido por várias gerações de estudantes, como um típico “romance de formação”. Em vários países constatei, pelo Index, tanto a continuidade da presença do Meu pé..., como, eventualmente, a existência de várias traduções. É o caso da Turquia. Não é possível saber se isso se deve à necessidade de renovação das traduções ou meras disputas comerciais entre editoras e tradutoras. Mas é significativo o fato de acontecer a publicação de várias versões do mesmo livro.

O livro, segundo a Melhoramentos – editora que o lançou – conta a história de “Zezé, um garoto pobre, de seis anos, inteligente e sensível. Carente de um afeto que não encontra na família, ele sai pelas ruas fazendo mil travessuras. Aprende tudo sozinho e inventa para si um mundo de fantasia em que seu grande confidente é Xururuca, o pé de laranja-lima”.

A Melhoramentos começou a editar o José Mauro de Vasconcelos em 1963, com Rosinha minha canoa, que continua em seu catálogo, juntamente com o Meu pé..., Coração de vidro, Doidão, Palácio japonês, Vamos aquecer o sol e Veleiro de cristal. O que li, Barro blanco, só em sebos (é de 1945). O Meu pé..., segundo a editora, já vendeu mais de dois milhões de exemplares no Brasil, e cerca de um milhão no exterior. O conjunto da obra de JMV deve ter ao redor de sete milhões de exemplares publicados.

Como o Index não informa a tiragem, é difícil comparar o impacto possível entre o número de traduções e a quantidade de exemplares vendidos. Deixo a todos a especulação quanto a isso, embora seja fato conhecido as enormes tiragens dos livros do Mago. Mas é impossível comparar a extensão (não falo do impacto literário ou crítico) do JMV com, por exemplo, Clarice Lispector, Machado de Assis ou Lobo Antunes. E muito menos com os demais.

Segundo a Melhoramentos, Meu pé de laranja lima tem contrato vigentes com 16 editoras (fora a própria Melhoramentos), em idiomas como o espanhol, coreano, chinês (duas versões), polonês (também duas versões), alemão, turco, japonês, croata, catalão, romeno, dinamarquês e tailandês. Sabe-se que existiram traduções para o francês e para o inglês, embora não existam contratos vigentes. Afinal, são 115 traduções registradas.

Abordei aqui o caso do José Mauro de Vasconcelos para chamar a atenção para as águas profundas que devem ser vistas mais de perto quando se examina a presença da literatura – ou, se quiserem, dos livros e dos autores – brasileira no exterior. Como não me preocupo necessariamente com uma abordagem normativa ou qualitativa desse fenômeno, espero ser possível ir até a UNESCO e conversar com o pessoal do Index Translationum, quando estiver em Paris no próximo Salon du Livre.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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