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Fato na frente do Direito
PublishNews, 22/10/2014
Fato na frente do Direito

O crescente hábito do uso do livro eletrônico – um verdadeiro e relevante fato social – carece de regulamentação legal adequada. Os principais artigos que hoje regem o contrato de edição na lei de direito autoral brasileira (Lei 9610/98, arts. 53 a 67¹) estão ficando obsoletos diante das novas características físicas dos livros.

O conteúdo da obra literária continua o mesmo, porém, certos conceitos como “estoque” (art. 63, §2º) e “encalhe” (art. 64) se mostram inadequados ao modelo de negócio eletrônico. O sistema vigente desde Gutenberg é todo apoiado na reprodutibilidade física do livro, no qual suporte e conteúdo constituem o mesmo objeto palpável.

Coerente com a predominância do livro físico, a atual legislação autoral regula muito mais a situação estática do livro produzido e de suas reimpressões. Pouco – ou nada – é tratado a respeito da inovadora relação com o leitor-consumidor, que hoje se limita a comprar o livro físico e se desvincular por completo de autor e editora.

O leitor adquire papel cada vez mais relevante no ciclo de consumo da obra literária, pois, se tomarmos a licença como base da relação editora-leitor, veremos que o eixo se desloca do simples objeto físico – o estático e inerte livro de papel - para os (novos) direitos que o leitor terá em relação a editora, e em última análise em relação ao autor.

Já vimos que essa licença de leitura será – tem sido, até o momento – a forma jurídica que ligará o leitor/consumidor a editora. A licença tem como característica intrínseca sua revogabilidade. O armazenamento do livro “adquirido” geralmente se dará na “nuvem”, mais um componente etéreo dessa relação.

Então ao invés da lei regulamentar estoque, encalhe, vendas, edições, tiragens, será necessário regular a relação permanente autor-editora, na medida em que a concessão de uma licença de leitura de livro não desvincula o adquirente da produtora da obra.

Erros de revisão ou tradução podem fazer com que o leitor peça o reparo do texto a editora, que por sua vez alterará o conteúdo, não mediante a “troca do livro” mas sim pela alteração do texto licenciado. No sentido inverso, se o leitor burlar os mecanismos técnicos que vedam a reprodução do livro, poderá a editora revogar a licença concedida.

Já vimos, também, que os contratos de licença com a editora preveem controle do tempo empregado pelo consumidor na leitura do livro e também a possibilidade de difusão de seus comentários e notas sobre o texto. E a revenda da licença? É possível?

Outro fator inovador, sob esse prisma, é a transferência da licença de leitura após a morte do licenciado. Como transferir aos herdeiros a biblioteca digital do falecido? Seu CPF será desativado, sua página do Facebook extinta, sua conta do Gmail desativada, mas ... e as licenças de leitura dos livros? Serão levadas ao inventário para a transmissão mortis causa?

Esses pequenos exemplos e questionamentos mostram que a legislação atual é insuficiente para regulamentar o mercado editorial, no que diz respeito ao livro eletrônico, já que, como venho dizendo, entrou um novo autor no palco, o leitor consumidor, com seus direitos e obrigações, alterando substancialmente a velha relação de compra de um livro e total desligamento da editora em relação aquele objeto.



_______________________________

Capítulo I

Da Edição

Art. 53. Mediante contrato de edição, o editor, obrigando-se a reproduzir e a divulgar a obra literária, artística ou científica, fica autorizado, em caráter de exclusividade, a publicá-la e a explorá-la pelo prazo e nas condições pactuadas com o autor.

Parágrafo único. Em cada exemplar da obra o editor mencionará:

I - o título da obra e seu autor;

II - no caso de tradução, o título original e o nome do tradutor;

III - o ano de publicação;

IV - o seu nome ou marca que o identifique.

Art. 54. Pelo mesmo contrato pode o autor obrigar-se à feitura de obra literária, artística ou científica em cuja publicação e divulgação se empenha o editor.

Art. 55. Em caso de falecimento ou de impedimento do autor para concluir a obra, o editor poderá:

I - considerar resolvido o contrato, mesmo que tenha sido entregue parte considerável da obra;

II - editar a obra, sendo autônoma, mediante pagamento proporcional do preço;

III - mandar que outro a termine, desde que consintam os sucessores e seja o fato indicado na edição.

Parágrafo único. É vedada a publicação parcial, se o autor manifestou a vontade de só publicá-la por inteiro ou se assim o decidirem seus sucessores.

Art. 56. Entende-se que o contrato versa apenas sobre uma edição, se não houver cláusula expressa em contrário.

Parágrafo único. No silêncio do contrato, considera-se que cada edição se constitui de três mil exemplares.

Art. 57. O preço da retribuição será arbitrado, com base nos usos e costumes, sempre que no contrato não a tiver estipulado expressamente o autor.

Art. 58. Se os originais forem entregues em desacordo com o ajustado e o editor não os recusar nos trinta dias seguintes ao do recebimento, ter-se-ão por aceitas as alterações introduzidas pelo autor.

Art. 59. Quaisquer que sejam as condições do contrato, o editor é obrigado a facultar ao autor o exame da escrituração na parte que lhe corresponde, bem como a informá-lo sobre o estado da edição.

Art. 60. Ao editor compete fixar o preço da venda, sem, todavia, poder elevá-lo a ponto de embaraçar a circulação da obra.

Art. 61. O editor será obrigado a prestar contas mensais ao autor sempre que a retribuição deste estiver condicionada à venda da obra, salvo se prazo diferente houver sido convencionado.

Art. 62. A obra deverá ser editada em dois anos da celebração do contrato, salvo prazo diverso estipulado em convenção.

Parágrafo único. Não havendo edição da obra no prazo legal ou contratual, poderá ser rescindido o contrato, respondendo o editor por danos causados.

Art. 63. Enquanto não se esgotarem as edições a que tiver direito o editor, não poderá o autor dispor de sua obra, cabendo ao editor o ônus da prova.

§ 1º Na vigência do contrato de edição, assiste ao editor o direito de exigir que se retire de circulação edição da mesma obra feita por outrem.

§ 2º Considera-se esgotada a edição quando restarem em estoque, em poder do editor, exemplares em número inferior a dez por cento do total da edição.

Art. 64. Somente decorrido um ano de lançamento da edição, o editor poderá vender, como saldo, os exemplares restantes, desde que o autor seja notificado de que, no prazo de trinta dias, terá prioridade na aquisição dos referidos exemplares pelo preço de saldo.

Art. 65. Esgotada a edição, e o editor, com direito a outra, não a publicar, poderá o autor notificá-lo a que o faça em certo prazo, sob pena de perder aquele direito, além de responder por danos.

Art. 66. O autor tem o direito de fazer, nas edições sucessivas de suas obras, as emendas e alterações que bem lhe aprouver.

Parágrafo único. O editor poderá opor-se às alterações que lhe prejudiquem os interesses, ofendam sua reputação ou aumentem sua responsabilidade.

Art. 67. Se, em virtude de sua natureza, for imprescindível a atualização da obra em novas edições, o editor, negando-se o autor a fazê-la, dela poderá encarregar outrem, mencionando o fato na edição

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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