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Paulo Coelho, Modiano e pirataria – Ecos de Frankfurt
PublishNews, 14/10/2014
Paulo Coelho, Modiano e pirataria – Ecos de Frankfurt

Três assuntos chamaram minha atenção no noticiário da semana passada sobre a Feira de Frankfurt. Por “ordem de chegada”: Paulo Coelho e sua conversa com Jurgen Boos, o Nobel de Patrick Modiano, e os comentários de editores brasileiros sobre a pirataria digital.

Matutando, acho que estabeleci algumas ligações significativas entre os três eventos. Reflexões que compartilho com vocês.

Na sua conversa com Boos, que é o diretor da Feira, e que chamou Mr. Rabbit para, de certa forma, compensar seu polêmico forfait ano passado, o Mago espicaçou a fundo o mercado editorial.

Segundo a matéria assinada por Ubiratan Brasil no Caderno 2 do Estadão do dia 9, Paulo Coelho declarou que “São duas as grandes razões que fazem alguém ler: a busca de entretenimento e a de conhecimento. Mas, no mundo tecnológico em que vivemos, esse leitor não necessita mais da cadeia intermediária entre ele e o conteúdo. Assim, editores, distribuidores e livreiros tornam-se, muitas vezes, dispensáveis para esse leitor, pois encarecem o produto.”

A estratégia pessoal de Paulo Coelho em relação ao assunto é simples: vende as versões digitais de seus livros a US $ 9,90 (na maioria dos casos), e não se importa com a pirataria. Na entrevista mencionou que viu uma edição em árabe que “certamente será pirateado em papel em todo mundo árabe”. A razão: a edição libanesa é muito cara para os compradores da região. Em outra ocasião, se não me falha a memória, ele mencionou que não se importava com traduções piratas de seus livros (acho que mencionava uma tradução para o farsi).

Resumindo, o que Paulo Coelho coloca é: livros baratos; acessibilidade máxima.

Na quinta-feira foi anunciado o vencedor do Prêmio Nobel, Patrick Modiano. Editado em francês pela Gallimard. No Brasil, apenas uma edição disponível, Filomena Firmeza, pela Cosac Naify, custa R$ 29,00 e não está disponível em versão digital. Outros seis títulos do autor foram traduzidos e publicados, mas estão esgotados e só se encontram em sites de usados (de onde desapareceram rapidamente) e já começam a aparecer em sites de downloads, principalmente em pdf.

Sou de uma geração para a qual o francês ainda era uma língua relevante, de modo que leio correntemente nesse idioma. Fui buscar edições digitais dos romances do nobelizado. Nas lojas brasileiras, nada. Na www.amazon.fr aparecem vários títulos da Gallimard – inacessíveis para compradores de fora da França. Na loja da Amazon nos EUA, algumas poucas traduções para o inglês e várias para o alemão. Na Kobo, também só algumas traduções para o alemão. E no Google Play, apenas livros sobre o autor. No site da Saraiva, nada digital, só impressos importados.

Mas existe um monte de sites oferecendo download grátis, em ePub, de todos os romances do autor. Em francês, inglês, espanhol, alemão.

O Estadão publicou também, no sábado 11, matéria do Ubiratan sobre as questões e queixas dos editores sobre a pirataria no Brasil.

As queixas habituais dão o tom principal. Roberto Feith afirma que, mesmo com os lançamentos de livros em versões digitais e o aumento das livrarias que os vendem, o número de downloads ilegais “tem se mantido alto”, no que é corroborado por outros editores. A afirmativa genérica do número alto de sites de download não é acompanhada de informações numéricas.

Outros comentários da mesma matéria, no entanto, despertaram mais minha atenção. Um editor não identificado associa a pirataria como “um selo de garantia”. “Afinal ninguém vai perder tempo pirateando porcaria”, diz ele. Na minha avaliação. O que define a quantidade de ataques piratas é a popularidade do autor ou do título, algo nem sempre associado à qualidade literária.

Eduardo Spohr, autor de best-sellers de fantasia, tem outra visão. Ele não acredita que somente os jovens fazem downloads ilegais, mas percebe nos que fazem “uma adoração pelo livro como objeto de colecionador. [...] [quando] baixam algum arquivo ilegal, é normalmente para ter uma ideia de como é a trama – algo como, em uma livraria, ler a orelha e os primeiros capítulos do volume para ter a certeza da escolha”.

Paulo Rocco, que sofreu ataques no computador da tradutora Lia Wyler quando esta trabalhava na série Harry Porter, corrobora essa visão. “Os fãs baixam, sim, arquivos ilegais, mas é porque querem ter o sabor de serem os primeiros a descobrir a nova edição”. Segundo Rocco, o mais comum era algum fã afoito adquirir um exemplar do original em inglês e, depois de passar madrugadas traduzindo de forma atabalhoada, colocar sua versão na Internet. E conclui: “Normalmente, era rejeitada porque era mal escrita”.

Sônia Jardim relata outro problema, o desvio dos originais entre a editora e a gráfica (hoje praticamente tudo é feito online) e subsequente aparecimento disso na Internet.

Bom, o que passou pela minha cabeça desse guisado?

A primeira e mais óbvia conclusão é que a pirataria é imbatível. Existe e existirá, e a simples repressão não vai resolver o problema. O mesmo aconteceu com a música, setor no qual a perseguição aos sites de troca só provocou revolta e desgaste. Até que Steve Jobs, com o iTunes, convenceu a maioria que disponibilizar faixa por faixa, baratinho, na web, aumentaria os ingressos das gravadoras e dos autores.

Funcionou. Não acabou com a pirataria, mas abriu espaço para as gravadoras voltarem a faturar.

No que diz respeito aos livros, me parece, a situação é mais complexa.

Em primeiro lugar, recordando o Paulo Coelho, quem procura entretenimento não necessariamente busca qualidade literária. Monsieur Lapin não se importa nem com traduções feitas por fãs (embora alguns maledicentes tenham dito que a tradução para o francês melhorou muito a qualidade do texto. Não posso avaliar, já que não li em nenhuma das duas línguas). Ele joga claramente na acessibilidade imediata, e a mais ampla possível, de todos os ítulos, e sua experiência mostra que isso resulta em vendas posteriores.

Diria que o isso, que vale para o Paulo Coelho, vale também para essa literatura para adolescentes que tanto faz sucesso atualmente. Esses leitores querem... a trama, ainda que eventualmente sob a capa da sabedoria diluída nas fórmulas da autoajuda. E não tenho nada contra isso. Longe de mim qualificar as necessidades dos leitores. Mas esses não estão preocupados com detalhes de linguagem e formulações literárias.

No caso do Harry Porter – que efetivamente apresentou consideráveis dificuldades de tradução – é bom notar que a autora é uma das pioneiras na eliminação do DRM na venda de seus livros digitais. Portanto, em inglês, os empréstimos e cópias entre amigos se tornam comuns e são legais. Já as traduções, mais difíceis, fracassam na pirataria enquanto o texto mais cuidado não está disponível. Uma vez publicado, esse é inevitavelmente pirateado. Aí, para diminuir isso, só uma solução: vender mais barato o e-book e contar que os lucros se realizem nas vendas dos livros físicos.

O caso do Patrick Modiano, para mim, é o mais representativo de uma determinada cegueira dos editores. As edições digitais francesas são, quase invariavelmente, de venda restrita aos que moram na França. Os editores desprezam o mercado potencial no exterior. Não sei se a limitação vale também para o Québec e para os outros países da francofonia. Tendo a acreditar que sim, mas não posso assegurar isso.

Já havia percebido o fenômeno quando tentei comprar o livro do Picketty no original francês. Não consegui, e tive que me contentar com a tradução em inglês, amplamente disponível.

Certamente as traduções dos livros de um romancista como Modiano não podem ser feitas a trouxe-mouxe, o que demandará tempo para se tornarem disponíveis em português (os novos livros) e certamente não poderão ser vendidas tão baratas assim, pelos custos envolvidos. As edições antigas logo estarão disponíveis nos sites piratas.

Não consigo imaginar qual a razão que leva editoras como a Gallimard a não vender as versões digitais em francês para o resto do mundo. Afinal, eles exportam os livros impressos para quem queira. Como no meu caso, quantas vendas virtuais eles perderam?

Não tenho condições de verificar se as editoras brasileiras restringem a venda dos livros eletrônicos aos moradores no Brasil. Se o fazem, perdem o acesso virtual de um mercado de mais de quatro milhões de brasileiros que moram no exterior, e que teriam nos livros eletrônicos um modo muito mais eficaz de conhecer os livros editados por aqui.

Em resumo, posso concluir:

- o preço e a facilidade de acesso contam. O preço é essencial para os livros paulocoelhamente definidos como “de entretenimento”. Mas a rapidez também conta, sob pena de estimular ainda mais a pirataria;

- para os livros técnico-científicos, e de literatura mais elaborada, o fator essencial é o acesso. É provável que o leitor do Patrick Modiano aceite pagar por exemplar mais que o leitor da Meg Cabott, mas ficará irritado ao perceber que o livro não está disponível. E, olhem, nesses casos, é difícil resistir à tentação.

Comentários são bem-vindos – e eventualmente respondidos – no meu site: www.oxisdoproblema.com.br.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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