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Deficientes visuais e disléxicos beneficiados com exceções no tratado de direitos autorais
PublishNews, 01/10/2014
Deficientes visuais e disléxicos beneficiados com exceções no tratado de direitos autorais

Em junho de 2013 foi assinado em Marrakesh, capital do Marrocos, um tratado adicional à Convenção de Berna sobre Direito Autoral que facilita de modo significativo o acesso de obras literárias e científicas para as pessoas cegas, ou com grau acentuado de deficiência visual, e para disléxicos. O documento, que passou a ser conhecido como Tratado de Marrakesh, foi aprovado em assembleia da Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI, organismo afiliado à Organização das Nações Unidas e dedicado especialmente à proteção de direitos intelectuais.

Mais de 80 países já assinaram o tratado, mas poucos já o ratificaram, e são necessárias 20 ratificações para que entre em vigor internacionalmente. A Índia foi o primeiro a ratificar esse instrumento. No Brasil, a ratificação do instrumento está sendo acompanhada pelo Ministério da Cultura, pela Secretaria de Direitos Humanos e pelo Itamaraty. Cabe assinalar que o Brasil foi um dos proponentes do Tratado. Segundo Pedro Milliet, da Fundação Dorina Nowill, que acompanha o assunto, o interesse do governo brasileiro é real, mas nessas alturas não há mais chance de que o tratado seja ratificado antes das eleições. Esperemos que o seja ainda este ano.

Na América latina, apenas El Salvador já cumpriu o processo de ratificação, e, no Equador, este está bem avançado, pois não precisa passar pelo parlamento, por se tratar de tratado na área de direitos humanos.

O que é?

As legislações sobre direitos autorais geralmente incluem as chamadas “exceções” – situações nas quais os mecanismos de proteção são suspensos em casos específicos. O exemplo mais conhecido é o do fair use, a cópia para uso próprio sem finalidades comerciais. A legislação brasileira há muito incluiu entre suas exceções os relacionados à publicação para uso dos deficientes visuais, seja em Braille ou outro “formato acessível”, como audiolivros.

Por isso mesmo, as entidades que promovem a publicação em Braille ou outros formatos acessíveis não necessitam de autorização dos detentores de direitos autorais para produzi-los.

No entanto, uma das principais limitações dessa autorização era a da exportação ou intercâmbio entre fronteiras desses materiais. Para o Brasil, especialmente, isso impossibilitava que os livros desse tipo fossem importados ou exportados para Portugal ou para os países africanos de língua portuguesa. O Brasil é o maior produtor de livros acessíveis em língua portuguesa, de modo que essa limitação prejudicava principalmente os demais países. O problema entre os países de língua espanhola ou em inglês, entretanto, é muitíssimo mais grave, pois o número de falantes desses idiomas em vários países é muito grande, e cada um estava impedido de ter acesso ao produzido por outros.

O Tratado de Marrakesh tem em um de seus pontos mais importantes precisamente esse, no seu artigo 9:

“Artigo 9: Cooperação para facilitar o intercâmbio transfronteiriço.1. As Partes Contratantes farão todo o possível para facilitar o intercâmbio entre fronteiras de exemplares em formato acessível, incentivando o intercâmbio voluntário de informação para ajudar as entidades autorizadas a se identificar. [...]. 2. As Partes Contratantes se comprometem a prestar assistência a suas entidades autorizadas que realizem atividades contempladas no artigo 5 para deixar disponível informação sobre suas práticas conforme ao disposto no artigo 2.c), tanto mediante o intercâmbio de informação entre entidades autorizadas como mediante à disponibilização, de informação sobre suas políticas y práticas, com inclusão de informação relativa ao intercâmbio entre fronteiras de exemplares em formato acessível às partes interessadas e membros do público, como for o caso.”

Na América Latina

Esse tratado facilita particularmente a cooperação brasileira com os países africanos de língua portuguesa e com Portugal, onde a produção é praticamente nula (no caso dos africanos) ou muito reduzida, no caso português. No caso dos países em língua espanhola a situação é mais complicada. Cada um deles era obrigado a produzir a bibliografia mais abrangente, para uma população relativamente pequena. Apenas a união de esforços poderia aliviar essa situação, inclusive com a importação dos livros produzidos na Espanha, pela Organización Nacional de Ciegos Españoles – ONCE.

DAISY E HTML-5 – As inovações tecnológicas

O sistema DAISY – acrônimo para Digital Accessible Information System – é um padrão de transformação dos antigos audiolivros em algo que pode ser não apenas mais facilmente “lido” pelos deficientes visuais, como permite anotações, marcações e localizar essas referências com facilidade, o que não acontece com os audiolivros comuns. O padrão foi estabelecido na Suécia em 1994. Hoje, entre os 20 membros do conselho do Consórcio DAISY, está a Fundação Dorina Nowill para Cegos, do Brasil.

Mais tarde, foi desenvolvido também o padrão Daisy para textos, que combina o audiolivro com uma tela em texto, que pode ser ampliada e, principalmente, pode ser marcada, sublinhada e facilmente recuperada pelo deficiente visual.

A Fundação Dorina Nowill para Cegos é a única instituição que produz livros no formato Daisy. O MEC desenvolveu também um projeto MEC-DAISY, com as exigências para inclusão nos livros adquiridos pelo FNDE para os diversos programas governamentais. O usado pela FDN, entretanto, já é mais avançado, com recursos adicionais. Pode, evidentemente, ser lido pelos computadores de mesa. O Instituto Benjamin Constant, órgão do governo federal, produz audiolivros e impressos em Braille, mas não em Daisy.

Adicionalmente ao aplicativo desenvolvido para os desktops, a Fundação Dorina Nowill lançou, por ocasião da recente Bienal do Livro de São Paulo, dois aplicativos para tablets e celulares, com sistema Android, que permitem a leitura de livros em formato Daisy nesses aparelhos. O link para baixar os aplicativos é: www.daisylatino.org/ddreader (para Windows, no desktop ou no tablet Surface, da Microsoft) e o de Android está no Google Play (DDReader). Existem outros aplicativos disponíveis para o iOS da Apple. Os trabalhos técnicos da Fundação Dorina Nowill são desenvolvidos em parceria e colaboração com a empresa Results, desenvolvedora de softwares com foco em acessibilidade e livros digitais.

A Fundação Dorina Nowill dispõe de um acervo de cerca de três mil títulos em Braille e outro tanto (3.200) em áudio. O acervo em DAISY disponível (não inclui os livros didáticos do PNLD) é de cerca de dois mil títulos. A produção anual atual (em processo de otimização da produção) é de 300 títulos em Braille, 300 em áudio e 450 em DAISY.

O programa do Livro Didático do MEC já publicou aproximadamente 400 títulos de livros didáticos em formato Daisy-MEC. Os resultados já começam a aparecer na prática, com o aumento do número de deficientes visuais que terminam o ensino fundamental e ingressam no ensino superior. Antes, essa façanha só era possível como uma enorme dose de determinação, como é o caso da professora Dorina Nowill.

Os editores tradicionalmente desenvolveram uma certa paranoia em relação às possibilidades de pirataria dos livros em formato acessível. O aplicativo, tanto para Windows como para Android, é gratuito e qualquer pessoa pode usar. Mas os livros (exceto os de domínio público) são de uso restrito aos deficientes visuais com cadastro na biblioteca da Fundação, ou no caso da Bookshare.org, registrados nesta. Os livros hoje são criptografados e protegidos por senha individual. Os audiolivros só podem ser baixados por usuários cadastrados na biblioteca da Fundação, que está migrando a proteção para fingerprint a fim de preservar a proteção mas habilitar a leitura em qualquer leitor.

Os livros para deficientes visuais são acessíveis gratuitamente pelos usuários cadastrados. O mais recente desenvolvimento tecnológico na produção de e-books, o HTML-5, abriu um espaço para que as editoras possam oferecer seus livros, em formato acessível, como muito mais facilidade. A migração do e-book comum para um com formato acessível (nos moldes do Daisy) ficou muito mais fácil.

Isso pode levar a um impacto significativo de mercado para as editoras. Os deficientes visuais leitores leem, em média, oito vezes mais livros que os leitores comuns. E gostariam de ter um acesso muito mais amplo ao conjunto dos títulos publicados em todos os países, e pagam por esses livros, como qualquer leitor. Na área do livro técnico, em particular os destinados aos cursos universitários, a carência é ainda enorme, pois existem aproximadamente apenas 1.500 títulos destinados a esse mercado. Com os recursos de acessibilidade do HTML-5, essa produção poderia facilmente ser multiplicada.

O HTML-5, usado na produção dos e-books mais modernos, representa assim uma dupla oportunidade. Para os deficientes visuais, a possibilidade de ler o que desejarem, sem depender do trabalhoso e custoso processo de adaptação feito por instituições como a Dorina Nowill, o Benjamin Constant e similares. Para as editoras, a chance de explorar um mercado potencialmente significativo, de aproximadamente um milhões de leitores cegos, disléxicos ou com capacidade visual reduzida.

O esforço mundial para tornar os livros acessíveis disponíveis para os deficientes visuais é liderado pelo Acessible Books Consortium que inclui entre seus membros a OMPI – Organização Mundial da Propriedade Industrial (UNESCO), a IPA – International Publishers Association, a entidade internacional dos editores; a IFLA, Associação Internacional dos Bibliotecários; a IFRRO – Federação das organizações de Direitos Reprográficos; a União Mundial dos Cegos; o próprio Daisy Consortium , dedicado à difusão do padrão e a Fundação Dorina Nowill, entre outras.

Para comentários e sugestões, visite o site www.oxisdoproblema.com.br.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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