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Fundo de catálogo: a mina a ser explorada
PublishNews, 18/03/2014
Fundo de catálogo: a mina a ser explorada

O chamado “fundo de catálogo” – os livros que vão sendo editados no decorrer dos anos e continuam com contratos válidos – pode ser uma benção ou uma maldição para as editoras. Para certo tipo de editoras que desenvolvem seu catálogo pensando em títulos de vida longa, são muitas vezes a principal fonte de rendimentos. As bíblias, por exemplo, fazem esse papel nas editoras religiosas cristãs. Certo tipo de manuais e publicações técnicas de caráter universitário constituem a espinha dorsal de muitas editoras.

Para outras, entretanto, o fundo de catálogo pode se transformar em uma verdadeira ameaça à sua sobrevivência. Quando a editora erra o cálculo e imprime uma quantidade muito grande de exemplares, o que poderia ser a bonança de um best-seller se transforma em encalhes e o bicho realmente pega.

Mesmo sem caracterizar como encalhe, o fundo de catálogo é sempre um fator a ser administrado com muito cuidado pelas editoras. Isso porque os processos de impressão tradicionais – ainda muito usados no Brasil, seja com máquinas planas ou com rotativas – acabam sempre por resultar em uma sobra depois que a “vida de prateleira” do título se esgota. Essa vida de prateleira é o período logo após os lançamentos, quando os títulos (principalmente das editoras de obras gerais) ainda encontram espaço nas livrarias. Se calham de se transformar em best-seller, o problema se resume em administrar corretamente as reimpressões. Inclusive a decisão de reimprimir ou não, caso a tiragem se esgote.

Sempre é conveniente lembrar a observação que o Gabriel Zaid faz em seu Livros Demais: cada título lançado tem um público potencial de leitores (e possíveis compradores) definido. Mas sempre há que resolver dois problemas. O primeiro é tentar adivinhar qual é o tamanho desse público leitor potencial. O segundo é fazer com que os livros cheguem a todos esses possíveis leitores.

Como não se trata de ciência – muitíssimo pelo contrário – o mais comum é que sempre sobre alguma quantidade de exemplares no estoque, mesmo que o título não tenha dado prejuízo.

Suponhamos uma editora que publique, digamos, 50 títulos por ano, e que de cada um desses acabe sobrando uma quantidade média de duzentos exemplares. No final do ano, serão 10 mil exemplares no armazém, que podem levar muitos anos para serem escoados (quando o são).

Além da amortização desses exemplares se contabilizar como débito nas contas das editoras, continuam gerando custos: espaço nos armazéns e administração disso tudo. Até o dia em que a sobra final é vendida como saldo ou, pior, picotada e vendida como apara.

Entretanto, não podemos nos esquecer que esses títulos fazem parte da composição da bibliodiversidade do país.

O desenvolvimento da Internet tem contribuído muito para minimizar esse problema. O livro some das livrarias, mas pode ser encontrado através de busca na rede, por algum leitor que saiba o título, o autor ou a editora.

Segundo a GfK, que acompanha as vendas com dados fornecidos automaticamente por livrarias e lojas online, uma média de 73.400 ISBNs são adquiridos semanalmente no pais. Em 2012, o total de ISBNs que tiveram movimentação de vendas foi de 215.500, de um total de 519.900 que estão no banco de dados da empresa.

Na minha estimativa (um chute mais ou menos informado), o total de livros disponíveis no catálogo das editoras está por volta do meio milhão de títulos. Como a GfK contabiliza também vendas de livros estrangeiros importados, provavelmente ainda há uma quantidade de títulos ausentes desse banco de dados, embora diminua cada vez mais.

Ora, em outro chute razoavelmente bem informado, estou seguro que os mais de 73 mil títulos adquiridos semanalmente não estão fisicamente presentes no estoque do conjunto das livrarias brasileiras. Ou seja, foram descobertos pelos leitores, que os encomendaram, através da Internet.

Essa descoberta tem se dado por uma espécie de boca-a-boca cibernético. Blogs de literatura e outros, especializados, indicam para seus seguidores livros de interesse em cada área. Alguns programas de leitura cooperativa, como o Goodreads, também dão dicas para os leitores de escolhas feitas por outros, interessados no mesmo assunto.

Tudo isso, porém, tem um ponto em comum: a atitude passiva das editoras. Os livros são achados por iniciativa dos leitores e de seus pares, e adquiridos pela Internet, que é o caminho da encomenda de títulos não fisicamente encontráveis nas livrarias.

Se o leitor, desavisado, entrar em um site das grandes cadeias de livrarias, só consegue encontrar um livro se souber o título ou o nome do autor. Qualquer outra tentativa de busca por categorias é extremamente frustrante. Já escrevi sobre o assunto no post “Como editoras e livrarias andam [mal]tratando seus [meta]dados por aqui”. A situação pode até ter melhorado um pouco desde essa publicação de maio de 2012, mas está longe de ser resolvida. Os instrumentos de organização de informações, como o ONIX, continuam sendo pouco usados, e a inovação mais recente, a do “Thema”, desenvolvida pelo EdiTeur, continua virtualmente desconhecida, como analisei neste outro artigo.

Isso significa que o desenvolvimento das vendas do fundo de catálogo praticamente se esgota na publicação dos catálogos online. Não existe um trabalho de marketing proativo de promoção desses títulos, facilitando aos leitores a possibilidade de encontrá-los por temas e tags, que podem se multiplicar para cada livro, incluindo o conjunto dos assuntos tratados. É verdade que algumas editoras já tratam o assunto com seriedade e têm responsáveis encarregados de desenvolver os metadados de cada título, mas são exceção.

O desenvolvimento da Amazon, com seu poderoso mecanismo de buscas (que, aliás, funciona melhor no site dos EUA do que nos outros sites nacionais) representa, nesse sentido, uma faca de dois gumes: por um lado, a gigante facilita a busca de livros. Por outro, acumula cada vez mais dados sobre o comportamento dos leitores e compradores de livros e de todos os demais produtos que vende, o que lhe abre cada vez mais possibilidades estratégicas de ocupar espaços editoriais, inclusive com a ajuda da autopublicação.

Recentemente, a Publishing Perspectives publicou artigo de William Kingsland e Rakesh Satyal, no qual os autores nos dão razões pelas quais as editoras deveriam “pensar mais como a Amazon”, e destacam o trabalho de desenvolvimento da marca da empresa, com ênfase nas suas virtudes. E, dizem eles, as editoras deveriam mudar a ênfase dos esforços de comercialização a partir dos nomes dos grandes autores, e desenvolver processos de criação e fortalecimento de suas marcas (branding), inclusive com sistemas de vendas diretas ao consumidor. “A maioria dos leitores – dizem eles – possui apenas um conhecimento superficial do que torna um selo literário como a Knopf, da Random House, por exemplo, diferente de outro selo literário como o Scribner, da Simon&Schuster, ou mesmo de um selo mais comercial como o St. Martin’s Press”.

De fato, na maioria dos casos, os livros das editoras dos EUA não mostram nem o seu logotipo na capa. Assim, dizem os dois (que trabalham na Siegel+Gale, empresa de criação, fortalecimento e administração de marcas), as editoras deveriam, em vez de focar separadamente nos autores, como é a estratégia tradicional de marketing, capitalizar “seu principal ativo, que é o conjunto de seus autores”. Ou seja, sua marca.

Penso que aqui no Brasil, de certo modo, avançamos mais nesse sentido. Há uma corrente de selos editoriais que, a cada momento, se destacam como “selos de qualidade”. Na minha adolescência, eu automaticamente procurava os lançamentos da Civilização Brasileira, por conta de afinidades políticas, estéticas e literárias. E antes dela houve a José Olympio, e depois a Brasiliense e a Companhia das Letras. Hoje, um selo como o Verus, da Record, atrai os leitores de fantasia, como os de Harlequin continuam atraindo as leitoras de romances água com açúcar (papel que já foi ocupado por outros selos).

Entretanto, faz-se necessário usar uma abordagem mais sistemática e definida, inclusive com o estabelecimento de vários selos dentro de cada editora (tendência que já existe), mas focando os esforços de marketing na linha editorial e no conjunto desses autores. Na marca, em uma palavra.

Mas, para isso, o melhor uso de metadados é absolutamente fundamental, de modo que os leitores possam encontram esses selos com o uso de tags, palavras-chave, que estejam fortemente vinculados a essas linhas editoriais.

O estado da situação, entretanto, é muito mais dramático, e a maioria das editoras ainda depende de análise manual dos catálogos para seleção de títulos para programas específicos de compras governamentais, como aconteceu com o PNBE da literatura indígena, recentemente.

Valeria a pena falar no efeito da escassez de espaço na imprensa para com os autores “não famosos”, que quase nunca são resenhados, ou escolhidos para participar dos eventos literários, como bem assinalou Pedro Almeida em sua coluna da semana passada no PublishNews. Mas isso já fica para outra ocasião.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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Ronaldo Correia de Brito
Escritor brasieliro
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