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Editores brincam com fogo
PublishNews, 25/02/2014
Editores brincam com fogo

Em recentes declarações, o ministro Guido Mantega, da Fazenda, afirmou que as projeções macroeconômicas incluídas no Orçamento Federal e na Meta Fiscal para 2014 não preveem novas desonerações para a indústria, e que podem até mesmo ocorrer aumento de impostos. Como se sabe, entretanto, as mudanças na cobrança direta de impostos só valem para o exercício fiscal seguinte, e isso reforça a percepção de que, além de não haver mais incentivos através de desoneração fiscal, existe a possibilidade de redução daquelas vigentes, ou até mesmo da extinção de algumas delas.

Macaco velho não só mete a mão em cumbuca como também fica com o ouvido bem aberto para os tambores da selva que anunciam problemas. E problemas podem vir atingir a indústria editorial nesse período em que a grande imprensa, e analistas econômicos e políticos pedem arrocho fiscal, inclusive Hubert Alquéres, vice-presidente da CBL, que escreveu que “quem quer que seja o presidente eleito em 2014, este será obrigado a dar um brutal freio de arrumação na economia, tais os enormes desacertos econômicos cometidos pelo governo Dilma.” (Panorama Editorial – 16/01/2014).

Assim sendo, não sei se brutal, mas que vem um freio de arrumação, vem. Atendendo a pedidos, pelo visto.

Já que é o caso, o que os editores têm a ver com isso?

Desde 2004 está vigente a desoneração de tributos que permaneciam, em desobediência ao mandado de imunidade tributária, consagrado na Constituição Federal, que proíbe instituir tributos sobre “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão” (art. 150). Apesar disso, continuava a cobrança das chamadas “contribuições” sobre o PIS/PASEP e o COFINS, que oneravam diretamente as editoras e livrarias. Era de fato uma tributação que variava de 3,65% do faturamento, para as empresas no regime do lucro presumido a uma média de 7% sobre o faturamento para as empresas no regime do lucro real, exceto as que já estavam no regime do SIMPLES.

Na ocasião eu trabalhava como consultor contratado pelo CERLALC junto ao programa então conhecido como “Fome de Livro”, coordenado pelo Galeno Amorim. Minha atenção foi atraída por um dispositivo proposto pela Receita Federal que isentava desses tributos os “livros técnicos e científicos”. Chamei atenção para o absurdo da proposta: os livros não são definidos pelo conteúdo. Aliás, tentar examinar o “conteúdo” de um livro, sob qualquer pretexto, seria, de fato, um mecanismo de censura. Também taxativamente proibida pela Constituição Federal. Se houvesse desoneração, teria que ser para todos os livros, e a proposta abria uma janela para isso.

Uma articulação costurada pelo Galeno Amorim junto ao então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, a Casa Civil e as lideranças do governo no Congresso (o MinC esteve ausente dessa movimentação toda) levou à apresentação de emenda à Medida Provisória 202, em tramitação que abrigava uma salada de assuntos, e acabou incluindo a desoneração do PIS/PASEP-COFINS, consagrada na Lei 10.925, de 23 de julho de 2004.

Mas, ao mesmo tempo em que se articulava com as autoridades da Fazenda, foi feito um acordo com as entidades do livro, consultadas uma a uma, nos seguintes termos: o Governo Federal promoveria a desoneração do PIS/PASEP-COFINS e, em troca, se instituiria uma contribuição compulsória, também sobre o faturamento, no valor de 1% deste, para o financiamento dos programas de bibliotecas e de promoção da leitura. A desoneração continuaria a ser muito significativa para o desempenho das empresas, ao mesmo em tempo que se destinariam recursos específicos para programas de biblioteca e de apoio à leitura. Iniciativa entusiasticamente aceita pelas entidades do livro, que não estavam mobilizadas para o assunto e recebiam, por iniciativa do Executivo, a proposta de trocar o PIS/PASEP-COFINS (3,65 a 7% do faturamento das empresas) por uma contribuição bem menor que seria destinada ao desenvolvimento do mercado editorial.

A cerimônia de sanção da lei transformou-se em uma festa no mundo editorial, que compareceu em grande número no Palácio do Planalto. Todos conscientes de que aquela sanção era o primeiro passo para a conformação do Fundo, que subsequentemente seria instituído. Ou seja, todos sabiam que a desoneração implicava, de fato, na instituição da contribuição de 1% sobre o faturamento para a constituição do Fundo de Leitura e Bibliotecas.

Da minha parte, eu insistia para que a desoneração já fosse acompanhada da medida legal instituindo o Fundo e os princípios de sua administração, com a participação de todos os segmentos do livro e da leitura. E que não se poderia usar mais de 5% da receita em gastos de administração, destinando 95% de tudo que fosse arrecadado aos programas de incentivo às bibliotecas. No entanto, para aproveitar a janela de oportunidade que se abria, optou-se por fazer primeiro a desoneração e depois a instituição do fundo.

A desoneração resultou em ganhos para as empresas do mercado editorial (no lucro presumido e no lucro real), da significativa soma de mais de DOIS BILHÕES DE REAIS entre 2005 e 2013, com a projeção, para 2014, de mais de 400 milhões de reais.

Assim, segundo dados da Receita Federal:

O Fundo chegou a existir? Sabemos que não.

A procrastinação dos editores foi o primeiro fator: jogaram na não reeleição do Lula em 2006, torcendo para que, se isso acontecesse, o assunto fosse devidamente esquecido. Criaram o Instituto Pro-Livro como alternativa, que desenvolve algumas ações significativas, como as pesquisas de Hábito de Consumo e Leitura de Livros e está presente nas Bienais (algumas), com belos e chamativos estandes de promoção da leitura. Quanto isso custa? Não sei. Mas certamente muitíssimo menos que os cerca de 400 milhões de reais, que é minha estimativa (por baixo), do que poderia ter sido arrecadado pelo Fundo nesses nove anos.

Inventaram também, com a pesquisa de Produção e Consumo de Livros, uma fantástica “redução” do preço dos livros como se fosse parte dessa compensação. Já escrevi sobre esse assunto, aqui, duvidando que essa redução de fato tenha acontecido. De qualquer maneira, a proposta era de que haveria redução E contribuição para a constituição do Fundo.

Mas os editores contaram também com a valiosíssima colaboração da incompetência administrativa do Ministério da Cultura. Nesses nove anos os encarregados da política do livro (em suas várias encarnações) não conseguiram formular um projeto que fosse aceito pela Fazenda e pela Casa Civil. Sei que alguns esboços languidescem em algumas gavetas por lá. Dormem o sono profundo da inércia burocrática.

Mas essa desoneração – como todas as demais – é acompanhada de perto pela Receita Federal. As fontes que usei para levantar os dados, no site da Fazenda, são o resultado inclusive de uma determinação legal de acompanhamento da proposta orçamentária. E os técnicos da Fazenda tem uma percepção bem clara dos objetivos das desonerações.

Como assinala a Receita Federal em seu Demonstrativo dos Gastos Tributários 2009:

“Gastos tributários são gastos indiretos do governo realizados por intermédio do sistema tributário visando atender objetivos econômicos e sociais”. São explicitados na norma que referencia o tributo, constituindo-se uma exceção ao sistema tributário de referência, reduzindo a arrecadação potencial e, consequentemente, aumentando a disponibilidade econômica do contribuinte.

Têm caráter compensatório, quando o governo não atende adequadamente a população dos serviços de sua responsabilidade, ou têm caráter incentivador, quando o governo tem a intenção de desenvolver determinado setor ou região.” – PDF – p. 11 (No site da Receita Federal).

O fato é que o compromisso assumido – de conhecimento da Fazenda e da Receita – não foi cumprido pelos editores. E a CBL, uma de suas entidades, pede um “freio de arrumação”.

Os quatrocentos milhões de reais da desoneração da indústria editorial e livreira não vão resolver os problemas fiscais, é claro. Mas quatrocentos milhões daqui, um bilhão e meio dacolá, e outro tanto alhures vão somando.

É como diz o ditado: “Menino que brinca com fogo acaba se queimando”.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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