O Festival Pauliceia Literária, promovido pela Associação de Advogados do Estado de S. Paulo entre os dias 19 e 22 passados, não foi o primeiro do gênero na cidade, ao contrário do que informou a matéria equivocada d’O Estado de S. Paulo. A Balada Literária, iniciativa do escritor Marcelino Freire, já com vários anos de vida, e que terá sua edição deste ano em novembro, é pioneira nesse tipo de iniciativa. Mas a Pauliceia Literária é o primeiro evento promovido por uma associação profissional que não tem nenhuma ligação direta com os livros. No caso, os advogados, e isso é de grande importância.
Temos também, aqui em S. Paulo, alguns outros eventos literários com leituras e conversas com e entre autores. A Casa das Rosas faz encontros de poesia, o SESC tem um menu de atividades do tipo, promovidos por várias entidades e que se abrigam em suas unidades. E os saraus de poesia das periferias de S. Paulo são um fenômeno fantástico de incentivo à leitura e à produção literária.
A Pauliceia Literária é declaradamente inspirada no modelo da Flip, mas Christina Baum, sua curadora, afirma que a ideia não é “fazer uma Flisp”. Pretende, sim, dialogar com os outros festivais literários do país e do exterior. Christina tem experiência para isso, pois foi a primeira curadora da Flip e em eventos com a PalFest, um festival literário na Palestina ocupada, entre 2008 e 2010. Tem tudo, portanto, para fortalecer e transformar a Pauliceia em um evento importante e significativo na programação cultural da capital.
Até junho passado o portal da FBN que registra feiras e eventos literários já contava mais de cento e cinquenta eventos desse tipo este ano. E o número cresce sempre. Já escrevi sobre o assunto aqui.
A Associação de Advogados de São Paulo promoveu o evento como parte das comemorações de seu 70º aniversário. Sérgio Rosenthal, advogado criminalista e presidente da associação, e Luís Carlos Moro, advogado trabalhista e diretor cultural da AASP foram os impulsionadores da realização do evento.
A Pauliceia Literária foi feita sem aporte de recursos públicos, como informaram Rosenthal e Moro, em conversa comigo durante o evento. Não que sejam contra o uso de incentivos fiscais, mas essa primeira edição, segundo os dois, foi feita exclusivamente com dinheiro da Associação. Afinal, era a comemoração de um aniversário redondo.
Os dois advogados disseram também que a AASP fará uma avaliação detalhada dos resultados da Pauliceia, embora já haja uma tendência forte para que o festival se repita. Mas muitos detalhes serão decididos a partir dessa avaliação, inclusive a periodicidade.
O festival buscou atrair não apenas o público geral que circula no centro velho, como especialmente advogados, e procurou fomentar a leitura de temas e autores ligados à área de direito. Não à toa, portanto, a homenageada dessa primeira edição foi a escritora Patrícia Melo, conhecida por tratar de temas relacionados com o crime e a violência na cidade.
Alguns eventos foram realizados na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, mas o festival aconteceu principalmente na sede da AASP, na rua Álvares Penteado, no coração do centro antigo da cidade. A região ainda tem grandes agências bancárias, escritórios de advocacia (mais perto da Praça da Sé e do Fórum João Mendes) e vem sendo ocupado por faculdades que servem às pessoas que trabalham no centro e procuram aperfeiçoamento profissional.
Nos dias de semana, mesmo durante a noite, a região continua muito movimentada. O fim de semana é mais problemático, tanto em termos de frequência quanto de segurança, mas o público, apesar de menor, correspondeu e compareceu às mesas redondas. Em conversa com os dois advogados, entretanto, assinalei que era importante desenvolver uma ação de divulgação específica entre os estudantes, principalmente os de direito, para aumentar a frequência.
A programação estava muito bem estruturada, com autores importantes, advogados que escrevem literatura e também se interessam por temas específicos. O autor internacional mais conhecido foi Scott Turrow, advogado famoso por seus romances envolvendo a profissão e questões de direito. Turrow também é presidente da Author’s Guild, a associação dos escritores dos EUA, que vem tendo uma presença ativa nos tribunais, promovendo a ação contra o projeto de digitalização dos acervos de bibliotecas liderado pelo Google, e intervindo também no processo que o Departamento de Justiça promoveu contra a Apple e as seis maiores editoras dos EUA. O processo, instigado pela Amazon, está provocando mudanças nos rumos da comercialização de e-books, e Turrow não se furtou em advertir os presentes sobre as características deletérias para os autores das práticas comerciais da Amazon. Para os autores de best-sellers, disse Turrow, a Amazon não é ameaça. Mas para os autores que não vendem, a continuada depressão de preços força a diminuição dos direitos autorais recebidos.
Além da Patrícia Melo, outra autora foi muito celebrada pela plateia. Lygia Fagundes Telles, que se formou em Direito na década de 40, compareceu à sede da AASP quando se desenrolava a mesa em sua homenagem. Falou (da plateia), muito emocionada, e foi aplaudida pelo público.
Assisti a várias mesas, e particularmente fui para aquela intitulada “Paulicéia Estilhaçada”, com a Maria José Silveira, na companhia de Marçal Aquino e Tony Bellotto, com ótima mediação do Manoel da Costa Pinto. A última mesa foi uma leitura de trechos de romances preferidos de Patrícia Melo, Noemi Jaffe, Tony Bellotto, Susana Ventura, Richard Skinner, Jerônimo Pizarro e Maria José Silveira, que encerrou com uma leitura de um trecho do Macunaíma, do Mário de Andrade.Em tudo e por tudo, a Pauliceia Literária é um acréscimo significativo na cena literária de S. Paulo. Parabéns para Christina Baum, curadora, e Renata Megale, a diretora executiva. Esperemos que a avaliação da diretoria da AASP conclua pela continuidade da iniciativa, aperfeiçoe os detalhes e ano que vem presenteie a cidade com mais um belo evento de incentivo à leitura, valorização dos autores e estímulo à revitalização do Centro Histórico de S. Paulo.
Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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