O que se imaginava aconteceu. A fragmentação de direitos chegou com grande intensidade ao setor editorial. A novidade do momento é o serviço Oyster, que consiste na possibilidade de leitura de livros digitais por meio do pagamento mensal de US$ 9,95 (hoje estariam disponíveis cerca de 100.000 títulos no site).
No último artigo aqui do PublishNews abordei a possibilidade das empresas fornecedoras de material para leitura, no caso a Kobo e a Amazon, acessarem os dados dos leitores, conforme previsão inserida no documento de política de privacidade de cada uma delas. No caso do Oyster acontece o mesmo, como se vê a seguir: USER CONTENT: Some features of the Services allow you to provide content to the Services, such as written comments. All content submitted by you to the Services may be retained by us indefinitely, even after you terminate your account. We may continue to disclose such content to third parties in a manner that does not reveal Personal Information, as described in this Privacy Policy. READING INFORMATION: We receive and record information regarding reading behavior on the services including, but not limited to, the books that users click or open, specific pages opened or read, and words displayed to end users.
No que diz respeito ao modo de associação das editoras ao aplicativo, o site é misterioso e apenas transcreve a questão e a singela resposta: I am a publisher. How can I make my books available on Oyster? Please email partners@oysterbooks.com with any relevant information and we’ll get back to you shortly.
Evidente que deve ser utilizado aqui o conceito, que muitas editoras brasileiras já usam em seus contratos com os autores, de permissão de edição de trechos de livros, ou, ao menos, de remuneração por meio do volume de páginas do livro acessadas pelos consumidores. Em síntese, o Oyster apura quantos leitores acessaram e leram – há um controle do tempo em que a página fica aberta ou é virada, e daí se depreende a efetivação da leitura – o livro (ou partes dele), de modo que o tempo utilizado seja um dos fatores de remuneração pela utilização da obra. O assunto se resolve com um algoritmo que estrutura os programas de informática e cada vez mais é utilizado para processar os metadados, a avalanche crescente de informações que circunda qualquer negócio hoje em dia.
O programa também tem política simples relativa a direitos autorais, deixando claro não tolerar violações, conforme texto no site.
Em síntese, nesse breve texto de comentário sobre o programa, o que me chama a atenção é a horizontalização do direito. Ao invés de se comprar um livro por preço elevado (elevado se comparado ao preço da locação, ou do direito de leitura) que talvez poucos possam acessar, ou mesmo guardar, muito mais pessoas poderão ler partes de vários livros, por uma tarifa fixa mensal. Essa “economia de escala” possivelmente permitirá mais uma boa fonte de remuneração dos autores, além da venda dos livros.
É um novo modelo de negócio? Vai “pegar”? A indústria fonográfica se viu em apuros com o surgimento das tecnologias de acesso a músicas pelo meio virtual, com o quase fim de CDs e outros suportes físicos, e hoje incorporou os métodos de streaming e download para comercializar os direitos de “escutar” as músicas.
Para o autor, muda o modelo de remuneração e, aparentemente, permite um controle mínimo sobre a leitura efetiva das obras. Como será avaliado, nesse sistema, se uma obra é um best seller? Possivelmente o conceito mudará para um “most read”, ou “mais lido”, na medida em que se controlarão os acessos ao livro, talvez pelo tempo de “uso” do arquivo. O fator tempo, mais uma vez, passa a ser um elemento integrante do contrato, não mais como referencial cronológico de atividades, mas sim como moeda de aferição da remuneração do autor.
Para entender a origem de toda essa história, recomendo vivamente o livro O preço da leitura - leis e números por detrás das letras, de Marisa Lajolo e Regina Zilberman. Se ele entrar no Oyster, várias pessoas lerão num dia e aprenderão muito, como aconteceu comigo.
Talvez o Oyster seja uma resposta aos desejos e necessidades da chamada Geração Y, cujo comportamento se caracteriza pelo exercício de várias tarefas simultaneamente. Como já disse, o smartphone mudou a ergonomia; usa-se mais o polegar e o indicador para teclar nas telinhas, ao invés do movimento feito com os três dedos juntos (médio, anelar e mínimo), para virar as páginas do livro.
O tempora, o mores......
Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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