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A batalha pela tradução literária nos EUA
PublishNews, 30/07/2013
A batalha pela tradução literária nos EUA

Chad Post é um editor independente e blogueiro que há anos denuncia a pouca tradução literária no mercado editorial americano. Apenas 3% dos livros de literatura publicados nos EUA são traduzidos. Ele esteve no Brasil no começo de julho, convidado pelo projeto APEX/CBL, o Brazilian Publishers, para visitar o Rio de Janeiro e a Flip. O prof. João Cezar de Castro Rocha e eu estivemos com ele quando apresentamos o Conexões Itaú Cultural– projeto do qual somos os curadores – para o grupo, que incluía jornalistas e editores alemães e espanhóis.

A editora dirigida por Chad, a Open Letters é uma iniciativa sem fins lucrativos, apoiada pela University of Rochester. Juntamente com a New Directions e a Dalkey Archive Press são três dos mais importantes divulgadores de literatura traduzida nos EUA. A Open Letters, entretanto, é a única a se dedicar exclusivamente à tradução. As duas outras (New Directions foi fundada em 1936 e a Dalkey Archive Press nos anos 1980) publicam também literatura em inglês (ficção e poesia) e, embora sejam oficialmente “comerciais”, dependem muito de doações e bolsas de fundações. A Open Letters, entretanto, tem mais semelhanças em seu modelo com outras editoras universitárias dos EUA. A Tagus Press, vinculada ao Centro de Estudos e Cultura Portuguesa da University of Massachusetts Dartmouth, já lançou algumas obras em tradução e pretende iniciar uma coleção de literatura contemporânea em inglês. É o nicho do nicho.

Todas essas iniciativas são, certamente, gotas de água no oceano do isolamento cultural dos EUA, decorrente também da predominância do inglês como língua franca internacional, assunto sobre o qual já escrevi aqui. Mas o Chad Post não abandona sua trincheira e lançou um livro no qual tenta expor de modo mais detalhado seus pensamentos sobre o assunto: The Three PercentProblem: Rantsand Responses on Publishing, Translation, and the Future of Reading (O Problema dos Três Por Cento: Xingamentos e Respostas sobre Editar, Traduzir e o Futuro da Leitura), disponível em e-book pela Amazon e pela Kobo.

O lendário editor americano Alfred A. Knopf havia dito, lá pela década de 40, que os best-sellers iriam liquidar a indústria editorial norte-americana. Nenhum editor das grandes empresas teria coragem de repetir isso hoje. Chad Post reconhece, como evidente, que as editoras comerciais publicam grandes obras de literatura, inclusive traduzidas. Mas, diz ele, “os editores odeiam leitores e amam compradores de livros”. Para ele, essa perspectiva mina de forma irreparável a qualidade do que se publica nos EUA.

Nos seus xingamentos, Chad Post (que se declara socialista, ainda que “romântico”) lamenta o que, certamente, é uma das forças impulsionadoras não apenas das editoras, mas de todo sistema capitalista, o lucro. Mas não quero aqui fazer coro nem criticar essa postura. Prefiro destacar alguns dos pontos sobre os quais Chad Post discorre em seu livro.

Diz ele que as editoras “ganham dinheiro produzindo mais conteúdos variados em vez de dedicar um tempo para se assegurar que o conteúdo alcance a audiência mais ampla possível”. É a infernal ciranda de produzir a maior quantidade possível de lançamentos para garantir o caixa diante do aumento das consignações e das devoluções. Um pesadelo que leva à velha piada de que os editores se suicidam se atirando do alto do estoque.E que me fez também lembrar o livro do Gabriel Zaid (Livros Demais, Summus Editorial), o qual lembra que, na verdade, a grande questão é fazer a ponte entre os livros e sua quantidade finita (mas não conhecida) de leitores que se interessariam por eles.

Chad Post é um infatigável defensor da importância que as traduções trariam para polinização da literatura americana. Vai discutindo ponto por ponto os argumentos dos que não se importam com as traduções por lá. Só um exemplo: comentando sobre os custos de tradução, argumento sempre levantado pelas editoras dos EUA, ele defende que os relativamente menores adiantamentos pagos pelos autores estrangeiros deveriam ser compensados por maiores investimentos em marketing. Se a editora aposta em um autor para quem pagou centenas de milhares de dólares de adiantamento – e, por conseguinte, outro tanto em marketing – poderia fazer um trabalho para que os leitores compreendam que cada um desses livros pode interessar aos leitores. Mas, como os editores odeiam leitores... vão pelo caminho supostamente mais fácil da ciranda da busca do santo graal (o best-seller do ano).

A predominância do inglês como língua franca é perfeitamente compreendida por Chad. Ele diz que o inglês é uma “língua invasiva”, citando um artigo de Esther Allen sobre globalização e tradução. O inglês serve inclusive como “mediador” entre dois idiomas de menor projeção, diz Allen, corroborada por Post. E, de fato, quem lida com a divulgação da literatura brasileira no exterior sabe perfeitamente que a tradução para o inglês abre portas para traduções para outros idiomas. E o vice-versa não é verdadeiro. Quem for traduzido para o romeno se enfia em outro continente linguístico isolado (ou ilha, já que continente é até algo grande). “Mas a questão real não é o próprio idioma inglês, ou seu alcance global, e sim as forças culturais que resistem à tradução”, ele continua citando Allen.

Chad Post entra fundo na discussão dos custos de tradução, chamando a atenção que, apesar do argumento dos editores, os tradutores são mal pagos lá (e ele nem tem ideia do quanto se paga por aqui!), calculando em cerca de US$ 8.750 o custo da tradução de um romance de 70.000 palavras (algo entre 100 e cento e cinquenta páginas, eu calculo). Os editores americanos certamente têm dinheiro para enfrentar esses custos (sem contar os tantos países que oferecem bolsas de tradução), mas não querem saber disso porque acham que tradução não vende.

De fato, a quantidade de autores originalmente traduzidos do inglês para quaisquer outros idiomas é muitíssimo superior a dos que são traduzidos para o inglês (não apenas para os EUA, mas incluindo o Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e tantos outros países nos quais o inglês continua sendo uma língua franca local, como a Índia). Basta lembrar que nenhum autor que tenha escrito originalmente em português está entre os cinquenta mais traduzidos do mundo, segundo Index Translationum, da UNESCO.

Chad Post assinala também como, nos EUA, o avanço das grandes cadeias também prejudica a difusão da literatura em tradução. Para ele, as livrarias independentes “são centro de literatura”, contribuem para a difusão desses livros, e são “antítese da loja de cadeias”. Bom, lá como aqui, desde que sejam boas livrarias, podem indicar bons livros, traduzidos ou não.

Chad Post dedica vários capítulos à questão dos e-books. Ele realmente não gosta de e-books. É nostálgico do livro impresso. Mas reconhece que estes podem ser um componente muito importante na melhora das condições para resolver o eterno problema de editores independentes (de literatura em tradução ou não), que é a distribuição. A acessibilidade dos e-books pode ser um fator positivo.

Mas, lembra ele, o esforço para que os leitores conheçam a existência desses livros é hercúleo. O fato do livro estar disponível nas lojas eletrônicas (Amazon e Kobo, notadamente), não quer dizer que sejam facilmente encontráveis, apesar da Amazon permitir a busca de literatura em tradução de modo bem direto. Essa difusão não deixa de ser tarefa das editoras (com os respectivos custos de marketing e, diria eu, com a urgente e necessária compreensão mais aprofundada dos metadados).

Para encerrar vale a pena mencionar uma observação do Chad Post sobre as críticas aos romances traduzidos. Ele discorre sobre as eternas discussões entre “fidelidade textual” e contextual. Declara sua irritação com os críticos que insistem nessa questão, dizendo que isso é um problema de teoria literária e de teoria da tradução. Diz ele “avaliem a edição traduzida do romance em vez de ficar dançando na questão de se a tradução é “fiel” ou “tão boa quanto o original”. Não apenas isso é o tipo de preconceito letrado que aumenta as dificuldades para que a literatura traduzida abra seu caminho em nosso (dele) país, como joga merda também na arte do tradutor”. O resultado final é o que vale.

Um excelente livro para ser lido por quem se interessa pela difusão da literatura no âmbito mundial e pelos tradutores. E por qualquer tipo de leitor inteligente.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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