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Direito de empréstimo
PublishNews, 11/06/2013
Direito de empréstimo

Nos últimos anos vem se firmando, principalmente na Europa, o recolhimento para autores e editores de somas que as bibliotecas pagam pelo empréstimo das obras ainda com direito de autor válido. Já escrevi obre o surgimento e história das RROs (Reproduction Rights Organizations, ou seja, as Sociedades de Arrecadação de Direitos Reprográficos). E remeti também ao site da IFFRO mas vale a pena sintetizar aqui o assunto.

A questão dos direitos reprográficos surgiu, obviamente, quando máquinas de copiar se generalizaram, do final dos anos 1960 em diante. O nome da Xerox, uma das empresas pioneiras na área, chegou a ser usado como sinônimo de qualquer cópia reprográfica (“xeroqueia isso aqui”). As disposições da Convenção de Berna sobre o chamado “fair use” estavam centradas, até então, nas reproduções não autorizadas de obras protegidas em formato impresso, e regulavam o tamanho e a forma das citações, de modo que estas não caracterizassem plágio ou cópia não autorizada. Com as máquinas “xerox” a coisa mudou de figura e levou, principalmente a partir dos anos 1970, ao surgimento dessas sociedades de arrecadação de direitos reprográficos. A IFRRO começou a ser pensada em 1980, a partir do estabelecimento de um grupo de trabalho conjunto da Associação Internacional dos Editores (IPA) e do Grupo Internacional de Editores de Obras Científicas, Técnicas e de Medicina (STM). Em 1988, em uma reunião em Copenhagen, a IFRRO foi formalmente fundada como federação das RROs existentes, a mais antiga das quais havia sido constituída apenas em 1973.

Basicamente, uma associação de administração de direitos reprográficos está constituída por autores e editores, unidos na administração desses direitos. Os resultados do recolhimento das licenças é geralmente dividido entre os dois tipos de interessados, deduzidos antes os custos de administração, que estão por volta de 10% do arrecadado. Informações adicionais sobre esse processo podem ser vistas nos sites mencionados.

O recolhimento de direitos dava-se essencialmente através de dois mecanismos: a) licenciamento das reproduções, geralmente cobrada por página copiada de um livro; b) taxas sobre equipamentos de reprografia, cobradas no momento em que estes são vendidos. Os modos de cobranças, a combinação entre os fundos provenientes do licenciamento ou das taxas têm variações nacionais importantes, que os interessados podem conhecer mais de perto também nos sites mencionados. A maioria das RROs está na União Europeia, mas a Copyright Clearance Center, dos EUA, é uma das maiores sociedades de arrecadação, recolhendo mais de 250 milhões de dólares em 2011.

Nos últimos anos, entretanto, novas fontes de recurso foram se estabelecendo, e sendo cobrada, pelas RROs.

Uma delas é a referente ao Direito de Empréstimo. Em resumo, trata-se de recolher o pagamento de uma taxa pelo empréstimo de livros feitos nas bibliotecas públicas. Essa taxa não é paga pelo usuário, mas por um fundo estabelecido através de vários mecanismos, que incluem geralmente uma contribuição dos editores e livreiros sobre o resultado das vendas para bibliotecas, e aportes orçamentárias dos governos, às vezes suplementadas por recursos provenientes das taxas cobradas na venda de máquinas.

A segunda fonte de recolhimento de direitos é o que se está firmando sobre as reproduções digitais. Minha atenção foi dirigida para esse assunto a partir das informações que obtive sobre o programa ReLire da França, sobre o qual escrevi recentemente. Esses direitos são cobrados sobre o licenciamento para o escaneio, guarda e reprodução digital de obras ainda sob proteção.

Um relatório recente da IFRRO sobre o estado das RROs na Europa identificou que 52% das 23 RROs de países europeus cobram direitos relacionados ao empréstimo de livros. A administração de direitos de digitalização é mais complexa, já que eventualmente não cobre todas as formas de digitalização. O Relatório da IFRRO informa, entretanto, que 60% de todas as RROs membros administram algum tipo de direito digital. Para se ter uma ideia do tipo de direitos digitais hoje cobertos, o relatório elaborou uma tabela.

Um dos componentes essenciais para o sucesso das RROs é a participação conjunta de autores e editores nessas associações arrecadadoras. A participação pode ser individualizada – quando cada autor e cada editora se associa à RRO – ou já coletiva – quando os responsáveis pela RRO já são as associações de editores e autores.

Sem essa participação conjunta torna-se praticamente impossível desenvolver harmoniosamente essas atividades de arrecadação e a decisão sobre o modo de distribuição do arrecadado. A determinação de quem receberá quanto é extremamente complexa, e os métodos usados variam, desde relatórios detalhados que devem ser apresentados por cada “licenciado” (empresa ou entidade que é autorizada a fazer cópias), até levantamentos por amostragem, ou alguma combinação dos dois.

Para exemplificar um dos sistemas de financiamento e arrecadação de direitos sobre o empréstimo de livros nas bibliotecas públicas, vale a pena examinar o caso francês.

A primeira associação dos autores em defesa dos direitos autorais foi fundada naquele país, ainda no Século XIX, por iniciativa de Victor Hugo. É a Societé des Gens de Lettres. A SGDL, por sua vez, é associada à SOFIA – Societé Française dês Intérêts dês Auteurs de L’écrit, que administra tanto a repartição do auferido pelos empréstimos como autoriza a reprodução digital dos livros indisponíveis (as “obras órfãs”, objeto do meu post anterior). SOFIA foi fundada em 1999 por iniciativa da SDGL e, no ano seguinte, o Syndicat National de L’Édition, a associação dos editores franceses, aderiu à instituição, promovendo a necessária união de interesses.

Os direitos de empréstimo de livros nas bibliotecas públicas francesas são remunerados por um fundo constituído por diferentes fontes.

A primeira é uma contribuição obrigatória recolhida pelos fornecedores de livros para as bibliotecas. Lembremos que, na França, a chamada Loi Lang, ou Lei do Preço Fixo, regula estritamente os descontos que podem ser feitos nas vendas de livros, seja lá a que título for. Os fundamentos legais franceses para o recolhimento dos fundos para remuneração do Direito de Empréstimo podem ser vistos aqui. e se constituem basicamente da seguinte maneira:

- As vendas para bibliotecas podem ter um desconto máximo de 9% sobre o preço de capa. O preço de capa, entretanto, é a base do recolhimento de uma contribuição de 6% para o fundo do direito de empréstimo, gerenciado por SOFIA. Ou seja, na prática, os fornecedores praticam um desconto de 3% sobre o preço de capa nas vendas dos livros para bibliotecas;

- Adicionalmente, o Estado Francês contribui com € 1,50 por cada um dos usuários inscritos nos sistemas de bibliotecas públicas, e € 1,00 por usuário das bibliotecas universitárias (as bibliotecas escolares não entram nesse cálculo).

O recolhido é dividido da seguinte maneira:

1)A parcela correspondente à contribuição dos fornecedores é dividida igualmente entre autores e editores na proporção do número de cópias adquiridas naquele ano pelas bibliotecas registradas, determinada pela informação proporcionada tanto pelas bibliotecas quanto pelos fornecedores.

2)A parcela recolhida pela contribuição governamental, e que não pode exceder a 50% do total geral, é distribuída, também aos editores e autores, com base na proporção dos empréstimos feitos.

É importante destacar que o papel dos fornecedores (o que, nessa situação do preço fixo, podem ser, e efetivamente são, as livrarias), é fundamental. E que esse papel de arrecadador da taxa transferida para o fundo, para pagamento dos empréstimos de livros, só é viável com a existência do preço fixo, que regula os descontos dados pelos editores aos livreiros e produz um ordenamento do fluxo de recursos entre mercado editorial-livrarias-bibliotecas.

São mecanismos que existem – e só podem existir – com uma efetiva regulamentação do mercado desse produto tão especial que é o livro.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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