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Cinema e livros: dois pesos e duas medidas
PublishNews, 21/05/2013
Cinema e livros: dois pesos e duas medidas

Luiz Zanin Oricchio, crítico de cinema d’O Estado de S. Paulo publicou em seu blog – Cinema, a nossa imagem lá fora e no Caderno 2 – Nova diplomacia para divulgar a produção brasileira no exterior – um artigo sobre recentes medidas da Ancine para a divulgação do cinema brasileiro no exterior. Os dois foram publicados no domingo, 19 de maio. O artigo do blog só se diferencia do publicado na edição impressa no acréscimo do nome de dez títulos do cinema nacional que seriam objeto da nova “diplomacia cinematográfica”.

Em resumo, Zanin Oricchio reporta que a Ancine “criou um programa para mostrar filmes brasileiros aos curadores de festivais internacionais”, em uma parceria entre o MinC e o Itamaraty para “solucionar um problema, a atual falta de visibilidade do cinema brasileiro no exterior”. Segundo Zanin, “parte do problema se deve à falta de divulgação adequada”. Outra parte “tem a ver com a natureza da produção brasileira, ao menos como ela é percebida no exterior”. Segundo a matéria, os curadores de festivais “verbalizam um diagnóstico que coincide com muitos dos críticos de cinema patrícios [pois] estaria dividida entre filmes televisivos [...] e filmes que, por reação, se colocam de maneira esteticamente muito fechada em relação ao público”. Esses dois tipos de filmes não interessam aos festivais. Mas Zanin Oricchio assinala a existência de filmes “de ambição artística, porém sem menosprezo pelo público”.

“Fata de visibilidade”, “falta de divulgação adequada”? Onde será que li algo assim?

Diante dessa situação, Ancine – Ministério da Cultura – e Itamaraty bolaram o programa de divulgação.

A matéria não menciona valores.

Entretanto, alguém por aí ouviu falar em desperdício de recursos públicos para favorecer os produtores de cinema nacionais? Eu, pelo menos, não.

Que bom.

Nisso, como em tantas outras coisas, o lobby do cinema funciona muito bem.

Então vemos o funcionamento relativamente fluido entre o MinC, a Ancine (que, como agência, depende diretamente da Presidência da República, mas cujos diretores passam pela indicação do Ministério da Cultura) e do Itamaraty. A atual diretoria da Ancine vem sendo reconduzida, atendendo ao lobby do cinema (mais uma vez, parabéns) e garantindo uma continuidade de ações que se reflete no mercado interno e nas ações internacionais.

Em 2004, no livro O Brasil pode ser um país de leitores? escrevi: “Um dos grandes problemas das instituições existentes (e, se não for equacionado, das que vierem a existir) é o da descontinuidade administrativa. Ao mudar o prefeito, o governador e o presidente, mudam-se os secretários e o ministro da Cultura. Daí em diante a ciranda continua, a ponto de mudarem motoristas, porteiros e até a pessoa que faz café” (pg. 41).

E mais adiante, dizia: “O livro e a leitura têm interfaces que ultrapassam em muito o âmbito dos dois ministérios que atualmente se ocupam – pelo menos nominalmente – do assunto, o da Educação e o da Cultura” (pg. 181). E listava vários dos outros segmentos que deveriam integrar uma política governamental. E mencionei também sobre processos de mudanças, que certamente devem existir, de programas e pessoas, pendentes de processos de avaliação. Continuidade não é imobilidade.

Há muito presto atenção em um fenômeno curioso. As administrações (em todos os níveis, da federal às municipais), dificilmente atuam de forma coordenada, em conjunto. Pode ser um dos tantos efeitos desse sistema de coligação de sustentação das administrações, talvez. Mas o fato é que cada secretaria ou ministério se constitui como uma espécie de “feudo”, “essa área é minha e ninguém tasca”, é a impressão que passa. E é muito tênue, precária mesma, a articulação entre diferentes áreas das administrações para a execução de políticas.

Ações conjugadas da administração geralmente acontecem por iniciativa de setores interessados. Quando bem articulados, conseguem ações. Nem preciso mencionar os grandes interesses: empreiteiras, bancos, setor automobilístico, por exemplo. No caso da cultura, está aí o exemplo claro do cinema, que consegue se articular. Eu ainda vou aprender a usar os mecanismos do portal da transparência e levantar quanto o cinema custa em incentivos, investimento das estatais e ações governamentais como essas que citei.

O inverso disso é o que se vê no livro, leitura, bibliotecas. Primeiro, a esquizofrenia governamental existe até dentro do Ministério da Cultura.

Mesmo quando se alcança um belo resultado, como foi o caso da desoneração total do livro (simplesmente levando ao final um dispositivo constitucional, e mesmo assim sem incluir pequenas livrarias e editoras que estão no Simples), a coisa fica pela metade: a constituição do Fundo para financiamento de bibliotecas e ações de desenvolvimento do setor nunca saiu do papel, diante do corpo mole das editoras e da desarticulação dos demais interessados. O MinC não consegue articular o projeto com a Fazenda, e como os editores e as grandes livrarias ficaram felizes com a desoneração, se esqueceram do compromisso assumido de constituir o fundo. Por fim, os leiturólogos dizem que isso não serviu para nada, não há pressão para que o Fundo avance. Como o ditado: “Cada um por si, e Deus por todos”. Como a divindade anda meio ausente...

Na música e nas artes plásticas, os projetos de “Ano do Brasil na...” e “Ano da... no Brasil” movimentam recursos significativos (já houve a Copa da Cultura na Alemanha, Anos da França, de Portugal e agora novamente da Alemanha, sem esquecer da Europalia), e sempre se destaca a importância da divulgação da cultura brasileira, como parte da diplomacia cultural, etc. etc. e blá, blá, blá.

Mas quando é uma iniciativa que levará a cultura brasileira a partir de um evento ligado ao mundo do livro... é desperdício, é muito dinheiro para pouca coisa... O engraçado é que, no caso de Frankfurt, as pessoas se esquecem que a maior parte da movimentação cultural se dá fora da Feira e abrange todas as demais manifestações artísticas: artes plásticas, música, dança, diversidade cultural. E também cinema, é claro. Mas como tudo se dá ao redor da feira de livros, arma-se a mazorca.

Bem, afinal, como foi um compromisso assumido pelo governo, vai sair a participação brasileira como país convidado da Feira de Livros de Frankfurt, já que não é possível mais voltar atrás. Esperemos que, depois, pelo menos o programa de apoio à tradução continue, como anunciado.

E viva o cinema brasileiro!

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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