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Território pouco explorado
PublishNews, 02/04/2013
Território pouco explorado

A Machado de Assis Magazine no. 3, recém disponível online, é dedicada a excertos de tradução de livros para crianças e jovens. São vinte autores brasileiros (dezessete com trechos em inglês e três em espanhol), a maioria com mostras das ilustrações dos respectivos livros. Com a ajuda dessa publicação, uma iniciativa conjunta da Fundação Biblioteca Nacional e do Itaú Cultural, e da qual sou o editor, eles partem para a disputa de uma fatia do mercado internacional.

A edição da revista ficou disponível no dia da inauguração da Feira de Bolonha, o principal evento internacional do segmento. Em 2014 o Brasil será o país homenageado nessa feira e, assim como o primeiro número da Machado de Assis Magazine foi apresentado em Frankfurt em antecipação à homenagem ao Brasil este ano, a terceira edição foi lançada na Feira de Bolonha como um aperitivo das ações que o governo, autores, ilustradores e editores farão, no próximo ano, na Cidade Vermelha italiana.

A literatura para crianças e jovens ocupa uma situação peculiar no chamado “campo literário”. Um lugar meio de lado, com uma ambiguidade permanente.

Tento explicar. Ainda que seja um dos segmentos economicamente mais importantes do mercado editorial – aqui e em muitos países – e o Brasil tenha autores reconhecidos nacional e internacionalmente, é quase sempre referido como algo à parte no campo literário. Tem seus próprios críticos, seu próprio mundo acadêmico, um universo particular de referências. Salvo contadas exceções, seus autores não são incorporados ao mainstream da história literária. Mais recentemente, entretanto, alguns fenômenos como o da série do Harry Porter e outras séries lançadas internacionalmente assumiram um papel de protagonistas no panorama de vendas. Mas, qual foi o crítico internacional de peso que analisou os livros de J. K. Rowling? Posso estar enganado, mas só vi avaliações (e explicações de como a série destruiu o “mito” de que os livros para jovens deviam ter poucas páginas) que vieram essencialmente de analistas do mercado editorial, a partir das perspectivas de venda, ou dos críticos enfronhados no segmento de livros para crianças e jovens.

No mercado editorial internacional é possível distinguir algumas tendências, nas quais se misturam os empreendimentos mais puramente comerciais com trabalhos da maior qualidade.

Os livros mais comuns são os que usam “e abusam” de contos de fadas e da reciclagem gigantesca do que é produzido pelas fábricas de desenhos animados dos EUA. Antigamente isso se restringia praticamente à Disney e alguns personagens dos Looney Tunes da Warner. Paralelamente, a Marvel e outras produziam quadrinhos para adolescentes, com a variadíssima gama de super-heróis. Mais recentemente, outras produtoras entraram na área, em particular a Pixar (que foi absorvida pela Disney). Apesar de ter aumentado um pouco a lista de fornecedores desse tipo de conteúdo, são basicamente provenientes de produtores dos EUA.

O resultado é a proliferação de derivados dos desenhos animados, por um lado, e dos recontos de contos de fadas, lendas mitológicas e outros materiais do mesmo gênero. Em grande medida são livros “empacotados” e muitas vezes impressos em gigantescas tiragens internacionais, sob vários selos, onde se muda apenas a impressão do “preto” - ou seja, dos textos. São livros ilustrados, baratos, e que retroalimentam as produtoras originais dos filmes. Atualmente, deles também são derivados games para os diferentes consoles e tablets, laptops e computadores de mesa. Os suportes eletrônicos estão gerando uma quantidade significativa de e-books ditos interativos, às vezes com links para os games e sites das editoras. É um segmento esmagadoramente dominado pela produção proveniente dos EUA, onde são gerados os “originais”.

Outro segmento é o chamado “para jovens adultos”. É o terreno do Harry Porter e similares. No Brasil, em comparação, nesse segmento se encaixam os livros do Monteiro Lobato, Lygia Bojunga, Ana Maria Machado, Ruth Rocha e outros. São livros cujo público alvo já tem o domínio completo da leitura, e aceita textos mais longos e que nem sempre têm o suporte de ilustrações.

Evidentemente essa divisão esquemática não permite distinguir as muitas nuances de todo o segmento.

É importante destacar, entretanto, que uma parcela muito importante e significativa da literatura para crianças e jovens tenta escapar da vala comum do reconto de mitos que viraram “universais” a partir dessa massificação comercial, e procura contribuir para a formação de leitores em cada país, trabalhando temas e modos de falar que apresentam às crianças e jovens a literatura a partir da realidade na qual vivem. Nem por isso deixam de tratar de temas realmente universais, de modo criativo e enriquecedor. É sempre o belo axioma tolstoiano, de falar do mundo a partir de sua aldeia.

Essas perspectivas, peculiaridades e idiossincrasias das crianças e jovens de cada país enriquecem os de outras regiões do mundo. Esse é o tipo de literatura para crianças e jovens que efetivamente merece ser traduzida e difundida. E o terceiro número da Machado de Assis Magazine pretende tornar acessível ao mercado editorial os textos e ilustrações dos autores brasileiros que podem enriquecer e polinizar crianças e jovens de outros países com a riqueza das experiências brasileiras.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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