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Perspectivas da publicação de biografias no Brasil, hoje
PublishNews, 05/12/2012
Perspectivas da publicação de biografias

O setor editorial brasileiro tem mostrado grande preocupação com dispositivos legais que ameaçam as publicações de biografias no país. Trata-se dos arts. 20 e 21 do Código Civil Brasileiro, que desde logo transcrevemos:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

O presente artigo traça um breve histórico sobre essa questão e relata as possibilidades de solução para um futuro próximo.

Os sistemas jurídicos modernos preveem a reparação dos danos materiais e morais sofridos pelas pessoas. Os primeiros são mais fáceis de quantificação, pois a recomposição de coisas danificadas ou inutilizadas costuma ser feita por meio de bens da mesma espécie ou dinheiro.

Já a reparação do dano moral é mais complexa, pois se torna difícil quantificar a dor de uma perda, o sentimento de ofensa moral, o dano a honra de uma pessoa, tudo variando segundo o grau da ofensa, a sensibilidade da pessoa, e a qualificação do ofensor e do ofendido.

O Código Civil Brasileiro de 1916 já previa a reparação de ofensas de caráter moral, sendo que ao longo do tempo o Poder Judiciário foi adaptando as reparações às novas situações decorrentes, principalmente, dos avanços dos meios de comunicação e novas tecnologias e relações sociais.

A Constituição Brasileira atual, de 1988, deu um grande passo, incluindo a reparação do dano moral entre os direitos fundamentais, e ainda ampliando essas hipóteses para os casos de violação da intimidade, vida privada, a honra e a imagem das pessoas, como se vê a seguir:

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[...]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação;

Esses artigos geraram uma onda de pedidos de indenização de dano moral, muitas vezes decorrentes de situações que não passavam de meros aborrecimentos, incapazes de gerar indenização, como já decidiram reiteradamente os Tribunais brasileiros.

É importante lembrar que o fim do século XX e o início do século XXI marcam espetacular desenvolvimento da indústria da comunicação, da popularização do computador e da internet, e da acessibilidade a meios de registro de imagem e audiovisuais.

Em 2002, entra em vigor o novo Código Civil brasileiro, e, na parte que trata da personalidade das pessoas, constam os arts. 20 e 21, transcritos acima.

Estes artigos passaram a ser o fundamento para os pedidos de proibição, geralmente por herdeiros, das biografias, ou reprodução de imagens ou ainda de obras de arte de autoria de seus ascendentes.

De fato algumas decisões judiciais foram proferidas nesse sentido, sendo notória a proibição da biografia do jogador Garrincha e do cantor Roberto Carlos. Esses casos, e mais alguns outros, causaram preocupação no setor editorial, que se mobilizou para combater esses dois artigos do Código Civil.Assim, há duas medidas em curso neste momento.

A primeira, um projeto de lei do Deputado Newton Lima (PT/SP), apresentado ao Congresso em 15.02.11, o PL 393/2011, que pretende acrescentar um parágrafo no artigo estipulando que:

§ 2° A mera ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade.

Esse processo é relatado pelo Deputado Alessandro Molon (PT-RJ), está em tramitação final na Câmara dos Deputados, onde, após várias audiências públicas promovidas pelo Relator, para ouvir diretamente a sociedade e interessados, aguarda Parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

A segunda é uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4815), ajuizada em 05.7.12, pela Associação Nacional dos Editores de Livros – ANEL, representada pelo advogado Gustavo Binembojm. Seu objetivo é declarar a inconstitucionalidade dos arts. 20 e 21 do Código Civil brasileiro, para que “seja afastada do ordenamento jurídico brasileiro a necessidade do consentimento da pessoa biografada e, a fortiori, das pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas) para a publicação ou veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais”.

Se for declarada a inconstitucionalidade desses artigos, isto é, a sua incompatibilidade com o direito fundamental de liberdade de expressão, esses artigos serão considerados inexistentes.

Essa ação está muitíssimo bem elaborada e fundamentada, e se encontra em andamento no Supremo Tribunal Federal, Corte responsável pela guarda da Constituição brasileira, tendo como Relatora a Ministra Carmen Lúcia. Seu objetivo é mais amplo do que o Projeto de Lei, pois visa a suprimir os dois artigos (20 e 21) e o momento atual propicia um campo mais favorável à liberdade de circulação de informações, o que gera a expectativa de um resultado favorável.

Se for aprovado o Projeto do Deputado Newton Lima, ou se for acolhido o pedido de declaração da inconstitucionalidade dos arts. 20 e 21 do Código Civil brasileiro, há uma grande possibilidade de cessação das restrições legais à publicação de biografias.

O mercado aguarda esses resultados com expectativa e otimismo, e tudo indica que a demanda pela publicação de biografias, que está represada, em breve poderá ter seu fluxo normal e atender ao mercado leitor.

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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