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Melhor prever do que provar
PublishNews, 24/10/2012
Melhor prever do que provar

O país inteiro acaba de assistir a longas e ricas discussões no Supremo Tribunal Federal sobre o tema “PROVA”, no âmbito do julgamento da ação penal 470, conhecida como caso do Mensalão.

O motivo desse destaque? Normalmente o STF não examina as provas, mas sim questões abstratas de proteção da Constituição Federal. No caso específico, pela condição política de alguns dos réus, o STF agiu, como manda a lei, como um Tribunal de primeira instância, analisando as provas dos autos e discutindo a sua existência, alcance e amplitude. O que é provar, em direito? É o ato de tornar crível ou demonstrar a ocorrência de determinado fato ou determinadas circunstâncias. A prova do estado civil pode ser feita pela certidão de casamento; do plágio por meio de fotografia ou outra imagem, da separação de um casal por longo tempo, por testemunhas.

Mas quando se trata de caso complexo, no qual se deseja fazer a prova de uma série de fatos, ou de caso incomum, que desafia as regras de experiência? Como provocar no juízo de um ser humano a sensação de verossimilhança diante de alegação a respeito de um fato, uma conduta, ou uma intenção.

A lei de direito autoral prevê casos que podem ser incluídos nessas categorias. Por exemplo:

“Art. 56. Entende-se que o contrato versa apenas sobre uma edição, se não houver cláusula expressa em contrário.

Parágrafo único. No silêncio do contrato, considera-se que cada edição se constitui de três mil exemplares.”

O contrato de edição pode ser pactuado de modo escrito ou verbal. Nesse último caso, nada tendo sido combinado, entende-se que seria publicada uma única edição de um livro, de três mil exemplares. Mas se por algum motivo o autor se torna subitamente famoso, o livro é um sucesso e o editor quer publicar novas edições? Como saber que as partes não combinaram mais de uma edição? Valem emails trocados? Cogitações? Tratativas? Testemunhas? Provar a reserva de uso de gráfica?

E mesmo que o contrato tivesse sido escrito. A omissão teria sido deliberada? Foi complementada por acerto verbal? Funcionário da editora pode testemunhar para provar o combinado?

Essas indagações, se fossem examinadas pelo STF, por hipótese, e precedidas por depoimentos, perícias, verificações, notícias, práticas do mercado, gerariam amplíssima discussão.

Outro exemplo:

“Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações:

I - a transmissão total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei;

II - somente se admitirá transmissão total e definitiva dos direitos mediante estipulação contratual escrita;

III - na hipótese de não haver estipulação contratual escrita, o prazo máximo será de cinco anos;”

Segundo a lei, apenas os direitos autorais podem ser transmitidos, integral e definitivamente, por escrito. Então vale um simples recibo de pagamento de um colaborador? Como interpretar a vontade das partes, como a de cada colaborador em obra de proporções enormes, como uma enciclopédia ou site construído pela participação coletiva?

O fato é que usa-se regras de experiência comum para interpretar contratos, escritos ou verbais, expressos ou omissos. E nesse particular a decisão cabe ao Judiciário, composto de seres humanos que têm sua formação específica e suas convicções próprias, e que podem variar dentro de um espectro amplo, a ponto de produzir decisões diametralmente opostas, como acaba de ocorrer em Brasília.

Provar fatos pode ser um ônus difícil, e de consequências imprevisíveis, pois o julgador os interpreta com relativa liberdade. Assim, recomenda-se clareza na redação dos contratos, que deve ter forma direta, objetiva e sintética, mas abrangente, sempre procurando registrar o ânimo das partes quando de sua celebração.

Provar para um Juiz o que teria ocorrido é muito mais difícil do que redigir o que se pretende que ocorra num contrato.

Logo, o melhor é prever o que pode acontecer num contrato (e principalmente o improvável), redigindo com técnica e experiência, para evitar dissabores na sua execução, e na possível necessidade de prova dos fatos. A previsão é uma forma de prevenção de problemas, e definido o ânimo das partes (se desejavam um contrato perene ou temporário, por exemplo) fica mais fácil interpretar os modos como ele foi concebido e como foi executado.

O desafio está lançado, pois as novas tecnologias tendem a gerar situações que não faziam parte dos contratos tradicionais, e com as quais o Judiciário ainda não está familiarizado. O momento é de por a massa cinzenta (cor da moda) para funcionar.

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem pós-doutorado pela USP. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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