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Bibliotecas Públicas Estaduais – a reforma dos prédios históricos não basta
PublishNews, 25/09/2012
A reforma dos prédios históricos das bibliotecas

Estive em Manaus há alguns dias para assistir à estreia de “Isabel do Brasil”, monólogo da Maria José Silveira, encenado pelo TESC – Teatro Experimental do SESC, com Carla Menezes como a Princesa Isabel e direção do Márcio Souza.

Ficamos hospedados em um hotel do centro, perto de onde morei na infância e juventude, bem em frente da Biblioteca Pública do Amazonas.

O prédio da Biblioteca está fechado já há alguns anos. Foi restaurado e, quando a inauguração foi marcada, o IPHAN vetou a entrega da obra porque o telhado não havia sido reformado com telhas idênticas às originais.

O atraso na inaguração gerou protestos, organizados por bibliotecários, que abraçaram o prédio, em protesto por uma reforma que já demorava tanto tempo.Quando fui a Manaus tinha em mente essa informação e concordava que era inconcebível uma reforma durar tanto tempo. Robério Braga, que é o Secretário de Cultura do Estado, consegue fundos para o Festival de Ópera, fez intervenções importantes no patrimônio urbanístico do centro da cidade, em particular da Praça São Sebastião (onde está o Teatro Amazonas). Conheço-o há muito e já lhe disse que lamentava que não desse ao livro e à leitura a atenção que dedica à música, às artes cênicas e ao patrimônio urbano, embora exista um projeto grande de digitalização de documentos e acervos bibliográficos em curso, com equipamentos modernos. Estava, portanto, ressabiado quanto a essa história da Biblioteca Pública.

Em Manaus que procurei me informar melhor e soube da história da intervenção do IPHAN. Bom, acabaram achando umas formas em uma antiga olaria e começaram a fazer as benditas telhas segundo o modelo original. Mas, como são poucas formas, o processo é lento.

Acho fundamental a preservação do patrimônio histórico público, sem dúvida nenhuma. Já escrevi que tenho minhas dúvidas sobre a preservação de casarões das oligarquias d’antanho e considero criminosa a atitude da Igreja Católica, exigindo a restauração do seu patrimônio sacro e o deixando deteriorar novamente, descuidando da manutenção. O caso mais recente foi a da Catedral de Pirenópolis (Goiás), que incendiou por conta da fiação cheia de gambiarras que os padres instalaram sem cuidados.

Mas tenho dúvidas se a reinauguração e a colocação em uso de um prédio como a Biblioteca Pública deva se atrasar por conta das telhas. Mas, enfim, essa é outra discussão.

O que quero tratar aqui – e a Biblioteca Pública do Amazonas é um pretexto – é dessas bibliotecas públicas monumentais que existem em praticamente todas as capitais.

A do Amazonas foi inaugurada em 1870, na sala de um colégio. O edifício hoje tombado foi inaugurado em 1910 e, como todos os prédios do ciclo da borracha, teve escadarias, lustres e outros materiais importados da Inglaterra e adjacências. O acervo original, segundo conta, tinha uma quantidade significativa de obras raras, que se perderam em um incêndio em 1945.

Esse padrão se repete pelo Brasil afora. As bibliotecas foram instaladas em prédios mais ou menos monumentais, boa parte dos quais continua em pé. Algumas sofreram incêndios ou alagamentos, outras foram instaladas em prédios novos e quase todas passaram por períodos mais ou menos longos de descaso e hoje, formalmente, são consideradas como “cabeças” dos sistemas estaduais de bibliotecas públicas. Na verdade, pouco fazem além de repassar materiais enviados pela Biblioteca Nacional ou pelo Ministério da Cultura (parte dos livros editados com o benefício da Lei Rouanet acabam nessas bibliotecas).

Na minha juventude manauara, o prédio da Biblioteca Pública servia para muitas atividades culturais. Durante algum tempo ali eram feitas as sessões do GEC – Grupo de Estudos Cinematográficos, fundado pelo Cosme Alves Neto, o grande conservador da Cinemateca do MAM do Rio de Janeiro, e que mantínhamos em funcionamento. Durante uma época também funcionava, no térreo, a Pinacoteca do Estado.

No porão havia uma enorme coleção de jornais da época do ciclo da borracha, digitalizados agora no Museu dos Povos da Amazônia, pelo menos em parte. Uma pequena seção em Braille foi instalada depois, e nos anos 1990 tinha até leitura digital com um dos primeiros programas (ainda em DOS) de transformar texto em voz nos computadores.

Em suma, dentro da precariedade que era Manaus nos anos 1960 e 1970, a Biblioteca até que funcionava com atividades interessantes, cineclube, conferências, etc.

Mas livros, mesmo, eram muito poucos.

Em uma palavra, era um local onde os jovens da elite da cidade que tinham algum interesse cultural se reuniam, e desenvolviam algumas ações culturais.

Na verdade, essas atividades na Biblioteca Pública do Estado eram a continuidade perfeita da ideia de biblioteca destinada às elites políticas, econômicas e culturais da provinciana cidade de pouco mais de 250.000 habitantes que era a Manaus da época, e que vinha desde o Império.

E nisso essa biblioteca era similar às outras tantas bibliotecas estaduais dos outros estados. Haviam sido construídas não como um local de difusão da leitura, de democratização do acesso ao livro, e sim como um local que mostrava o lustro das elites locais. Lustro esse que se revestia de um lado patrimonialista evidente. Não à toa o acervo era de “obras raras” – e provavelmente jamais abertas. Enfim, um monumento.

Felizmente o conceito e o uso das bibliotecas mudaram muito nesse século e meio. A rejeição da caracterização das bibliotecas como “depósitos de livros” – salvo, é claro, as dedicadas especificamente ao fim de preservação do acervo bibliográfico – se consolida cada vez mais.

Mas essas bibliotecas estaduais “históricas” permanecem, em muitos casos, numa espécie de limbo. Algumas continuam com uma função de preservação de acervos – principalmente da produção bibliográfica local – e formalmente incumbidas da tarefa de gestão de um sistema de bibliotecas públicas.

Aí é que está o problema. O sistema só existe, de fato, no papel. Sua articulação, a partir da Biblioteca Nacional, é extremamente precária. Não existe um sistema de informações condigno, e muito menos empréstimos interbibliotecas que supram deficiências específicas.

A questão, portanto, não se resume às exigências do IPHAN para que os prédios sejam reformados. O xis do problema, na verdade, mais que reformar, é de construir um sistema de bibliotecas públicas que permita aos cidadãos usar da forma mais proveitosa esses locais de cultura e informação. Que nelas funcionem também cineclubes e que sejam locais de exposição, de encontros de jovens para conversar sobre seus problemas, seus anseios – não apenas culturais – e, sobretudo, que não sejam os locais da elite, e sim acessíveis e usados por toda a população.

A esperança é que a reforma física da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas seja tão somente o ínicio da construção de um sistema de bibliotecas para o estado, com construções modernas recheadas de acervos significativos, de livros, de filmes, com os mais variados meios de acesso ao conhecimento e lazer. E que também venha a ser uma futura preocupação do IPHAN, daqui a cem anos, preservar os edifícios que abrigam isso.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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