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O fim do livro, qual é?
PublishNews, 12/07/2012
O fim do livro, qual é?

Livros imateriais e a matéria da qual são feitos os livros

Este colunista pede licença para não falar hoje de mercado, marcas, formatos. Vou divagar. E talvez me desdizer. Culpe a radiação de Angra 1 ou de Paraty 10, de onde acabo de chegar e onde fui conversar, na Off (mas não em off), ideias sobre o escrever, o publicar e o ler no digital.

Falar sobre livros imateriais (e-books e quetais) em uma cidade habitada por livros, como é Paraty durante a Flip, é como pregar para os peixes. Há livros impressos por toda a parte, há leitores por todos os lados. Tropeça-se (até literalmente) em escritores. Uma festa, que, como todas, é um pouco a negação da realidade — um lugar e um momento que se extrai do mundo normal e se dedica aos livros e a quem os ama. Já a razão de ser do livro digital é justamente estar em todos os lugares — sem existir em nenhum deles, propriamente. Há uma Flip em potencial ao alcance de qualquer banda larga: narrativas, autores, ideias, outros leitores, debates. Porém não pode haver festa… não há como pedir que um autor autografe um e-book.

Passei por essa frustração — a de ter lido uma obra genial em um formato sobre o qual o autor não poderia autografar — justamente após a palestra do ansioso escritor Jonathan Franzen, logo ele que andou atacando, em outros festivais, a literatura digital. Para o autor de Liberdade, a falta de livros físicos causará uma ruptura na cultura literária, capaz de destruir o mundo como conhecemos. E até o escritor mais querido do Brasil abriu a Flip especulando sobre o livro ser “vítima das novas tecnologias”.

Afinal, o que tem livro, pobre “vítima”, a temer em relação às tais “novas tecnologias”? Que mal pode fazer um formato — o e-book — que não ocupa prateleiras? Um livro que não precisa ser guardado, protegido ou mesmo carregado e que, por isso mesmo, não pode ser censurado, limitado, restrito? Franzen e outros e-ludistas acham que um eventual fim dos livros físicos (ou sua substituição por livros eletrônicos) implicará no fim do Livro em si.

Um mundo sem livros é um mundo vazio de ideias. Este é um medo palpável. Pode-se ter uma mostra dessa angústia na biblioteca subterrânea, de prateleiras vazias, no local onde os nazistas queimaram livros. Ou no trabalho de Raïssa de Góes, “apagando” laboriosamente um livro. Mas será que esse vazio não poderia ser preenchido por um livro que não ocupa espaço? A materialidade do livro, o fato dele ser impresso e estocado, seria mesmo condição para sua relevância?

É a angústia do vazio que fez o lançamento da editora argentina Eterna Cadencia ser tão discutido nas mesas de Paraty. Ela lançou um livro que, assim que é aberto, começa a desaparecer, suas palavras desbotam no contato com o ar. Um livro efêmero. “Após aberto, consumir em 30 dias”. O argumento por trás de “O livro que não pode esperar” é que um livro comprado, empilhado e não lido é um livro morto. O autor não quer ser livro; quer ser lido. E tem urgência.

O que seria uma negação maior ao autor? Um livro impresso confinado em uma mesa de cabeceira ou um e-book lançado no emaranhado de elétrons da grande rede? Qual destes desonra mais o leitor?

(Contra o argumento de que a materialidade é indispensável para a existência do livro, levantei uma bibliografia de obras que jamais foram impressas, compiladas ou mesmo escritas — e que nem por isso são menos influentes.)

Cambaleando por Paraty sem concluir se o livro é a matéria ou o material, o corpo ou a alma, fiquei pensando sobre o Bóson de Higgs, descoberto ou comprovado na véspera da Flip, e em como uma partícula que mal existe teria o poder de dar massa e sentido a todas as outras. Com um pouco mais de conhecimento em física (e um pouco menos de cachaça), sei que elaboraria uma bela metáfora, e detectaria talvez uma partícula divina, que confere aos livros — aos que seguramos, aos que lemos e aos que imaginamos — existência, relevância, afeto.

Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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