Em três eventos literários, três perspectivas diferentes sobre o livro impresso, o digital e o que está por vir
O Carnaval para os editores caiu em abril. Nesse mês, eventos literários simultâneos em lugares díspares como Bogotá, Manaus, Buenos Aires e Brasília disputaram as agendas dos editores com a Feira de Londres, e alguns deles se desdobraram para cumprir seus compromissos.
Consegui abarcar apenas a debutante Bienal do Livro do Brasil, em Brasília, e a Feira do Livro de Buenos Aires, já na sua 38ª edição. Em menos de vinte e quatro horas, participei de duas mesas completamente distintas — na geografia, no idioma e, principalmente, no modo de ver o livro.
Na nossa capital, no amplo espaço montado na Esplanada dos Ministérios, além de uma conversa com os fabulosos Cora Rónai e Fabrício Carpinejar para televisão, participei de um painel no qual tentaríamos descobrir “como aumentar o consumo de livros no Brasil”. Estavam lá o presidente da ANL (Associação Nacional de Livrarias), Ednilson Xavier, e Nadja Rodrigues, representando o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Na posição de maior comprador individual de livros do mundo, o FNDE opera o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) e o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola), siglas que muitas vezes salvam as editoras e seus fluxos de caixa.
Com a ausência imprevista de Sônia Jardim, do Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livro), sobrou para mim a posição de representante (não institucional) dos editores em uma mesa que reproduzia os três principais papéis da cadeia do livro: editores, livrarias, governo. Estávamos lá para tentar aumentar não a leitura, mas o “consumo” de livros, isto é, sua viabilidade como mercadoria. A “Retratos da Leitura no Brasil”, pesquisa que fora lançada pouco antes, já havia focalizado a questão da leitura (e mostrava que um em cada dois brasileiros não lê, e pela mesma razão pela qual o sapo não lava o pé: não lê porque não quer).
Senti-me um pouco desconfortável como representante dos editores quando a conversa se concentrou em tentar mais uma vez fazer funcionar a fórmula estiolada do mercado tradicional: tiragens cada vez maiores para compensar margens cada vez menores.
Nadja, a representante do FNDE, estava grávida, e não pude deixar de me perguntar se aquele filho (ou filha) ainda teria que discutir, daqui a trinta anos, por que os brasileiros não leem/ compram livros. Todos na mesa tínhamos consciência de que aquela criança veria muito menos papel, mas teria acesso a muito mais informações, por meio das telas digitais. Talvez fosse mais produtivo já ir pensando em como editores, livreiros, autores e professores se adaptariam a essa realidade iminente. Mas aquele não era o Fórum adequado para essa discussão.
Já em Buenos Aires, deparei-me com editores obsessivos compulsivos digitais, na conferência TOC (Tools of Change). Inovações, algumas já bem sucedidas e outras ainda quixotescas, foram apresentadas e estimularam ainda mais ideias. Há um certo tom de euforia em uma reunião de entusiastas dos e-books. Alguns comparam o advento da publicação digital com o meteoro que eliminou os grandes dinossauros (as editoras legacy) liberando o mundo para os pequenos mamíferos (as start-ups). Exagero?
Esse foi justamente o debate, ou melhor, o julgamento, que ocorreu na mesma semana, lá em Londres. Assim como no ano passado (onde avaliaram se os editores continuariam relevantes), em 2012 os profissionais do livro se reuniram para debater a validade do seguinte veredicto: “Na luta pela sobrevivência, os que estão de fora e as start-ups vão tomar o lugar dos pesos pesados de hoje e no fim vencerão por nocaute”. Como advogados do digital, estavam executivos da Lulu e da Wattpad, dois ambientes on-line para autores e pequenas editoras publicarem, imprimirem e distribuírem. Do lado da edição tradicional, representantes do conglomerado das letras Hachette e da CourseSmart, editora multiformato de livros técnicos.
Os digitais afirmaram que a luta já foi ganha e que as start-ups já nocautearam os gigantes, citando como exemplo a Google e a Amazon, que são gigantes hoje, mas eram apenas boas ideias há pouco tempo. O executivo da Hachette disse que as editoras inteligentes vão fazer o que sempre fizeram: se adaptar aos novos mercados (mas se escusou em dizer que a Hachette foi uma das empresas que meteu o rabo entre as pernas no processo envolvendo a Apple e a Amazon). Assim como no julgamento do ano passado, o veredicto que condenava as gigantes editoriais à obsolescência foi aprovado no primeiro turno (uns 60%), porém uma rodada de tréplicas (e uma dose de fleuma britânica) inverteu o placar, no segundo turno. Pelo que se concluiu, dinossauros e mamíferos irão coabitar o planeta por mais um bom tempo.
"Com chão tremendo debaixo de si, é natural que editores mantenham um pé no passado que desmorona, enquanto procuram terreno firme no futuro, para eles hesitante, da digitalização.” Quem disse isso não está lançando uma start-up, o pensamento é do editor legacy com cinco décadas de grandes serviços prestados à indústria e dono de insights certeiros sobre ela (como os que descreveu em O negócio do livro, de 2002). Jason Epstein, ainda que tenha aconselhado um jovem Jeff Bezos a desistir desse negócio sem futuro de livros por correspondência, consegue olhar para trás, em sua larga experiência, para ver o que vem por aí para os livros. Em novo artigo, ele bota suas fichas no tipo de empresa editorial que deve sobreviver ao terremoto digital:
“Start-ups editoriais independentes postando seus livros em sites adequados já começaram a emergir, e muitas mais virão. O custo de entrada vai ser quase nulo. O capital essencial será o talento editorial e a energia, como foram nos dias gloriosos antes da conglomeração das editoras, quando os editores eram de facto publicadores, divulgadores e agentes de marketing. A maioria das start-ups vai fracassar. Outras não.”
Em meio aos cataclismos anunciados deste período de transição, é empolgante saber que a lei do mais forte foi suspensa provisoriamente e que uma ideia pode ter mais força que o capital. Desejo boa sorte aos futuros gigantes da publicação digital, porém espero que o livro impresso ainda dure um bom tempo, pelo menos para não estragar o meu evento literário favorito de abril. No dia 23, festejou-se o dia de St. Jordi, na Catalunha, onde os rapazes dão rosas às moças, que retribuem oferecendo… livros. Como dizem lá, “una rosa per l'amor i un llibre per sempre”.
Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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