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O preço de custo e o custo do preço
PublishNews, 19/04/2012
O preço de custo e o custo do preço

Amazon e Apple se batem por conta do (controle sobre o) preço dos e-books

Editores e leitores, peguem pipoca e ajeitem-se no sofá. Vai começar a luta do século. Os dois titãs da economia dos bens culturais digitais partiram para as vias de fato. Não se sabe quem vai ganhar, mas há um provável perdedor: a indústria editorial.

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos, instigado pela Amazon, abriu um processo contra a Apple e cinco grandes grupos editoriais. A acusação? Truste, associação para o crime, cartel. A vítima? O comprador de e-books. Em resumo, o processo afirma que a quadrilha se reuniu em um restaurante de luxo em Manhattan para conspirar, nas supostas palavras de Steve Jobs, “um golpe de aikidô” contra a imposição da Amazon em definir em US$ 9,90 o preço padrão dos e-books. Ao vender livros na loja da Apple a US$ 11,99 ou mesmo a “extorsivos” US$ 14,99, o grupo teria lesado os consumidores americanos em dezenas de milhões de dólares (estimativa do Departamento de Justiça) ou mais de 200 milhões só em 2012 (chute da Federação dos Consumidores dos Estados Unidos).

O caso tem os componentes de um bom drama de tribunal: intrigas, traições, iuris sperniandi, empresas poderosas e muito dinheiro. Nunca se sabe quem é de fato o vilão ou o mocinho. Promotores e advogados vão ter que responder a perguntas constrangedoras.

Por que a Amazon se queixaria de que um concorrente está vendendo mais caro?

Até onde vai a lógica da oferta e da demanda, ela ganharia mais consumidores se fosse a barraca mais barateira de um mercado em que os produtos são iguais. A resposta é que a Amazon não está atrás de receita (o que, no mercado digital, onde uma empresa que não fatura nada como a Instagram custa um bilhão de dólares, não parece importar muito). Está atrás de uma coisa mais valiosa: o controle. Tendo a loja da Apple como alternativa, as editoras não têm mais que brincar com a Amazon de “faremos tudo que nosso mestre mandar” e podem até querer impor que os livros só sejam vendidos acima do preço de custo, por exemplo. Vale a pena observar que três das editoras acusadas decidiram pagar um acordo e sair de fininho, menos para não serem tachadas de “lesar consumidores” e mais porque o cliente (Amazon) “tem sempre razão”. Mas não a Macmillan. Seu CEO não pôs panos quentes: deixar a Amazon sair no barato é “ajudá-la a recuperar o monopólio que vinha construindo”, o que terá “um efeito muito negativo no longo prazo naqueles que vivem de vender livros”. Há outra grande motivação para a Macmillan: um prato que se come frio. Ela quer se vingar da Amazon que em janeiro de 2010 simplesmente suspendeu a venda de todos os livros da editora por conta da queda de braços que ambas travaram (e que reverteu na vitória parcial para os seis maiores grupos editoriais, que conseguiram dobrar a restrição da Amazon ao modelo de agência).

Porque é que o governo dos Estados Unidos, o país do livre mercado, seria contra a livre concorrência?

A ação não está em nome da Amazon, o Departamento de Justiça diz representar os cidadãos que compram e-books. Pode parecer paradoxal que em um bastião do capitalismo, como os Estados Unidos, a preocupação maior esteja em proteger o consumidor, e não o dinheiro. A razão para um país em que um projeto de saúde semipública é acusado de “socialismo” se preocupar em limitar o poder das empresas remonta à Grande Depressão. Escaldados com a ganância sem rédeas das grandes empresas, o New Deal fortaleceu alguns instrumentos para que os consumidores se defendessem das práticas abusivas. Contra as empresas. Em 1935, a Macy’s, gigantesca loja de departamentos, vendia exemplares de O tempo levou abaixo do preço que comprava, para atrair consumidores. Isso soa parecido com a venda de Kindles? Os editores bem que tentaram promover uma lei semelhante à “Lei do Preço Único” mas, de novo, pesaram as “vantagens para os consumidores” e nada foi feito. A editora entrou numa queda de braços com sua principal cliente. Entre mortos e feridos, a prática de dumping — vender abaixo do preço de custo para atrair clientes e/ou minar concorrentes, tornou-se uma maldade tolerada.

O Brasil está do lado dos Estados Unidos na ausência de uma lei que restrinja o preço ao consumidor dos livros, para coibir concorrências assimétricas e truculências de grandes grupos econômicos contra negócios locais— a famosa “Lei do Preço Único”. Ela viceja naturalmente em um estado jacobino, como a França e, em graus variados, foi adaptada para países da Europa e América Latina. Mas nunca vingou no Brasil. Há um bom tempo entidades brasileiras vêm pedindo a implantação da lei; as livrarias com mais veemência que as editoras. Isso porque o projeto de lei restringe o desconto que o ponto de venda pode oferecer ao cliente, mas nada fala sobre limitar o desconto que a editora dá à livraria. No Brasil, livrarias conseguem descontos de 30% a 55% sobre o preço de capa, de acordo com o porte. Para evitar esse “poder dos mais fortes”, nos Estados Unidos há instrumentos jurídicos que obrigam fornecedores a praticar os mesmos descontos para o mesmo produto a clientes diferentes. Mas aqui parece que do capitalismo só adotamos as partes convenientes.

Qual a diferença de modelo de distribuição e modelo de agenciamento se estamos falando de produtos que não precisam de estoque ou frete, como os e-books?

O processo não questiona a legalidade do modelo de agência, só acusa um suposto conluio entre a Apple e as editoras para minar o sistema preferido da Amazon, o de distribuição. A diferença básica entre os modelos é que na distribuição é a loja quem define o preço final ao consumidor, apertando sua margem conforme sua conveniência ou estratégia. Já no modelo de agenciamento, o fornecedor define o preço final e a agência fica com 30%. É um pouco parecido com a prática dominante no Brasil, a consignação. Os editores colocam o livro e, se vender, a Apple faz um “acerto de consignação” e devolve 70% do preço de capa. Se não vender, não há problema, as prateleiras infinitas do digital não têm custo de estoque ou frete. O argumento do processo contra a Apple + 5 se baseia na presunção de que o modelo de agenciamento acaba majorando o preço dos e-books e prejudicando o leitor. O meu palpite de leigo é que os advogados das empresas acusadas tentarão demonstrar aos juízes que o “barateamento” do preço dos e-books pela Amazon pode ser artificial, uma estratégia de dumping. A empresa de Seattle estaria vendendo produtos por menos do custo de aquisição como forma de cativar clientes e estimular o monopólio. Sabe-se que, desde a abertura da loja da Apple e a adoção do modelo de agência por concorrentes como a Barnes and Noble, a participação da Amazon no mercado de e-books — e do seu formato proprietário, o kindle book — entrou em (leve) queda.

Porque a Amazon e a Apple não entram num acordo?

Para sermos honestos, muito do que a Amazon está fazendo — estabelecer um formato proprietário, forçar a queda do preço dos produtos, comercializar um dispositivo dominante — já foi feito pela Apple, mas no outro lado dos bens culturais digitais: a música. Não era da vontade da indústria fonográfica que os MP3s (na verdade ACCs) custassem U$ 0,99 na iTunes Stores e que não tivessem DRM. Mas o poder de barganha da Apple, na posição de maior vendedor de música do planeta, não deixou muito espaço para reclamação.

O fato é que foi relatado no processo do Departamento de Justiça que a Apple e a Amazon namoraram compactuar uma espécie de Tratado de Tordesilhas, em que dividiriam o mercado da cultura digital entre as potências da costa oeste norte-americana. Livros ficariam para Seattle, música seria de Cupertino. Contudo, o choque de interesses e ambições impediu um acordo. Se chegaram a assinar um Pacto Molotov–Ribbentrop (ou Bezzos-Jobs), o acordo de não agressão entre Stalin e Hitler, não se sabe, mas a ação do Departamento de Justiça foi uma declaração de guerra, ainda que por procuração, da Amazon contra a Apple.

Enfim, parece que essa guerra judicial nem ao menos vai render um romance. Pelo menos na opinião de Scott Turow, o mais famoso escritor de dramas de tribunal. Para ele, presidente da Guilda dos Autores norte-americanos e um assumido tecnoludista, o veredicto é sombrio: “É de partir o coração acreditar que isso seja feito em nome do interesse público. A única justificativa é que os preços dos e-books vão ficar mais baixos — mas por quanto tempo? E o que vai acontecer quando não restar ninguém para concorrer com eles?”

Julio Silveira é editor, escritor e curador. Fundou a Casa da Palavra em 1996, dirigiu a Nova Fronteira/Agir e hoje dedica-se à Ímã Editorial, no Brasil, e à Motor Editorial, em Portugal. É atual curador do LER, Festival do Leitor.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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