Antes de prosseguir no tema obra coletiva, uma observação. Como a palavra Páscoa com sua origem judaica (Pessach), e seus equivalentes latinos (Pascua, Pasqua, Pâques), se ligam a Easter (inglês) e Ostern (alemão)? Há muitas informações, mas a linha geral da resposta passa pela coincidência do início da Primavera com o mês da Deusa anglo-saxã do renascimento e da fertilidade Ostara, ou Eostre, cujo nome equivaleria a Esther, e que teria como símbolo os coelhos. Essa pequena informação sobre a denominação da Páscoa nos países mencionados, e que sempre me intrigou, é uma síntese mínima de várias obras; é quase uma obra coletiva, formada pela participação de vários autores que pesquisei.
Volto à obra coletiva, ao ponto em que falei da dificuldade, muito frequente, de identificar todos os seus autores e colaboradores, tomando como exemplo o jornal, para cuja elaboração contribuem centenas de pessoas. O que diz o art. 88, II, da Lei de Direito Autoral?
“Art. 88. Ao publicar a obra coletiva, o organizador mencionará em cada exemplar:
I - o título da obra;
II - a relação de todos os participantes, em ordem alfabética, se outra não houver sido convencionada;
III - o ano de publicação;
IV - o seu nome ou marca que o identifique.”
Ora, se essa norma obrigatória fosse aplicada à risca – “o organizador mencionará” –, todos os dias o jornal deveria conter um caderno com o nome dos jornalistas, colunistas, fotógrafos, ilustradores, diagramadores e revisores, entre outros, que colaboraram para sua criação. Por questões práticas, o rigor desse dispositivo é amenizado para as obras publicadas diariamente.
No entanto, a lei de direito autoral (art. 81, § 2º) estipula que nas obras audiovisuais deverão ser mencionados (“Em cada cópia da obra audiovisual, mencionará o produtor”) seus integrantes, por exemplo dubladores, o que implica na publicação da relação completa dos “participantes”, ao final do filme. Revelo que leio os créditos no cinema até que a luz da sala se acenda, pois dão dimensão da inimaginável variedade de participações que compõem aquela obra, e as suas peculiaridades.
Mas a questão que surge agora diz respeito a essas centenas de participações numa obra audiovisual. Todos – protagonistas e iluminadores, por exemplo - têm direitos iguais sobre a obra audiovisual? Podem pedir que cesse a sua exibição, se houver alguma mudança na sua forma? E ainda em outras obras, como enciclopédias, como se avalia o direito dos participantes?
A lei de direito autoral menciona atividades que, embora relevantes para a elaboração da obra, não geram, para seus executores, direitos que possam prejudicar ou inviabilizar sua publicação. Isso está contido no art. 15,§ 1° :
“Art. 15. A coautoria da obra é atribuída àqueles em cujo nome, pseudônimo ou sinal convencional for utilizada.
§ 1º Não se considera coautor quem simplesmente auxiliou o autor na produção da obra literária, artística ou científica, revendo-a, atualizando-a, bem como fiscalizando ou dirigindo sua edição ou apresentação por qualquer meio.”
Isso significa que – geralmente – os colaboradores do autor que revisarem os originais de um livro, atualizarem dados, fiscalizarem a edição de um filme, por exemplo, não são considerados coautores da obra, e, sendo assim, não podem obstar sua exibição, ou exigir remuneração proporcional a sua comercialização.
Esse dispositivo dá um certo conforto prático ao produtor, que não fica atrelado a possíveis reivindicações de uma infinidade de colaboradores sobre a obra final. Porém, o fato de não serem coautores não inibe a remuneração condigna do trabalho prestado pelos colaboradores, que deve ser explicitado no recibo, mencionando-se que a participação se deu na forma do art. 15,§ 1º da LDA.
Por outro lado – e o Direito tem sempre um outro lado – a lei não proíbe que se atribua a co-autoria de uma obra a um colaborador, pois o “não se considera” estabelece uma presunção, que no entanto pode ser afastada. Assim, existem casos em que o colaborador pode ser considerado co-autor da obra, como o do atualizador de obra médica de autor famoso já falecido. A obra base persiste, mas os novos conceitos são introduzidos e, a partir de determinada edição, menciona-se o atualizador como coautor.
Outras duas hipóteses. O nome do tradutor deve ser mencionado na obra literária (art. 53, II da LDA), sendo certo que ele tem direitos e deveres, pois uma tradução mal feita pode gerar pedidos de indenização contra a editora. Em obras audiovisuais a trilha sonora pode ser publicada isoladamente em álbum do artista, configurando obra autônoma, que não prejudica o filme ao qual ela está vinculada.
Enfim, existem diversos graus e formas de participação de colaboradores em obras coletivas, devendo o produtor estipular claramente esses patamares e as respectivas remunerações e direitos. As novas modalidades de publicações de obras constituem constante desafio na montagem dessa pirâmide, o que exige cuidadoso planejamento e critérios.
Os conceitos expostos neste artigo, e no anterior, traçaram uma visão geral do tema obra coletiva, que é muito complexo e cresce de importância em tempos de blogs e de twitter.
Feliz Páscoa!
Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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