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Inculta e bela?
PublishNews, 13/09/2011
Inculta e bela?

Zanzando por bancas de jornais, notei a presença de várias revistas focadas no idioma português. Ao contrário das revistas sobre literatura, que considero terem se refugiado nas publicações das livrarias, aparentemente as dedicadas ao cultivo do idioma andam florescendo. Depois da triste polêmica em que muitas pessoas falaram sobre o livro “Por uma Vida Melhor” sem ter lido o texto acusado de “ensinar português errado”, fui ver a quantas anda essa questão nas publicações periódicas.

O vestibular e o ENEM certamente são fatores de impulso para isso. As coleções de livros sobre as “dúvidas” e as regras do bom uso do idioma proliferam, com gramáticos e divulgadores das normas deitando sapiência, muitas vezes sem o menor sentido crítico, aceitando a versão da norma culta como “imexível”, como diria aquele cultor do idioma que ocupou o Ministério do Trabalho no “collorato”. E, além do vestibular e do ENEM, os concursos para cargos públicos, a redação de currículos e apresentações para conseguir emprego são também o solo a partir do qual floresce o receituário do bem escrever (muito mais que do bem falar).

Então comprei exemplares de quatro publicações para tentar entender o que anda circulando.

A revista “Língua Portuguesa” faz parte de uma série chamada “Conhecimento Prático”, publicada pela Editora Escala, com forte presença no mercado de livros didáticos e em revistas. Só para contestar o que escrevi sobre revistas de literatura, a Escala publica também uma “Revista Literatura”, que já está no número 37, e faz companhia a revistas sobre Filosofia e Geografia... A “Língua Portuguesa” está no número 31 e oferece um menu variado, que vai do LIBRA, a língua brasileira de sinais para surdo-mudos até à discussão do que é realmente erro, passando por matérias sobre a história do idioma, poesia lírica, locuções e expressões, lusofonia e outras variadas matérias sobre o idioma e seu uso.

Nenhum dos artigos assume forma de receituário ou dicas. É uma revista informativa focada nas peculiaridades e nas formas de uso do idioma. O tom do conteúdo me pareceu oscilar um tanto entre o de matérias para uso dos professores de português e para o estudante do idioma ou leitor geral. Os autores são professores universitários ou pedagogos com prática do ensino do idioma em vários níveis.

A “Revista Língua”, da Editora Segmento aparece em duas versões. A primeira é a publicação regular, que está no número 71 e, a segunda, como um manual de Redação, focada especialmente para os que vão enfrentar o vestibular, o ENEM ou concursos.

A revista é bem estruturada, com matérias práticas que procuram esclarecer em profundidade algumas questões do uso do idioma – a deste mês é sobre a crase –, e artigos informativos e de difusão científica no terreno da etimologia – o estudo das origens da palavra “até”, bem complexo. Apresenta também entrevista com Ana Maria Machado e outras que abordam problemas atuais da educação (O fim da letra de mão?), as variantes no uso de expressões jurídicas na fala cotidiana no Brasil e em Portugal. Sírio Possenti, sempre preciso, escreve um artigo sobre as inseguranças dos escritores no uso de algumas construções e as transformações da norma culta extraídas de um escritor tido como fastidioso no uso do idioma, como é o Rubem Fonseca.

A versão mais prática da revista, a “Redação”, é totalmente estruturada em torno de dicas: técnicas de dissertação, erros a evitar, dicas “para surpreender a banca examinadora” e advertências sobre os “pecados do redator”. Publicação com cara de querer dar aos leitores combustível e material para a etapa final de preparação desses momentos cruciais dos exames.

A última publicação examinada, “Para Saber e Conhecer Nossa Língua”, apesar de editada pela Duetto, do grupo Ediouro, tem cara de publicação institucional da Academia Brasileira de Letras. O acadêmico e professor Evanildo Bechara assina duas seções da publicação, uma de Tira-Dúvidas e outra de Gramática, que aborda os estrangeirismos. Fotografias da posse do poeta e tradutor Marco Lucchesi e artigos de outros acadêmicos e matérias variadas completam a revista. A prateleira das Dicas fica por conta de Dad Squarisi, professora do CEUB/Brasília e colunista do Correio Braziliense. Ampla matéria sobre a Feira de Livros da FNLIJ, com destaque para Laura Sandroni, casada com o acadêmico Cícero e filha do antigo e mais duradouro presidente da Academia, Austragésilo de Athayde, faz pendente com entrevista com Alfredo Sirkis e seu livro sobre os bastidores da campanha presidencial de Marina Silva.

A existência dessas publicações revela, sem dúvida, um aumento do interesse pelo uso do idioma. Note-se: não necessariamente um maior interesse pela literatura, mas sim pelo uso do idioma em variadas situações, e em particular nesses ritos de passagem que são o vestibular, o ENEM e os concursos públicos. Denotam também o aumento da compreensão de que o domínio do nosso inculto e belo idioma é necessário para além dos bancos escolares. A variedade das abordagens permite o desfrute por diferentes camadas e tipos de leitores, embora se evidencie que o público alvo preferido são os professores e os que enfrentam os exames.

Essas publicações também denotam o conhecido fenômeno da insuficiência e da precariedade do sistema escolar. Seu público – sejam professores ou alunos ou os “concurseiros” em geral – passou pelas escolas e ali não recebeu uma formação sólida no uso do idioma. As revistas não focam na atualização dos conhecimentos. Ao contrário, oscilam entre a rememoração do básico (a crase é fácil!) e informações com um certo grau de erudição e perspectiva crítica. Mas sua própria existência revela uma ansiedade positiva para aquisição de um maior domínio do português.

Isto é bom.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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