O lançamento do edital do programa de apoio à tradução do livro brasileiro no exterior, da Fundação Biblioteca Nacional, é o que me leva a refletir um pouco sobre a projeção internacional da nossa literatura.
Já escutei muitos discursos sobre a “importância” do idioma português no mundo.
Os doze idiomas que, além do inglês, conformam o maior número de falantes são, além do português, o coreano, o japonês, o alemão, o bengali, o hindu, o russo, o mandarim, o espanhol, o árabe e o francês. O inglês não é nem mesmo o que tem maior número de falantes (11% da população mundial, contra 33% do mandarim, por exemplo).
De qualquer forma, se considerarmos que existe hoje, do ponto de vista internacional, um idioma hipercentral, a língua franca moderna, o inglês, temos que reconhecer também a existência de várias outras línguas “super-centrais”, que expandiram sua predominância territorial para muito além do seu local de nascimento. São os outros onze idiomas (cf. Calvet, L, S – Carnets d’Atelier de Sociolinguistique, 2007).
O idioma português têm cerca de 240 milhões de falantes. É o terceiro idioma “ocidental” com mais falantes, ainda que o número possa ser contestado em detalhes, já que uma parcela significativa dos habitantes dos chamados Palops (Países de Língua Oficial Portuguesa) africanos e asiáticos não tem o português como primeiro idioma e nem mesmo o domina suficientemente como segundo idioma, usando ou línguas autóctones ou diversas versões dialetais locais. E mais: dos 240 milhões de lusofalantes, quase quatro quintos são brasileiros (190 milhões), o que relativiza substancialmente o caráter “internacional” do idioma.
Diante desse panorama, é evidente que a projeção internacional da literatura produzida em português depende das traduções. E depende muitíssimo de traduções para o inglês, pois a partir desse idioma – a língua franca – é que se processa a difusão para os demais. No caso do Brasil uma ressalva, porém, deve ser feita, e diz respeito ao espanhol. E essa ressalva decorre da posição do Brasil vis-à-vis dos demais países da América do Sul e da crescente importância do Mercosul.
Os principais países falantes das línguas “super-centrais”, e em particular os da Europa ocidental (francês, alemão, espanhol – e o português de Portugal), além de outros nem tão centrais (como os dos países nórdicos), há anos mantêm programas consistentes de apoio à tradução do que neles se escreve para outros idiomas. O português também teve, em Portugal, instrumentos para sua difusão, como o Instituto Camões e o Instituto Português do Livro e da Biblioteca, hoje fragilizados pela crise econômica.
No Brasil, infelizmente, esses esforços sempre foram tímidos e de continuidade irregular.
O programa de apoio à tradução da Fundação Biblioteca Nacional nasceu em 1993, quando se preparava a participação do Brasil como país tema da Feira de Frankfurt. Márcio Souza, então diretor do Departamento Nacional do Livro da BN (presidida na época por Affonso Romano de Sant’Anna) lançou o programa em um encontro de Agentes Literários reunidos na Bienal do Rio de Janeiro naquele ano.
Desde então o programa teve uma continuidade... soluçante. Houve anos em que editais foram lançados e anos que não, e os valores sempre foram muito baixos. Outro problema muito ressaltado pelos agentes literários era o caráter absolutamente aleatório dos prazos para apresentação de propostas.
Essas questões encontraram resposta e encaminhamento no último edital lançado pela Fundação Biblioteca Nacional, que apresenta várias novidades.
A primeira delas – e uma das mais importantes – é a perspectiva de continuidade a longo prazo e flexibilidade para apresentação das propostas. O edital já reserva recursos (R$ 2.700.000,00) para 2011 e 2012 – prevendo a publicação dos livros até agosto de 2013 – e estabelece a continuidade do programa até 2020, com a alocação bienal de recursos. A data de 2020 faz coincidir o programa de apoio às traduções com o PNLL e o Plano nacional de Cultura.
Além de continuidade, o edital estabelece que não mais haverá prazo para a entrega de propostas. Todas as que forem apresentadas em um trimestre serão analisadas e decididas em março, junho, setembro e dezembro de cada ano, com a divulgação dos resultados em trinta dias. Essa medida permitirá às editoras que apresentarem propostas uma rápida solução da pendência e a programação mais tranquila da tradução e da programação.
Um segundo ponto importante é que as bolsas de apoio preveem também o auxílio para reedições de traduções previamente publicadas que já estiverem esgotadas e fora do mercado há pelo menos três anos.
Nos anos setenta, e até meados dos anos oitenta, houve uma grande quantidade de traduções de autores brasileiros publicados em vários países – era o rescaldo do boom da literatura latino-americana – e que atualmente estão fora do mercado. Com a abertura do edital, várias dessas obras poderão eventualmente voltar ao mercado exterior.
Um terceiro ponto importante é a exigência que a editora apresente um plano de comercialização e marketing do livro traduzido, e a consistência desse plano pesará na definição do valor do auxílio. O edital é de apoio “à tradução e à publicação”, de modo que há espaço para os beneficiários prestarem atenção a esse aspecto crucial do lançamento de um livro, que são as ações de divulgação.
Como não basta declarar as boas intenções, as editoras terão que produzir relatórios sobre o desempenho do livro e o cumprimento desse plano por um período de dois anos após a publicação.
O edital, dessa forma, possibilita que as editoras que se prepararem (e a falta de preparação das editoras brasileiras para entrar no mercado internacional ainda será abordada em outra coluna) possam apresentar em Frankfurt, em outubro, e em Guadalajara, em dezembro, propostas viáveis de tradução de romances, contos, poesia, crônicas, literatura infantil ou juvenil, obras de referência, ensaios literários e de ciências sociais, históricos e antologias.
A possibilidade de fazer essa ação ainda este ano é crucial para que os livros estejam publicados em 2013, a tempo do esforço promocional, resultante da presença em Frankfurt como “País Tema”, possa ser aproveitada.
Haverá quem reclame da exigência de que seja uma editora com o contrato de tradução e edição assinado quem apresente a proposta para a bolsa. O fato é que o programa não está destinado a satisfazer projetos pessoais de tradutores independentes, que às vezes querem traduzir seus autores preferidos sem que haja garantia de publicação no exterior. O programa não é para isso. A tradução está vinculada à capacidade profissional dos editores e agentes literários de vender o autor e o livro para publicação. Por seus méritos literários ou comerciais, em um mercado internacional que é muito duro e complicado para ser atingido, e para o que é preciso capacitação profissional. Mas isso já será tema de outra coluna.
Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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