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O popular e o erudito nos espaços da universidade
PublishNews, Redação, 31/01/2024
Em 'Memórias entrelaçadas', publicado pela Editora Subsolo, o autor Antônio de Almeida transita por entre as fronteiras da história, da literatura e do jornalismo, fundindo memórias, registros de acontecimentos e construção ficcional

A narrativa interdisciplinar presente em Memórias entrelaçadas: o popular e o erudito nos espaços da universidade possibilitou ao autor Antônio de Almeida transitar por entre as fronteiras da história, da literatura e do jornalismo, fundindo memórias, registros de acontecimentos e construção ficcional.

Partindo do ambiente universitário, no início da década de 1990, após descrever os embates travados pelo corpo docente nas lutas em defesa da universidade pública e contra as políticas (anti)educacionais adotadas pelo governo Fernando Collor de Mello, Antônio de Almeida retroage no tempo para explorar a vida pregressa de algumas das suas personagens, estratagema que lhe possibilita colocar em evidência outros contextos em diferentes temporalidades.

Primeiro, revisita uma região de zona rural no interior do Estado de São Paulo, no início da década de 1960. Ali, descreve com detalhes aspectos variados da vida da população camponesa, com destaque para as dificuldades enfrentadas na luta pela sobrevivência, o esmero no cultivo do solo e na produção agrícola, os costumes e liturgias presentes nos casamentos na roça, nas festas juninas, nos jogos de futebol, carteados e pescarias.

No passo seguinte, o autor migra para a capital paulista onde suas personagens enfrentam as dificuldades impostas pelos governos militares, protagonizando as lutas contra a repressão ditatorial, em defesa das liberdades democráticas e por melhores condições de vida.

Nesse mergulho no passado, nos dois espaços revisitados, os esforços do autor foram canalizados para colocar em conexão as experiências da população simples do campo com as da vida complexa que mulheres e homens enfrentam em uma grande metrópole industrializada, garimpando valores culturais e saberes acumulados pela experiência, pelas variadas formas de resistência, de lutas e de organização da classe trabalhadora.

De volta ao espaço universitário, na última e mais longa parte do livro, esses elementos acima descritos permeiam as pesquisas, estudos, polêmicas e debates acadêmicos, fornecendo pistas que ajudam a compreender a complexa realidade brasileira. Do diálogo entre personagens reais e fictícias e da descrição de fatos efetivamente ocorridos com outros que são frutos da sua imaginação, Almeida faz brotar reflexões sobre importantes temas da atualidade, dentre eles, os ataques governamentais contra a universidade pública; a importância das lutas nos Sindicatos e nos Movimentos Populares para a reconstrução da democracia no Brasil; as polêmicas geradas em torno das grandes manifestações de rua que ocorreram no Brasil, em 2013, dando destaque para o que qualificou como a demonização da política; os retrocessos, as perdas de direitos e as ameaças à democracia no Brasil a partir do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, com a ascensão da ultra direita ao comando do país.

Ao longo de todo o texto, na tessitura das tramas, combinando atitudes, comportamentos e opiniões emitidas pelas personagens, por um lado, com descrição de acontecimentos, ambientes e contextos históricos variados, por outro, o autor revela a complexidade das relações humanas, com suas tensões, paradoxos e ambiguidades. Evitando o caminho mais seguro da homogeneidade e da linearidade, Almeida percorre, juntamente com suas personagens, tanto as largas e retas avenidas, quanto as veredas e trilhas estreitas e sinuosas. Nesse percurso, as experiências humanas brotam no texto, externando situações vividas, ora, como sensações gratificantes e prazerosas, ora, como frustrações.

No penúltimo capítulo do livro, após elencar alguns dos principais acontecimentos que tiveram lugar no espaço-temporal (1960 a 2021) contemplado pelas tramas, destacando os seus reflexos para a população trabalhadora, o autor convida algumas das suas personagens a lançarem um olhar retrospectivo sobre esse período, refletindo sobre acontecimentos nos quais estiveram envolvidas nos três ambientes contemplados pela narrativa: campo, cidade e universidade.

Para encerrar o trabalho, Almeida opta por revelar o seu próprio lugar de fala. Substitui a tradicional conclusão ou epílogo por uma construção narrativa na primeira pessoa do singular. Primeiro, indicando o seu percurso metodológico, ao colocar em diálogo elementos discursivos das áreas de História, Literatura e Jornalismo; depois, trazendo para o debate diferentes visões sobre a modernidade. Dialogando com pensadores contemporâneos como Marshall Berman, Zygmunt Bauman, André Gorz, Josep Fontana, E. P. Thompson e Marc Bloch, o autor critica as bases do capitalismo triunfante para afirmar que “nem sempre o que venceu pode ser considerado o melhor”.

Em que pesem os vários problemas existentes no Brasil, apontados pelo autor, o livro de Antônio de Almeida não transmite pessimismo. Pelo contrário, é um chamamento para reconhecermos, valorizarmos e preservarmos as instâncias de atuação coletiva e as conquistas alcançadas pela classe trabalhadora; é um convite para repactuarmos as formas de convivência social, com solidariedade e respeito as diferenças; é um estímulo para resgatarmos a confiança na capacidade do ser humano de enfrentar as adversidades do presente para transformarmos a realidade e construirmos um futuro onde não haja espaço para o ódio, para o preconceito e para quaisquer formas de discriminação ou exclusão.

Memórias entrelaçadas: o popular e o erudito nos espaços da universidade
Autor: Antônio de Almeida
Editora: Subsolo
ISBN: 978-65-88075-29-6
Preço: R$ 30
E-mail para compra: antonio.de.almeida.ufu@gmail.com

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[31/01/2024 09:20:00]
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