Está chegando a hora de retomar os eventos literários presenciais? Sim.
PublishNews, Rogério Robalinho*, 18/08/2021
Rogério Robalinho, coordenador da Bienal do Livro de Pernambuco, defende o retorno dos eventos literários presenciais, 'com responsabilidade, sem desatinos'

A pandemia de covid-19 é, talvez, o fato de maior impacto sobre a civilização desde a Segunda Guerra Mundial. Seus efeitos ainda irão perdurar por muitos anos depois de o ciclo do coronavírus e suas variantes estarem encerrados.

Além dos mais de 4 milhões de mortos no mundo até agora (mais de meio milhão deles no Brasil), as consequências para a saúde física e mental das pessoas já começam a ser percebidas: seja nas sequelas sobre os organismos infectados que se recuperaram da doença, seja no comportamento coletivo.

No mundo inteiro, as populações dão sinais de sentir o golpe do período prolongado de mudanças no cotidiano. Isso afeta todas as esferas da vida a partir de privações e restrições de cunho social, cultural ou econômico.

O sequestro do que chamávamos “normalidade” não foi facilmente compensado pelo “novo normal”, expressão alugada para trazer alguma sensação de conforto à turbulência que ainda estamos atravessando.

E precisamos atravessar. Empreender esforços antes inimagináveis, porque incorporados implicitamente a uma rotina considerada inquebrável e acima de qualquer perigo. Na verdade, sequer julgávamos esforço a menor interação com os outros, o passo elementar de aproximação necessário para traduzir a iniciativa em realização.

Agora, tudo é difícil e requer disposição em dobro. Embora a imunização com as vacinas em uso venha cumprindo razoavelmente a promessa de proteção, inclusive contra as cepas diferentes da mesma peste, a insegurança e o medo pairam no ar feito vírus paralisante.

E para piorar, a pandemia gerou uma espécie de julgamento moral subliminar que parece nos obrigar a uma tristeza resignada, ao recolhimento compulsório e à negação de valores positivos que sempre nos empurraram para frente. De repente, esses sentimentos nos lançam à beira de um abismo de dúvidas e neuroses.

Vale reproduzir um trecho do astuto observador Julián Fuks, em mais uma manifestação recente de lucidez: “Durante toda a pandemia, ou desde antes, nestes anos trágicos do nosso país, a alegria tem sido um ato envergonhado, um privilégio que nos concedemos por um instante, antes de nos desculparmos. Tem sido sempre uma alegria vigiada, pelos outros, ou pelo outro que guardamos dentro de nós. Para muitos, a alegria alheia se fez inseparável do risco: vejam só como estão felizes, como estão embriagados de prazer, como podem sucumbir a qualquer momento à imprudência, à irresponsabilidade, à indiferença? E então, depois de anos em que tínhamos de cumprir o imperativo de ser felizes, agora estamos obrigados a ser tristes, a calar ou usar a nossa voz apenas para a indignação e o lamento”. Esse texto, escrito pelo premiado autor de A resistência, foi publicado em sua coluna no UOL do último dia 14.

Eu não faço a menor ideia do que Julián Fuks pensa a essa altura a respeito da volta dos eventos literários, e tão pouco o invoco a propósito da defesa aqui esboçada. Mas, tomo a liberdade de tomar sua provocação como válida para a reflexão de que não podemos nos quedar prostrados à melancólica condição de espectadores de nossa própria depressão. Se a prudência é o imperativo deste momento da história, também havemos de focar naquilo que nos faz humanos – sem cedermos à vertigem do abismo, mirando um dia de conquista a cada vez, na medida do bom senso, mas sem o abandono do ímpeto de ir adiante.

Os Jogos Olímpicos de Tóquio foram um claro exemplo de que é possível avançar, apesar dos cuidados. Mesmo em arenas vazias, longe do contato direto com o público, milhares de atletas de todo o planeta mostraram porque é preciso continuar nadando, remando, saltando, sacando, chutando. E muito mais importante – sorrindo, chorando, abraçando e beijando quem pudermos, sem abdicar dos protocolos de humanidade.

A mensagem das Olimpíadas foi uma chama de esperança e otimismo, na direção da convivência entre os povos, definindo o distanciamento como a contingência que desejamos e vamos superar.

As perdas econômicas em decorrências das restrições impostas pela pandemia são variadas e conhecidas. No mercado editorial, inclusive. O segmento de eventos literários experimenta um hiato que tem custado o trabalho de muita gente, e afastado o apaixonado público leitor de autores, editores e outros profissionais do livro.

Se a leitura pode ser um mergulho interior e solitário, os encontros proporcionados por eventos literários, de qualquer porte, de clubes e cursos presenciais até os festivais e feiras de alcance regional, representam oportunidades de congregação em torno da literatura. O compartilhamento de leituras e a vivência que esses encontros suscitam fazem falta.

A Bienal Internacional do Livro de Pernambuco está marcada para acontecer entre os dias 1º e 12 de outubro, em formato híbrido, ou seja, com atividades presenciais controladas e aquelas, consagradas pela estação pandêmica, em que a distância entre os corpos é vencida pela tecnologia da comunicação e pela boa vontade dos envolvidos. Até lá, esperamos que o percentual de vacinados cresça e o número de casos graves continue caindo. Dois meses depois, está agendada a Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, no tradicional local do evento, no Riocentro.

Será que está na hora de voltarmos com os grandes eventos literários com a presença do público? Com responsabilidade, sem desatinos, acredito que sim. Creio que temos condições de usar os protocolos de segurança sanitária estabelecidos, e contar com o comportamento do público para o cumprimento desses protocolos.

Porque precisamos continuar a nadar, a conversar, a ler. Juntos.

O avanço da imunização e a redução das mortes no País são fatos que permitem próximos passos. E um deles, a meu ver, deve ser o retorno do magnífico estímulo à disseminação da consciência crítica que os grandes eventos literários são capazes de levar a milhares de brasileiros – sobretudo num quadrante da história nacional em que a ampliação de horizontes é indispensável.

[Nota do editor: nesta mesma edição, o PN traz um artigo escrito por Henrique Rodrigues, gestor de projetos literários do Sesc Nacional e colunista do PN, que faz o contraponto às teses de Rogério Robalinho. Clique aqui para lê-lo]


* Rogério Robalinho é diretor da Cia de Eventos, coordenador da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PublishNews

[18/08/2021 09:35:40]