Convite aos profissionais do livro (ou Como o livro vai combater o Coronavírus?)
PublishNews, Talita Camargo*, 19/03/2020
Em artigo para o PublishNews, Talita Camargo dá sugestões de como livreiros, editores e leitores deveriam enfrentar a pandemia

Todas as vezes em que fico um pouco perdida, assustada ou receosa com os rumos do mercado do livro, pergunto a opinião do meu pai. Geralmente a resposta é calma e tranquila, em um tom de quem já viveu muitas crises no setor e sempre vê uma luz no fim do túnel.

Para quem não sabe, meu pai se chama Ivo Camargo e é vendedor de livros há 44 anos. Hoje, somos sócios, mas vejo nele um mentor e respeito sua sabedoria. Por isso, quando a Prefeitura de São Paulo anunciou nesta quarta-feira (18), a proibição do funcionamento do comércio a partir desta sexta-feira (20), devido à pandemia do coronavírus; recorri aos seus conselhos para pensarmos, junto à minha irmã e também sócia, Carol, em estratégias comerciais e financeiras; pois como distribuidores e gestores de livraria, essa decisão nos afeta diretamente.

Talita (à esquerda), Ivo e Carol, uma dinastia de livreiros preocupada com o futuro do seu negócio | © Divulgação
Talita (à esquerda), Ivo e Carol, uma dinastia de livreiros preocupada com o futuro do seu negócio | © Divulgação

Eis que para a nossa surpresa, meu pai não tinha uma resposta. “Em mais de 40 anos no livro, nunca vi todas as livrarias de São Paulo fecharem as portas e outras tantas estarem ameaçadas. Nunca vivi nada parecido”. Ficamos mudos, encarando o medo de um colapso econômico de uma família que vive e sobrevive do livro há mais de 40 anos.

Nos momentos seguintes, tive uma mini crise de pânico. Como um filme acelerado, comecei a pensar na cadeia do livro como um todo: as livrarias obrigadas a fechar suas portas anunciam o não cumprimento do envio de acertos de consignação e de pagamentos para seus fornecedores; os distribuidores não suportam; os editores quebram, todos os profissionais ficam desempregados e ... bum! O livro acaba.

Ei! Calma!

Respira. Inspira. Não pira.

Consigo, então, trazer o racional à tona: as possibilidades, ainda que nebulosas e com trilha sonora de filme de terror, começam a aparecer. E começo a expor as ideias ao meu pai e irmã, que aos poucos também vão sendo puxados para a realidade e, juntos, esboçamos estratégias viáveis dentro deste cenário de risco completamente imprevisível em todo e qualquer plano de negócios da atualidade.

Entendo que o momento é de cuidado com o próximo e parece insensível tocar no assunto economia quando há pessoas morrendo em hospitais de todo mundo. Mas a crise financeira é a próxima pandemia que vamos enfrentar, justo quando estivermos a ponto de acreditar que estaremos salvos. Não estaremos. Não ainda.

E acredito que, como empresária, é de minha responsabilidade aproveitar o momento de baixa nas vendas e atendimentos parados para, ao invés de maratonar todas as séries de minha preferência durante o home office; pensar no dia de amanhã. Porque é amanhã que os boletos vencem: é amanhã que devemos pagar os fornecedores, colaboradores e prestadores de serviço. E, infelizmente, não podemos deixar para pensar nisso amanhã.

Meu pai, o bom e velho Ivo, é e sempre foi um grande vendedor de livros porque tem o dom da negociação em sua essência. Foi com ele que aprendi que “é conversando é que a gente se entende” e, sejamos francos: não é algo muito difícil de se fazer neste nosso mercado em que todo mundo conhece todo mundo, não é mesmo?

Então, gostaria de convidar a todos os profissionais do livro a pensar estratégias coletivas possíveis, a fim de minimizar os nossos danos. Sim, nossos: ninguém vai escapar ileso, sinto muito informar. Assim, quem sabe, todos consigamos sobreviver à pandemia?

Pensando nisso, começa esboçando algumas ideias, que podem – e devem! – ser melhoradas e complementadas por todos! Vamos a elas:

Aos livreiros, independente do seu porte

Antes de não cumprirem com os pagamentos das duplicatas a vencer, acionem seus fornecedores e façam uma proposta justa de pagamento, para que vocês minimizem suas dívidas e não façam um buraco muito grande no fluxo de caixa de quem também precisa receber.

Além disso, não fiquem parados! Infelizmente, a Nossa Senhora do Livreiro Abandonado não irá resgatá-los, então, resgatem a si mesmos juntos: interajam com seus clientes pelas redes sociais e canais de atendimento, conversem com outros livreiros (na vida real e no mundo virtual), indiquem livros, divulguem as campanhas de incentivo à leitura (#leiaemcasa, #olivroéasuamelhorcompanhia etc.)

Troquem informações entre si e pensem em promoções, alternativas de vendas, divulgação de maneira coletiva (que tal escolher uma lista de títulos e fazer uma promoção em todas as lojas fechadas em SP, por exemplo?)

Vocês sabiam – outro exemplo – que na última sexta-feira (13) foi registrado um pico de vendas de livros infantis na Amazon dos EUA? As crianças estão confinadas em casa: como nós, livreiros, vamos ajudar esses pais e cuidadores nesta difícil tarefa de entreter a criançada? A Harper Children, selo da gigante HarperCollins americana, por exemplo, está disponibilizando conteúdo on-line diário.

E se fizermos clubes de leitura on-line, com a participação de todas as livrarias interessadas?

Ou então um desafio virtual de livreiros? Talita, da Comendador, desafia a Mônica, da Livraria da Tarde, a ler A resistência, de Julian Fuks (Companhia das Letras). Mônica, por sua vez, escolhe um livro e desafia as “Mandarinas”, que podem desafiar alguém da Vila, que desafia o vendedor da Cultura, que desafia outra pessoa da Martins Fontes Paulista, que não deixa a Simples de fora .... e assim seguimos nos divertindo, lendo e indicando livros.

Uma brincadeira entre nós, que divulga os títulos, mostra a cara de nossas equipes, divulga os títulos de nossos fornecedores e incentiva o nosso público a experimentar nossos sabores literários.

Usemos de nossa criatividade e afetividade para trabalharmos juntos!

Aos fornecedores

Estejam abertos às negociações propostas de seus clientes. O momento exige paciência, flexibilidade e bom senso. Lutem por prazos estendidos, parcelamentos adequados e – por favor! – não protestem ninguém antes de tentar uma resolução saudável para todos.

Não deixem os pontos de venda desabastecidos. Sem livro, não há livraria (física ou virtual).

Outro ponto importante: não façam promoções com descontos agressivos em suas lojas on-line: isso só beneficia a você próprio e não ajuda a cadeia de maneira sustentável. Uma dica é direcionar seus clientes aos livreiros e distribuidores parceiros: publiquem os links de venda deles, divulguem seus sites, e-mails e telefones de contato.

Proponham ações em parceria com seus clientes: usem de suas equipes de marketing para traçar estratégias que incluam este livreiro que está de portas fechadas.

E, por favor, não distribuam livros físicos e digitais de maneira gratuita ao público geral. Isso desvaloriza o setor e os nossos profissionais.

Às entidades do livro

Unam-se! É preciso uma intervenção conjunta em caráter de urgência, que lute pelos direitos de nosso setor, em todas as esferas. Quais são as perspectivas governamentais para o nosso setor? Como ficam os impostos como IPTU neste período em que os lojistas foram obrigados a fechar as portas? O que dizem os bancos? Como as grandes redes vão ser capazes de cumprir com seus acordos de recuperação judicial com parte de suas lojas fechadas ao público? Quais as perspectivas? Quais as informações empíricas e estatísticas da crise do coronavírus?

Além disso, escutem os profissionais de nosso setor: suas reclamações, indagações, proposições, ideias. Não dá para ignorar nada. E nem ninguém.

Não é hora de disputa de poder e ego: é momento de ação e de guiar o setor com as melhores alternativas.

Aos colaboradores e prestadores de serviços de toda a cadeia

Sejam resilientes. Não entrem em pânico, sejam compreensivos com seus empregadores (sem ser feito de bobo, é claro!) e, principalmente, não desistam!

Aos leitores

Fiquem em casa, mas comprem livros. Não saiam, mas leiam. Além de ajudar a passar o tempo de confinamento, a leitura traz um conteúdo diferente da overdose de covid-19 da programação televisiva e entretém com qualidade. E não se esqueçam dos livreiros: eles ainda existem, mesmo que a portas fechadas. Busquem os contatos, peçam indicações, façam sugestões.

Mais algumas proposta

Suspensão temporária da lista de mais vendidos, parcerias com veículos de comunicação para divulgar ações promocionais, buscar apoio de booktubers e influenciadores sociais para incentivarem a leitura; entre outros.

Eu nasci no livro e vivi minha vida toda do e pelo livro. Sou e sempre serei eternamente grata.

Hoje, mais do que amante do livro ou filha do Ivo, sou distribuidora e livreira. E é por isso que ainda acredito que temos como sobreviver a mais esta crise, que está apenas no começo, mas que já pede a atenção de todos.

Não podemos ignorar os sinais, pois há ainda há tempo de nos ajudarmos. Sim, no plural. Nós todos. Porque mesmo de luvas, máscaras e muito álcool gel e à distância, esta é a hora de nos unirmos para salvar o livro do Coronavírus.


* Talita Camargo é sócia-proprietária da 2BOOKS Distribuidora e gestora da Livraria do Comendador. Esteve entre os vencedores do Prêmio Jovens Talentos de 2019.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PublishNews.

Tags: Coronavírus
[19/03/2020 08:50:00]