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ISBN passa a ser de responsabilidade da CBL: boa notícia para o mercado editorial
PublishNews, Felipe Lindoso, 20/12/2019
Felipe Lindoso resgata a história do ISBN para analisar a mudança da operação do ISBN, que deve acontecer em março próximo

A Câmara Brasileira do Livro (CBL) anunciou recentemente a assinatura de convênio com a Fundação Biblioteca Nacional e a Agência Internacional do ISBN, para assumir o papel de Agência Nacional do ISBN – International Standard Boook Number, o identificador unívoco de cada edição comercial de livros.

O que deveria ser visto e entendido como um aperfeiçoamento do processo de comercialização de livros – pois é disso que trata o ISBN – foi entendido por alguns como uma “perda financeira” para a FBN, que teria abdicado de uma fonte importante de renda para seu funcionamento.

Devo dizer que há anos, quando trabalhei na CBL (entre o final dos anos 1980 e 2002), sempre defendi e busquei achar modo de que a CBL (ou o SNEL, ou uma associação entre as duas entidades) passasse a ser a Agência Nacional do ISBN, o que sempre foi recusado, inclusive com a justificativa dos ganhos financeiros que a emissão do registro proporcionava.

A questão de fundo, porém, nunca foi exatamente essa. A posição dos então dirigentes da FBN se encorava, no meu entender, em um equívoco básico. Percebiam o ISBN como um instrumento anexo à catalogação e ao depósito legal. Ou seja, como informação bibliográfica. Como responsáveis legais pela publicação do catálogo bibliográfico – o que não é feito há décadas, aliás – e pelo depósito legal, consideravam o ISBN, no fundo, como um suplemento para suprir as deficiências na execução dessas duas funções. Infelizmente existem editoras (de vários portes, aliás) que não cumprem a exigência do Depósito Legal, e ainda assim, pelo que transpira, a catalogação dos livros recebidos esteve muitas vezes em descompasso com os livros amontoados sem catalogação e registro. Do mesmo modo, o repasse de informações sobre o acervo bibliográfico para instituições internacionais esteve quase sempre em atraso.

Um dos fatos que testemunhei foi o atraso no envio de informações sobre obras traduzidas para o português, que deveriam ser anualmente enviadas à Unesco, para consolidação do Index Translationum. Em 2015, quando estive em Paris para o Salon du Livre e pretendia visitar a Unesco, verifiquei que o envio de informações pela BN estava atrasado vários anos, e pedi que atualizassem os dados, o que fizeram. Infelizmente a Unesco, em crise financeira, descontinuou esse projeto que ocupava três pessoas e era um inestimável mapa do movimento internacional de traduções.

Mas esses são detalhes.

Para chegar às raízes do ISBN, vale um pouco de história, inclusive de como a BN virou Agência Brasileira do ISBN.

Há décadas se constatava um problema radicado basicamente no comércio de livros. A identificação unívoca de uma determinada edição se tornava cada vez problemática. Cada editora, importadora, distribuidora e livraria usava códigos próprios, totalmente arbitrários, para identificar os livros em seus estoques ou de sua edição.

Em 1965, um grupo de livreiros e distribuidores da Grã-Bretanha, liderados pela rede WHSmith encomendou a elaboração de um sistema comum. O professor de estatística Gordon Foster bolou então um sistema de nove dígitos, o SBN – Standard Book Number que, no ano seguinte, evoluiu para ISBN por iniciativa do editor, importador e distribuidor David Whitaker, o “pai do ISBN”.

No ano seguinte a R.R. Bowker, dos EUA, adotou o sistema. Em 1970, a International Standard Organization (ISO), também adotou o sistema e organizou a Agência Internacional do ISBN (assumida pela Alemanha), que passou a atribuir os prefixos para as Agências Nacionais. Em 2007 o ISBN passou a ter 13 dígitos para se adaptar à estrutura do código de barras da AEAN.

A difusão do ISBN, impulsionada pelos mercados do EUA e da Grã-Bretanha, se expandiu de forma rápida pela Europa, mas demorou muito a ser adotada nos demais continentes. No final dos anos 1970, o Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe (Cerlalc), órgão da Unesco, tomou a iniciativa da difusão e usou como tática convencer as bibliotecas nacionais dos respectivos países a se tornarem Agências Nacionais.

Foi assim que, de iniciativa nascida e destinada ao âmbito da comercialização de livros o ISBN acabou parando nas mãos da BN no Brasil e em outras bibliotecas nacionais dos países da região.

O ISBN, como identificador das edições comerciais é atribuído a cada edição e variação de um título (salvo reimpressões). Assim, edições de capa dura, capa mole, livros de bolso, edições eletrônicas, etc, recebem diferentes ISBNs.

Entram os metadados

Os livros têm outras informações que facilitam sua identificação, como o título, o nome do autor e os dados da catalogação feitos pelas bibliotecas nacionais. Mas o conceito de metadado, que se desenvolve com mais vigor a partir da ampliação do comércio eletrônico, sistematiza e amplia os processos de identificação e busca dos livros em um número que cresce geometricamente, inclusive com o surgimento e crescimento das auto publicações. É o caso dos códigos Bisac e os padrões de identificação estabelecidos com o Onix e, mais recentemente, com o Thema.

A integração desses dados – que dependem, aliás, dos editores entenderem sua importância e desenvolverem identificadores amplos e corretos – sempre foi e continua sendo um empreendimento diretamente vinculado ao comércio de livros. Preso dentro de uma estrutura burocrática como a da Biblioteca Nacional, sempre foi difícil ter a agilidade necessária para que essas informações prestem serviços a editores, livreiros e, em última instância, aos leitores.

Isso tudo tem custo, e não é pequeno. Dizer que a BN perdeu “x” milhões de reais é uma falácia. Aliás, muito comum quando se fala em orçamentos e gastos de órgãos públicos. O “bolso” da entrada é considerado e se esquecem dos vários “bolsos” de saída, que vão desde os salários até os sistemas, passando pelas atualizações tecnológicas, protocolos de integração, etc. Dizer que a BN até hoje não tem sistemas que permitam o diálogo da catalogação com outras bibliotecas, nacionais e universitárias, que possibilitem sistemas de catalogação cooperativa é uma boa síntese do problema.

Por isso mesmo, a transferência das responsabilidades do ISBN para a CBL e para o braço operacional Metabooks é uma excelente notícia para editores, livreiros, distribuidores e leitores e também para a BN, que deixa de estar obrigada a uma tarefa que não era a sua. Esperemos que cumpram essa expectativa. E que, em algum momento, a administração pública proporcione não apenas à Biblioteca Nacional como aos demais órgãos da cultura em nosso país os recursos para que cumpram com as respectivas missões. O que, diante da política de desmonte, terraplanismo, ignorância e obscurantismo que estamos sofrendo, vai depender de muito esforço de todos os setores culturais.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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