
Não se trata de simplesmente substituir a narração humana pela tecnologia TTS (text-to-speech), na qual o robô lê o livro e fornece o áudio. Mas a tecnologia parece ter chegado muito próxima a um ponto em que é mais do que satisfatória, e diversas ferramentas já estão em uso ou em versão beta. Um dos principais assuntos nas conversas foi o de licenciamento de vozes: um ator ou narrador licencia sua voz para uma ferramenta e a tecnologia faz o trabalho de transformar o texto em uma gravação. O respeito aos direitos do narrador foi um ponto levantado por diversos executivos.
O consultor editorial e fundador do Dosdoce.com, Javier Celaya, publicou um artigo em conjunto com a Feira identificando 160 ferramentas de inteligência artificial que já estão sendo utilizadas por produtores no mundo todo. Uma das conclusões do relatório – How artificial intelligence is redefining the audiobook industry – é que a IA vai empoderar profissionais ao liberá-los de tarefas repetitivas nos processos de produção, permitindo canalizar seus esforços em aspectos mais criativos e complexos do trabalho.
“As 160 aplicações e serviços identificados vão se tornar uma extensão do trabalho dos profissionais de áudio para melhorar sua produtividade e criatividade, não para substituí-las. Quando todos os profissionais utilizarem as mesmas ferramentas, inspiração humana e criatividade serão o fator decisivo”, explica. Sua estimativa é de que, após uma curva de aprendizado, a IA pode reduzir em mais de 50% os custos com produção, distribuição e outras formas do trabalho com audiolivros.
Debates em Frankfurt: abertura para a IA
Em uma mesa apresentada pelo Spotify na quarta-feira (15), o Director of Partnerships & Licensing de audiolivros da empresa, Duncan Bruce, comentou que houve um crescimento de 10% nos streams na Europa nos últimos seis meses – período em que a plataforma expandiu sua atuação para Alemanha, Holanda e outros quatro países. Atualmente, o Spotify, que já opera o modelo nos países de língua inglesa, conta com um catálogo de 500 mil títulos.
“Nosso formato de assinatura, que permite uma quantidade de horas para o ouvinte por mês, encoraja o consumidor a se aventurar mais no catálogo, além de ser uma grande oportunidade para formatos curtos, como infantil, poesia e contos”, explicou. Ele compartilhou que a empresa tem um crescimento anual de 37% nos streams de audiolivros em inglês.
A executiva holandesa Robin Straatman, da editora Xander Uitgevers, falou que quando o Spotify passou a operar no país, todo o mercado de audiolivros cresceu. Ela ressaltou a importância da construção de um catálogo: “as editoras ainda estão hesitantes porque o mercado é relativamente pequeno, são 24 milhões de falantes da língua, mas não podemos vender o que não temos”.
Encontrar bons livros e produzir grandes audiolivros foi a receita apontada pelo alemão Colin Hauer, CEO da Hamburg Horbuch. “Conteúdo é chave para este mercado”, afirmou. “Como editora de audiolivros, a limitação das estantes deixou de ser um problema. Precisamos pensar em como esticar a vida de um título, em como construir um marketing para isso. Cada pessoa precisa achar um título em um momento certo.” A publisher da Macmillan Audio nos EUA, Mary Beth Roche, destacou que os audiolivros podem ser uma ferramenta poderosa para combater tendências recentes das pessoas deixarem de ler por prazer.
Em um painel específico sobre IA e áudio, a embaixadora do assunto em Frankfurt, Ama Dodson, da AkooBooks, de Gana, garantiu que a tecnologia é uma facilitadora para aumentar a velocidade de produção, e tradução dos títulos. “A diversidade de vozes, sotaques e dialetos ainda não existe nas base de dados de vozes. Precisamos muito da diversidade linguística neste negócio, bem como desenvolver contratos de licenciamento com as empresas de tecnologia”, disse. “Mesmo assim, não podemos excluir as pessoas desse processo.”
Ben Goddard, diretor de vendas digitais da Hachette UK, também assinalou que é preciso proteger os envolvidos no processo. “Houve uma mudança na onda, porque agora editoras, autores e agentes querem buscar opções. Manter o autor satisfeito é um dos aspectos fundamentais nesse processo. Queremos proteger direitos, mas há outras possibilidades além da pura narração humana. É uma questão caso a caso. Mudou muito no último ano.”
Mais tarde, no Publishing Perspectives Forum, a publisher da Dumont Publishing, de Colônia (Alemanha), disse que para uma editora menor faz mais sentido investir nos grandes títulos, nos bestsellers. “Tentamos primeiro fazer com livros que iam bem com ebooks, mas não funcionou muito. Quando passamos a investir nos mais vendidos, notamos um crescimento anual de 7% nas receitas por audiolivros.” Sobre a IA, ela apontou que as ferramentas de narração não precisam ser usadas necessariamente para narrar um livro inteiro, mas podem ser muito úteis para fazer correções ou pequenas edições, por exemplo.
*O jornalista viajou com o apoio do CreativeSP, programa da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo e da InvestSP, agência de promoção de investimentos vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico.