
Uma das praças sob o guarda-chuva de Restivo-Alessi é a operação brasileira da HarperCollins. Para a executiva, “é incrível ir às feiras do livro no Brasil e ver como os jovens leitores adoram os autores como se fossem verdadeiras estrelas de cinema”, disse. A executiva é otimista com a indústria editorial, mesmo que o próprio setor demonstre, segundo elas, incertezas e temores. “Precisamos proteger os direitos de nossos autores”, disse, sobre inteligência artificial, o assunto que atravessa todas as discussões deste ano. “A HarperCollins fez um acordo com empresas de IA porque é preciso criar um modelo rentável e monetizável. Mais importante, é preciso ser transparente com autores e leitores e mostrar ao mercado que é possível negociar, porque não há futuro para o roubo”, comentou, referindo-se ao treinamento de modelos de linguagem com livros pirateados. “Precisamos criar um lugar para nós neste mercado, nos engajar e nos envolver com os usos de IA quando fazem sentido. Quando não fazem, precisamos criar regras”, completou.
Para Cabutí – que comanda o braço editorial da Penguin Random House nos países hispânicos e em Portugal –, a indústria editorial já atravessou diversas transformações tecnológicas ao longo do tempo, e sobreviveu. “Dessa vez, não vai ser diferente. Tenho sentimentos mistos sobre a IA. Neste momento, estamos em modo FOMO, com medo de perder alguma coisa, então precisamos estar envolvidos. Mas o dilema atual é como e onde aplicar de modo efetivo. Por enquanto, para nós, há muitos esforços para eliminar burocracias, avançar em processos manuais de forma mais ágil, aplicar em conhecimentos de marketing e informações de dados. Mas o certo é que precisamos, mais do que nunca, de bons editores. É necessário proteger o trabalho de nossos autores e criar modelos eficientes”, analisou.
Mais cedo, no Publishing Perspectives Forum, a CEO da Simon & Schuster UK e International, Perminder Mann, disse sentir que as empresas de IA estão roubando direitos autorais. “Todo mundo fica suspeito, isso não ajuda ninguém. Ao mesmo tempo, tenho fé em um assistente de IA que nos ajude a trabalhar de maneira mais efetiva. A IA pode contribuir muito em temas como sustentabilidade e saúde mental, tomando para si, por exemplo, as atividades repetitivas, entre outras. Eu gostaria que a gente usasse o nome dos softwares, como ChatGPT, por exemplo, e não esse termo genérico. Precisamos ser cuidadosos, transparentes, precisa haver clareza e equilíbrio. Uma boa ferramenta pode liberar as pessoas para focar nos trabalhos criativos”, comentou.

As executivas foram entrevistadas por uma bancada de jornalistas de diversos países, e um dos assuntos trazidos à tona foi a relação com as livrarias.
“As livrarias têm um papel essencial”, disse Restivo-Alessi, da HarperCollins. “Para além das tecnologias, se trata da relação entre as pessoas. Precisamos de ainda mais eventos com autores nas lojas. O conselho do livreiro, diferente do algoritmo, não considera o que uma pessoa sempre consome, ele pode recomendar algo que aquele leitor não conhecia. Essa experiência não funciona tão bem assim no digital. É fundamental manter esse serviço”, afirmou. Para Cabutí, o mercado funciona melhor nos lugares onde há proteção dos descontos, ou seja, regulações governamentais que definem o tamanho dos descontos para lançamentos (como o projeto da Lei Cortez no Brasil). “A venda de livros é um negócio poderoso, mas agora o que vejo como o maior risco são os ataques à liberdade de expressão. Além de estarmos presenciando isso nos EUA, México e Peru também dão sinais nesta direção.”
Provocadas sobre métodos de crescimento sustentável – que não passassem, necessariamente, por adquirir editoras menores –, elas lembraram que as suas próprias empresas são subsidiárias de grupos de mídia maiores. “Para a companhia matriz, manter os grupos editoriais é uma decisão financeira. Como os investimentos resultam positivos, é bom para o setor”, disse Restivo-Alessi. Cabutí lembrou que, para a Bertelsmann, o setor editorial é um dos mais importantes da sua operação.
*O jornalista viajou com o apoio do CreativeSP, programa da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo e da InvestSP, agência de promoção de investimentos vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico.