Três Perguntas do PN para Sérgio Rodrigues
PublishNews, Monica Ramalho, 05/09/2025
Jornalista e escritor fala ao PublishNews sobre o seu mais recente livro, 'Escrever é humano: Como dar vida à sua escrita em tempo de robôs', pela Companhia das Letras

"Se a gente parar de escrever, se terceirizar as frases para a IA, logo ninguém vai saber escrever mais nada”. A provocação é do notável jornalista e escritor Sérgio Rodrigues, que lança Escrever é humano: Como dar vida à sua escrita em tempo de robôs, pela Companhia das Letras, para lembrar que a arte de costurar ideias e frases continua a ser um ato radicalmente humano.

Criador do blog TodoProsa (2006-2016), que serviu de referência para uma geração de escritores e leitores, Sérgio despontou de vez na cena literária ao ganhar o 12º Grande Prêmio Portugal Telecom de Literatura em 2014, nas categorias Romance e Grande Prêmio, com O drible (Companhia das Letras), logo traduzido para espanhol, francês e dinamarquês, além de ter sido publicado em Portugal.

O sucesso de O drible rendeu um convite do Le Monde para que ele produzisse um folhetim policial para circular, em 24 capítulos, nas páginas do jornal francês durante a Copa do Mundo de 2014. Enquanto os textos de Jules Rimet, meu amor eram veiculados na Europa, a editora da obra de Sérgio lançava por aqui a história centrada no roubo da taça Jules Rimet em quatro volumes, como uma novela.

Em entrevista ao PublishNews, o artesão das palavras fala sobre regulamentação e direitos humanos em tempos de IA, revela o tom mais confessional na escrita deste livro e destaca o papel da leitura como exercício indispensável para quem deseja escrever. “Só escreve bem quem lê bem”, sentencia.

PublishNews –⁠ ⁠Sérgio, vamos falar um pouco sobre a discussão que o seu lançamento traz: a apropriação que a IA faz do conteúdo criado por humanos. Na sua opinião, quais seriam as linhas de base para regulamentar o setor? Muitos jornalistas têm assumido publicamente que pedem auxílio à IA. O que pensa sobre isso?

Sérgio Rodrigues – A IA é uma revolução talvez maior do que foi a internet, e antes dela o computador pessoal. Na verdade, estamos falando de três estágios da mesma revolução, a digital, cada um mais acelerado que o anterior. Jornalista usar IA vai ser obrigação, o problema é como. A ética do negócio está em aberto, em grande medida. Não há leis e costumes para essas coisas e nem poderia, leis são tartarugas analógicas. Os direitos autorais dos autores deveriam ser protegidos, claro, mas em grande parte já não foram. Ainda há o que fazer, em termos jurídicos e legais, mas não muito. Nessa hora vale o sentido de decência de cada um. Para mim, o limite é o de escrever as próprias frases. Se a gente parar de escrever, se terceirizar as frases para a IA, logo ninguém vai saber escrever mais nada. Nós não perdemos a habilidade de fazer as quatro operações de cabeça quando as calculadoras passaram a estar à mão? Escrever dá trabalho, vamos terceirizar pro robô, quem resistiria? Agora imagine a nossa espécie perdendo em massa a habilidade de escrever. Ninguém mais vai pensar direito.

PN -– ⁠Soube que você queria escrever um livro sobre o seu ofício ficcional há anos. Como se organizou para colocar as ideias no papel em ‘Escrever é humano: Como dar vida à sua escrita em tempo de robôs'? Qual foi a sua maior surpresa (para o bem e/ou para o mal) durante a produção do livro?

SR – O livro foi escrito primeiro devagar, ao longo de muitos anos, e então depressa, quando a IA escritora me deu um sentido de urgência. Foi pensando no que a escrita artística, literária, tem de ainda inatingível pela IA que o meu manual ganhou foco. Essa máquina prodigiosa de pasta de linguagem, com a qual conseguimos modelar num segundo coisas que levariam muito tempo e dinheiro para fazer à moda antiga, é uma imitadora incrível da linguagem humana na superfície, mas não consegue fazer o mergulho vertical que a literatura exige. A surpresa maior foi, nessa busca do que é só humano, concluir que eu precisaria tratar da minha intimidade, fazer confissões. Sempre fui um cara reservado, e nesse livro me exponho bastante, porque era preciso.

PN – ⁠Parece que o lançamento também funciona como uma espécie de manual, com dicas sobre ritmo, voz narrativa e outros detalhes técnicos da arte de escrever. Se tivesse que dar um único conselho para quem quer tecer uma história, qual seria? E quais leituras recomendaria para quem quer se preparar à escrita?

SR – Qualquer leitura, mas muita leitura. Escolha o tipo de leitura que lhe der mais prazer e leia, leia. Só escreve bem quem lê bem. Se sobrar um tempinho, recomendo “Escrever é humano”. É um relato que tentei fazer o mais honesto possível sobre o que precisei aprender para deixar de escrever ficção ruim.

[05/09/2025 10:11:38]