Fumetto: festival de quadrinhos suíço ocupa toda uma cidade
PublishNews, Bebel Abreu, 11/04/2025
A editora Bebel Abreu compartilha suas impressões na estreia da Bebel Books em Lucerna, na Suíça

Bebel Abreu e Manaira Abreu, no Festival Fumetto, na Suíça | © Bebel Abreu
Bebel Abreu e Manaira Abreu, no Festival Fumetto, na Suíça | © Bebel Abreu
Depois de participar da Feira de Bolonha, na Itália, a maior feira B2B com foco em livros infantis, infantojuvenis e ilustrados do mundo, nossa viagem à Europa mudou de escala e de público: eu e minha irmã e sócia Manaira Abreu fomos participar do Festival Fumetto, em Lucerna, Suíça.

O Fumetto é um festival de quadrinhos e artistas independentes que se espalha por diversos espaços públicos e privados de Lucerna, uma cidade que parece tirada de um conto de fadas, cheia de construções medievais e renascentistas. Esta é a 33ª edição, que começou no dia 6 e vai até 13 de abril. Ao longo de nove dias, Lucerna é tomada por quadrinhos: nos centros culturais, espaços públicos, lojas, restaurantes… são mais de 100 atividades, que inclui a feira de impressos, onde a Bebel Books ocupou uma mesa, além de exposições, palestras, oficinas, festas e uma premiação que reconhece quadrinistas de todas as idades.

Lea Willimann, diretora artística do Fumetto, celebrou conosco a presença internacional no Festival: “Estou muito feliz com a participação de artistas que vieram de longe, Ahmed Hossam El-Din do Egito, Herenia Gonzáles do México, vocês do Brasil... Espero que nos próximos anos essa diversidade aumente ainda mais”.

O eixo de programação chamado Specials reúne palestras, rodas de conversa entre artistas, ações de desenho ao vivo pela cidade, uma mostra de cinema e a apresentação de quadrinhos interativos "Artistas sem fronteiras", desenvolvido em parceria com a ONG Médicos Sem Fronteiras. A artista mexicana Herenia Gonzáles mostrou uma reportagem em quadrinhos interativa que criou sobre as histórias de pessoas refugiadas atendidas por um centro da MSF na Cidade do México. Emocionante, especialmente no contexto de avanço da extrema-direita que vivemos agora.

Durante o sábado e o domingo, vendemos nossos livros bilíngues, mudos e até alguns editados em português, na feira, um espaço chamado “Small Press Heaven”. É realmente um paraíso para quem ama quadrinhos, artistas independentes e edições experimentais! São mais de 30 expositores, sendo que alguns deles, como a Bebel Books, só participaram de um final de semana. A feira expõe trabalhos de pessoas do mundo inteiro, especialmente da Europa, mas não só. E gostamos muito de ver artistas de Lucerna participando ao nosso lado.

Small Press Heaven no Festival Fumetto | © Bebel Abreu
Small Press Heaven no Festival Fumetto | © Bebel Abreu
O Fumetto é um festival que realmente acolhe as pessoas da própria cidade em toda sua programação, enquanto também abre os braços para artistas do resto do mundo. As pessoas ficavam sempre muito espantadas que a gente tinha vindo do Brasil para participar. Não sei se a irreverência bate tão fundo no coração dos suíços como acontece no Brasil, mas recebemos muito carinho e acolhimento do público.

Das oito principais exposições principais do festival, conseguimos conhecer três ao longo dos três dias que estivemos em Lucerna. A primeira que visitamos reuniu os 45 finalistas do RICH, o concurso de quadrinhos do Fumetto, que desafia artistas a criar HQs com o tema Riqueza: “As pessoas não falam sobre dinheiro. Mas o que você não pode falar, você deveria desenhar!”, um tema bem suíço. O concurso recebeu 1303 HQs de até 4 páginas, de autores de 53 países e de todas as idades, separados em três categorias: desenhistas de até 10 anos de idade, de 10 a 17 anos e 18+.

Exposição RICH, no Festival Fumetto | © Bebel Abreu
Exposição RICH, no Festival Fumetto | © Bebel Abreu
O Fumetto tem a característica de programar vários eventos por dia em espaços variados, e as aberturas de exposições atuam como pontos de encontro entre as pessoas que estão na cidade para o festival. Na exposição do prêmio RICH, por exemplo, conhecemos pessoalmente a Lea Hübner, tradutora de português-alemão que quase traduziu a edição alemão da nossa HQ Boy dodói, publicada na Alemanha pela Alibri. Neste encontro fortuito, já combinamos projetos futuros com ela.

Estivemos presentes também na noite de premiação do RICH. Ficamos muito felizes em ver quadrinistas de diversas nacionalidades, inclusive uma criança indiana, recebendo reconhecimento por seu trabalho. O formato da cerimônia foi bem interessante. Enquanto a diretora artística do festival, Lea Willimann, e o diretor administrativo, Oliver Kielmayer, apresentavam as categorias ao som de um DJ muito bom, Pablo Inkasso, o artista Claudio Näf desenhava no palco, com sua mesa projetada num telão. Sua missão era ilustrar o que acontecia, com bom humor e rapidez. Uma forma muito divertida de manter a plateia atenta ao longo da premiação.

Em uma pequena casa antiga está a exposição do novo quadrinho do grande Olivier Schrauwen, Sunday. Vimos vários originais dele, acho que mais de 50, e pudemos admirar de perto a técnica e a beleza do trabalho manual do Olivier, que ainda não foi editado no Brasil. Em tempos de IA, deu alegria ver como ele corrigiu erros com a simples técnica de colar uma camada de papel colada em cima da anterior. E o traço dele é super bonito, vale a pena conhecer.

A terceira exposição que visitamos foi a “Fumetto Tandem”. Um quadrinho colaborativo que começou a ser feito ao longo da última semana do festival do ano passado, e depois organizado pela artista indiana Shoili Kanungo e pelo suíço Krel (Kevin Crelerot) durante uma residência de três meses na cidade. Os quadrinhos foram colados nas paredes de forma que é possível fazer derivações do caminho da leitura, criando histórias alternativas à “leitura linear”. Muito divertido. Essa exposição nos encantou também por acontecer dentro do centro cultural Neubad, que já foi uma piscina pública. O espaço recebe ao mesmo tempo algumas das atividades do Fumetto e um mercado de pulgas, que ocupa a antiga piscina.

Além de toda a programação oficial, Lucerna ainda recebe dezenas de exposições paralelas, que acontecem de maneira integrada com outros estabelecimentos de Lucerna. Vemos quadrinhos por todos os lados: nas paredes dos restaurantes, nas vitrines das lojas, artistas desenhando na rua coletivamente ou sozinhos. O festival faz toda uma articulação para integrar exposições em espaços já existentes, o que é uma maneira muito legal de envolver a cidade e celebrar os quadrinhos e a arte.

Estar no Fumetto nos ajuda a lembrar de onde a Bebel Books veio: a primeira vez que expomos nossos livros foi na primeira Feira Plana, em 2013, e desde então quantas feiras nós já fizemos! É bastante antagônico participar de um festival tão independente logo após a Feira de Bologna. A publicação experimental preenche o nosso coração, enquanto os quadrinhos estão se destacando bastante na nossa linha editorial. E transitar por dois espaços tão diversos na Europa nos ajuda a pensar em como conciliar essas duas vertentes da editora.

*Colaborou: Lívia Aguiar

[11/04/2025 11:30:00]