
Segundo dados da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), só em 2024, o prejuízo com a pirataria de livros no Brasil chegou a R$ 1,2 bilhão. Uma média de 2 mil conteúdos de livros são pesquisados mensalmente pela entidade em sites como o Scribd, Issu e Academia.Edu. Sendo assim, a luta da ABDR é constante. No final do ano passado, por exemplo, a Associação conquistou mais um precedente judicial em relação ao combate da pirataria: um grupo no Telegram com mais de 330 mil pessoas destinado à pirataria foi suspenso.
Consta na decisão judicial que o grupo disponibilizava, sem autorização, mais de 120 obras literárias de autores e editoras para mais de 330.700 seguidores. Dentre outras ações, em setembro de 2023, outro grupo no Telegram que compartilhava livros piratas, violando os direitos autorais de editoras, entre elas associadas da ABDR, como Companhia das Letras e Sextante, também foi suspenso por conta do esforço da Associação.
Agora, a ABDR também celebra uma ação judicial contra o Facebook em razão da criação de um grupo chamado "O poder da mente, prosperidade e espiritualidade", com 406 mil membros. “Essa ação foi julgada procedente e o Facebook condenado a excluir esse grupo de forma definitiva”, conta Dalton Morato, diretor jurídico, administrativo e de relações institucionais na ABDR. Além disso, a criadora do grupo foi condenada a pagar uma indenização de 3 mil vezes o valor de duas obras literárias selecionadas.

“Nos preocupamos, pois os livreiros e os leitores, muitas vezes, não possuem conhecimento da pirataria e podem ser enganados por pessoas que querem vender essas cópias não autorizadas”, conta Daniela Kfuri, diretora de Marketing e Vendas da HarperCollins Brasil.
Kfuri explica ainda que diariamente a editora faz um monitoramento online em sites e marketplaces para identificar as edições falsificadas e que faz a notificação dentro do sistema dessas plataformas para que a pirataria seja combatida. “No caso das lojas físicas, a notificação vai para os fornecedores ilegais. O monitoramento das lojas é feito através da nossa equipe de vendas e dos promotores”. Ela conta ainda que, em ambos os casos, a ABDR foi informada do que está acontecendo para que possa ajudar nas notificações. “Caso as cópias não sejam retiradas e a venda interrompida, acionamos os nossos advogados para reforçar a notificação e tomamos as medidas legais cabíveis”, detalha.
Identificação e denúncias
De acordo com a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos, ao identificar uma edição pirata do seu livro, o primeiro passo para a editora é a aquisição de alguns exemplares dessa obra pirata. Com esses exemplares, a editora associada deve encaminhar para a ABDR iniciar uma ação judicial contra a pessoa ou a empresa responsável pela edição pirata. “É importante esclarecer que os custos da ação judicial serão suportados totalmente pela ABDR, sem qualquer custo para a editora associada”, frisa Morato.
A HarperCollins também destaca que o caso de pirataria do livro de colorir Bobbie Goods é um fenômeno diferente, já que a pirataria ocorre no livro físico e as edições possuem diferentes papéis, gramaturas e acabamentos que confundem o leitor e os livreiros. “Até o momento, já foram mais de 30 notificações enviadas para um livro lançado no Brasil em meados de janeiro e este número segue aumentando todos os dias”, comenta Daniela.
Ainda segundo Dalton, atualmente, os principais canais de distribuição dos conteúdos de livros piratas são as plataformas de redes sociais (como Facebook e Instagram), de mensagens privadas (como Whatsapp e Telegram), e sites de armazenamento digital (como 4shared.com e outros). Além deles, lojas na Shopee e Shein também têm se tornado populares na venda de cópias físicas ilegais.
“Mensalmente, a nossa equipe de combate à pirataria digital exclui, em média, mais de 13.500 conteúdos integrais de livros piratas. No ano de 2024, a ABDR excluiu 162.161 desses conteúdos piratas da Internet”, disse ao PublishNews. Além disso, pelo histórico de combate à pirataria de livros na Internet da ABDR, a rede social com mais grupos que compartilham livros piratas é o Facebook. Na HarperCollins, por outro lado, é no Telegram em que a editora mais encontra edições piratas dos seus livros.
Combate aos grupos de compartilhamento pirata
Mais detalhadamente, o procedimento enfrentado pela Associação para achar e fechar esses sites/grupos piratas envolve:
- A identificação do site ou grupo de rede social: por meio de pesquisas realizadas pelos membros da equipe da Associação ou por meio de denúncias recebidas pelas editoras;
- A coleta de provas: seleção das obras piratas (pelo menos obras de duas editoras) e compra do material;
- A análise do material: as editoras analisam e elaboram um laudo comparativo atestando que a obra pirata é uma cópia integral e literal das obras originárias;
- A elaboração e distribuição da ação judicial.
A ABDR pode atuar para excluir conteúdos integrais de livros piratas da Internet de duas formas: extrajudicial e judicial. “Na atuação extrajudicial, a Associação consegue excluir conteúdos de livros piratas em até 24h do recebimento da denúncia da pirataria. Já na atuação judicial, uma vez identificado e baixado o conteúdo do livro do livro pirata, conseguimos distribuir uma ação judicial em até dez dias”, explica.
A colaboração do público e influenciadores também pode ajudar a identificar essas obras piratas. “A colaboração do público está sendo muito positiva para nós e para a Bobbie Goods. Muitos influenciadores estão recebendo os livros e recomendando para os seguidores apenas as nossas edições por serem as originais, assim como muitas livrarias e papelarias. Eles estão levantando com a gente essa bandeira contra a pirataria e reforçando como podemos defender os direitos autorais da marca”, destaca Daniela Kfuri.
É importante ressaltar, porém, que o usuário que compartilha ou baixa livros piratas também pode responder por violação de direitos autorais. Por questão de estratégia, a ABDR foca seus esforços apenas nos criadores e administradores de grupos piratas, mas nada impede que a Associação selecione usuários para responderem judicialmente.
Outra questão é o que Dalton Morato chama de “uso parasitário pelas redes sociais”. “Os grupos presentes no Facebook, por exemplo, são gratuitos, mas o engajamento dele beneficia economicamente a rede social, que por sua vez não vê razão em banir tais grupos”, explica o advogado.
Histórico
A ABDR atua há mais de 20 anos no combate à pirataria de livros. No início, a pirataria era física e focada nos centros de cópias existentes dentro dos campi universitários, mas com a evolução da Internet e das ferramentas digitais, a pirataria de livros agora concentra-se em sites e redes sociais.
Nesse período, a ABDR conquistou vitórias históricas. “Uma delas envolveu um site criado por alunos da Universidade de São Paulo (USP) chamado livrosdehumanas.org que reproduzia – sem autorização – mais de 2 mil livros de editoras associadas da ABDR”, recorda Morato.
A ABDR ajuizou uma ação judicial que foi mencionada em matérias publicadas nos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, e também em diversos sites. “Houve uma grande discussão pública em razão dessa ação, e a ABDR ganhou esse processo em 1ª e em 2ª instâncias”, completa.
Outro caso que vale citar envolveu uma ação civil pública ajuizada por uma Associação de Professores da USP e da PUC/SP contra a campanha de combate à pirataria de livros conduzida pela ABDR voltada a centros de cópias localizados dentro dos campi universitários. “Esses coletivos defendiam uma interpretação reduzida e limitada da Lei de Direitos Autorais brasileira, e queria limitar as ações de combate à pirataria da ABDR. Também houve grande exposição na mídia acerca dessa ação judicial que foi vencida pela ABDR em 1ª e em 2ª instâncias de julgamento”, detalha.
Em 2022, outro caso chamou atenção. Foi a Operação Last Page, movida pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, que cumpriu diversos mandados de busca e apreensão e ordens judiciais para bloqueio de sites ilegais de downloads de livros, bem como para exclusão de perfis em redes sociais.
Discussão nacional e internacional
O assunto da pirataria e violação dos direitos autorais é um dos pilares da International Publishers Association (IPA). “Um problema sério, tanto do livro impresso como do livro digital. Você derruba um site por aqui, e logo ele está em outro país, com o mesmo conteúdo. As pessoas brincam que é como enxugar gelo, mas a gente tem que continuar pensando em alternativas para evitar isso e educar o consumidor em relação a valorização do livro”, comentou Karine Pansa, ex-presidente da Associação em 2023, durante o 3º EELDG.
“A pirataria prejudica a cadeia inteira e o nosso dever como editora é de proteger os direitos dos autores e de suas obras, nossos bens mais preciosos”, finaliza Kfuri.
“Luz no fim do túnel”
Atualmente, segundo Dalton Morato, as plataformas de redes sociais (como Facebook e Instagram) se eximem de responsabilidade pelas violações de direitos autorais cometidas pelos seus usuários com fundamento no Marco Civil da Internet que importou a regra do “notifica e retira” dos Estados Unidos. “Por essa regra, as plataformas somente respondem por violações de direitos autorais se notificadas e não excluírem os conteúdos ilegais em um prazo razoável (de 24 a 48h). Essa regra transfere o ônus de monitoramento das plataformas para os titulares de direitos autorais, o que não faz o menor sentido. Além de não ser ético ou moral”, pontua o advogado.
Contudo, há uma luz no fim do túnel para os titulares de direitos autorais: o julgamento de duas ações pelo STF iniciadas em dezembro de 2024 que discutem a constitucionalidade de determinados artigos do Marco Civil da Internet e a responsabilidade civil das plataformas online por conteúdos disponibilizados por terceiros.
“Até o presente momento, três Ministros votaram, merecendo destaque o voto do Ministro Dias Toffoli, que votou pela responsabilidade civil objetiva e independentemente de notificação do provedor de aplicações de internet em determinadas hipóteses, como quando se tratar de violações a direitos do autor e conexos. Por esse voto, o provedor será solidariamente responsável com o terceiro usuário pela efetiva publicação/postagem do conteúdo na forma da Lei de Direitos Autorais”, esclarece Dalton.
O julgamento será retomado pelo STF no mês de maio e, se prevalecer o voto do Ministro Dias Toffoli, a pirataria de livros em redes sociais pode estar com os dias contados.