Três perguntas do PN para: Hiro Kawahara, vencedor do International Manga Award
PublishNews, Beatriz Sardinha, 04/02/2025
‘A sereia da floresta’ (JBC) é a primeira HQ brasileira a receber o prêmio de ouro do concurso internacional

A HQ A Sereia da floresta (JBC), do autor brasileiro Hiro Kawahara, foi a obra vencedora do prêmio de ouro do 18º International Manga Award, concurso promovido pelo Ministério de Negócios Estrangeiros do Japão. O livro foi lançado em 2023. O artista participará da cerimônia oficial de entrega do certificado em Tóquio em março de 2025, incluindo ainda passeios pelo Japão, visitas a editoras de mangás e encontro com quadrinistas japoneses. A sereia da floresta foi lançado agora em nova edição especial com o selo Start!, da JBC, com capa inédita e conteúdos extras.

Em sua 18ª edição, o concurso recebeu 716 inscrições de 95 países e selecionou 15 obras, sendo uma com o prêmio de ouro, três de prata e onze de bronze. Na lista de premiados, o brasileiro Cassio Ribeiro também ganhou destaque com a HQ independente Última chamada para deixar a Terra, com o prêmio de bronze.

Essa é a primeira vez que uma obra brasileira recebe o prêmio máximo do concurso. Até então, o Brasil já tinha sido agraciado com o prêmio de prata com a obra Ye (Guilherme Petreca), e o prêmio de bronze com Romaria (Jun Sugiyama e Alexandre Carvalho), Amarelo seletivo (Ricardo Tayra e Talessak), Reward (Okagawa Kenji), Fujie and Mikito (Yuri Andrey e Marcelo Costa), Ritos de Passagem (Lucas Marques), Pequena loja de horrores (Rafaella Ryon) e Holy avenger (Érica Awano e Marcelo Cassaro).

Hiro Kawahara respondeu a três perguntas do PN.

Capa de 'A sereia da floresta' | © Divulgação
Capa de 'A sereia da floresta' | © Divulgação

– Na sua bio diz que você quase foi biólogo. Por que decidiu não exercer a profissão e de que forma esse seu interesse influencia na sua obra?

Enquanto estava cursando o último ano da Faculdade de Biociências da USP, fui chamado para trabalhar como ilustrador em uma grande editora em São Paulo, a Editora Três, em 1988. Não tinha um portfólio sequer, eu mostrei meus cadernos universitários cheios de rabiscos para o diretor de arte, e por algum motivo ele viu que poderia me encaixar na equipe. Foi um trabalho que ganhava muito bem para aprender a desenhar enquanto estava na redação, tornando a decisão de abandonar a faculdade muito fácil. Hoje em dia não existem aberturas e possibilidades como essa, infelizmente. É uma carreira que sigo até hoje, 37 anos depois.

– Como você avalia o mercado editorial nacional de mangás? De que forma observa a difusão de obras de autores nacionais?

Em 1990 Akira foi publicado pela editora Globo. A partir daí, os mangás se tornaram um fenômeno, não só no Brasil como no mundo, então estamos seguindo uma tendência muito duradoura. Só na França, 43% dos quadrinhos lidos na França são shounen (fonte: Le Figaro).

Acho que não há um numero exato conhecido no Brasil, mas é perceptível a popularidade, principalmente por conta dos filmes e seriados, que conseguem fazer o título sair da bolha de leitores de quadrinhos.

É uma comunidade muito fiel e resistente a trabalhos de autores ocidentais independentes. Compactuam, no máximo, com alguma leitura do universo de super-heróis, que está em decadência há tempos. É um nicho muito bem consolidado, é um patrimônio japonês. A parte complicada sempre fica para publicações nacionais independentes. O leitor de mangá tradicional não se interessa por quadrinhos independentes, então qualquer ação que promova autores nacionais não é só bem-vinda como necessária.

Ao contrário do Japão ou países da Europa, não temos uma cultura de leitura de gerações, e isso muda todo o panorama de mercado literário. O hábito da leitura de quadrinhos é algo reservado, em sua maior parte, apenas ao que faz sucesso em massa ou passa uma sensação de elitismo. Isso sem mencionar que há um preconceito de que quadrinhos são uma leitura infantil.

Então quem produz quadrinhos independentes entra em uma luta desigual. É preciso muita paixão, resiliência e impulsividade, além de muito planejamento. Mas esse perfil tem melhorado um pouco nos últimos 10 anos. Graças a plataformas de financiamento coletivo, como o Catarse, associados à existência da CCXP no Brasil, especificamente graças à Artists’ Valley, que concentra mais de 400 quadrinistas por edição, além de outros eventos de quadrinhos, como a FIQ, em Belo Horizonte, o mercado de quadrinhos independentes, apesar de nichado, tem conquistado um espaço, assim como as chances de se criar um negócio sustentável, sem contar ainda com os editais de cultura.

É muito louvável ações como a da Editora JBC, que é uma das maiores editoras de mangás no Brasil, por ter criado selos de publicações de autores nacionais independentes.

– Qual a sensação de ganhar um prêmio inédito para o Brasil? Quais os próximos passos?

Alegria, surpresa e responsabilidade. Eu não sabia que estava concorrendo ao prêmio, foi a Editora JBC quem inscreveu e não estava ciente. Eu tenho noção de que A sereia da floresta é um livro muito bom, mas jamais cogitaria que tivesse nível de concorrer a uma premiação internacional. Saber que o livro venceu 716 concorrentes de 95 países é algo que se tornou abstrato em minha cabeça.

Então sinto felicidade pela conquista do prêmio. Não consigo associar com a grandeza numérica da premiação, mas já consigo entender a importância da responsabilidade em relação a este prêmio. Sempre soube que o prêmio tem a fama de ser muito exigente e criterioso, só pelo corpo de jurados é possível ver o alto nível. Isso significa muito para mim.

Em março irei ao Japão para receber o prêmio, que envolve o Consulado Geral no Brasil e o Ministério das Relações Exteriores do Japão. Então tenho consciência de que é também um evento diplomático, que sou representante do Brasil em terras japonesas, que existem responsabilidades e uma liturgia envolvida. Então encaro também esta premiação como algo mais pragmático, quase estóico. Acredito que o fato de eu ser filho de imigrantes japoneses no Brasil, somado às comemorações dos 130 anos da Imigração Japonesa, devam ser um peso a mais nessa representação.

O prêmio abre uma percepção diferente do meu trabalho como autor. Como sempre participei de nichos de mercado, achei que iria demorar, talvez nunca acontecer, dos meus livros saírem do Brasil para o mundo. O trabalho e esforço para conseguir um editor estrangeiro, as tentativas de negociação, de ser notado la fora é muito grande, e quase sempre frustrante.

Mas continuarei fazer os quadrinhos exatamente como antes, isso me deu uma confirmação de que a minha maneira de produzir as historias e os livros está correta. O que vai mudar é o trabalho de pós-venda, o chamado follow up, e a negociação com as editoras. Tentar me tornar menos introvertido em questões de premiações.

Neste momento estou trabalhando com duas histórias em quadrinhos ao mesmo tempo, e tenho planos de produzir ao menos mais seis ou sete antes de uma aposentadoria total. Isso, juntamente com a produção e criação de livros infantis, os trabalhos normais como ilustrador e as minhas aulas.

Muitos planos, pouco tempo.

Tags: JBC, Mangá
[04/02/2025 10:00:00]