
O recurso pede a revisão da decisão, ou, se esse pedido não for atendido, requer a submissão da matéria ao Plenário do STF. Os autos foram remetidos à conclusão do ministro nesta terça-feira (28).
O livro foi lançado em 2017 e enfrenta processos jurídicos por parte do ex-deputado desde o seu lançamento. A principal alegação dos advogados de Cunha é que o uso do pseudônimo é “uma estratégia comercial ardil e inescrupulosa”.
De acordo com o recurso agora interposto pelo advogado de Lísias, Lucas Mourão, "a decisão [do ministro] parece presumir, equivocadamente, que os potenciais leitores seriam ignorantes em um nível tão intenso que nem sequer poderiam distinguir entre ficção e realidade, tampouco conhecer o signicado do termo pseudônimo – estampado em letras maiúsculas na capa do livro – ou do termo romance, inscrito na contracapa da obra".
A defesa cita outros motivos para a reversão da decisão, como a Reclamação Constitucional n. 26884/RJ (que já foi apreciada no próprio STF e atestou o caráter ficcional do livro), a "ausência de fundamentação da decisão agravada" e outros critérios técnicos – como o fato de um "reexame de matéria fática", ou seja, a reapreciação dos elementos probatórios do processo, ser vedado no âmbito de Recurso Extraordinário no STF.
A peça cita ainda a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.451, que ficou conhecida como “ADI do humor” e consagrou no mundo jurídico proteções especiais à sátira, em especial àquelas que dizem respeito a assuntos de interesse público.
"Haveremos de convir: o que pretende o ex-deputado é eliminar do debate público e da cultura nacional um livro de ficção que, por satirizá-lo, lhe causa algum incômodo. D.m.v., esse tipo de pretensão antidemocrática e com nítido espírito censor não pode receber guarida deste Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Cidadã", conclui o recurso.
"Nossa expectativa é que o próprio Relator reveja sua posição inicial para reconhecer que o uso de pseudônimo é lícito e legalmente protegido, sobretudo quando sua natureza é destacada já na capa da obra em questão, conforme já reconhecido pelo TJRJ e inclusive pelo próprio STF", diz o advogado Lucas Mourão ao PublishNews. "Caso o Ministro Relator não reconsidere seu entendimento, esperamos que o colegiado reforme a decisão monocrática. Na hipótese de o STF não reformar a decisão atualmente vigente, a defesa do escritor avaliará a possibilidade de levar o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, por entender que a decisão atual viola as robustas proteções à liberdade de expressão e de manifestação artística previstas no Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário", explicou.
A decisão
Em 16 de janeiro, o ministro Alexandre de Moraes reverteu a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e mandou recolher a obra, além de multar a Editora Record em R$ 30 mil. "Por enquanto estou atônito e perplexo: o ministro está censurando um trabalho artístico. Não acontecia no STF há muito tempo. Não vou aceitar", escreveu o autor em suas redes sociais na ocasião.
Na decisão, Alexandre de Moraes acata os argumentos da acusação do ex-deputado Eduardo Cunha, que alega que o livro se utilizava de “uma estratégia comercial ardil e inescrupulosa” e que a editora e o autor estavam se aproveitando da expectativa de um livro que o próprio Cunha estava escrevendo à época (este saiu mais tarde pela editora Matrix).
O livro
Em outubro de 2016, seis dias após se tornar réu na Operação Lava-Jato, o ex-presidente da Câmara dos Deputados foi preso em Brasília. Antes da cassação, ele anunciou que estava escrevendo um livro, no qual contaria os bastidores do processo de impeachment contra Dilma Rousseff. A prisão adiou o projeto do político, que pretendia lançar a obra no fim daquele ano. Seu encarceramento, no entanto, serviu de mote para o autor Ricardo Lísias escrever um romance satírico sobre o processo.
Autor de Divórcio, A vista particular (Alfaguara) e Inquérito policial: Família Tobias (Lote 42), o escritor, conhecido pela sua literatura performática, que pretende interferir na realidade, resolveu testar radicalmente os limites da ficção. Usando o pseudônimo Eduardo Cunha, Lísias descreve a rotina do personagem desde sua prisão no dia 19 de outubro até a virada do ano para 2017. Brincando com a metalinguagem, o escritor mostra no texto o que seria a produção do livro que "Cunha (pseudônimo)" estaria escrevendo. A narrativa é costurada com o dia a dia inventado do personagem na cadeia, ou seja, trata-se de uma ficção.
A repercussão
O Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) manifestou sua indignação e repúdio à decisão judicial publicada no dia 16. Segundo o SNEL, a decisão "configura um ataque inaceitável à liberdade de expressão, um dos pilares fundamentais da democracia e do desenvolvimento de uma sociedade plural e aberta"
O SNEL reafirmou que qualquer forma de censura a livros é inadmissível, e “presumir que o público não seja capaz de compreender o caráter de paródia da obra – explícito desde a capa, que deixa claro tratar-se de um pseudônimo – é subestimar a inteligência do leitor brasileiro”, de acordo com o presidente do Sindicato, Dante Cid.