
Na Mundo Cristão, uma das apoiadoras da Feira, os números impressionam. Em 2022, um livro do gênero foi lançado; em 2023, foram três, e a editora planeja fechar 2024 com 10 novos títulos, mesmo número já alinhado para 2025. O faturamento com a ficção cristã cresceu 10 vezes entre 22 e 23, e só neste ano a estimativa é vender 190 mil exemplares. Para o ano que vem – quando ocorre novamente a Bienal do Livro Rio, ponto de virada nessa história – a expectativa é de um crescimento, em volume de exemplares, ainda de 16%.
A Thomas Nelson também verifica um acréscimo interno na participação dos livros de ficção. Em 2024, o selo vai lançar oito títulos de ficção cristã. Em 2023, foram 11, e em 2022, 12 títulos.
A Plenitude Distribuidora também registra o crescente interesse dos leitores pela ficção cristã nos últimos anos. De acordo com a empresa, que atua no atacado e varejo de bíblias e livros cristãos, as vendas de ficção cristã tiveram aumento de 399% em 2023 (em comparação com o ano de 2022). De janeiro a julho de 2024, as vendas cresceram 89% em relação ao mesmo período do ano passado. Somente no primeiro semestre de 2024, foram vendidos pela Plenitude 5.223 itens no subgênero, superando o total de vendas de todo o ano passado, de 4.774 produtos.
A própria FEFICC vem com um desenvolvimento exponencial nos últimos anos: a primeira edição, no espaço de uma igreja em Belo Horizonte, recebeu 20 autores independentes e 700 pessoas, em 2022. Já na segunda edição, num espaço de eventos na Pampulha, recebeu duas editoras. Foram três dias de evento, 1,7 mil pessoas e mais de 40 autores. Para 2024, a expectativa é receber 7,5 mil pessoas, 22 editoras e uma programação de 56 autores independentes e 15 autores de editoras. Os ingressos são gratuitos.

O subsetor de livros religiosos foi o que apresentou maior crescimento nominal em faturamento – a frente de didáticos, obras gerais e CTP, na Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasilleiro –, num ano em que livros devocionais e outras obras religiosas “romperam a bolha" das livrarias especializadas e chegaram às lojas comuns, ostentando números nas listas de mais vendidos, vencendo Prêmio PublishNews e chamando atenção do mercado como um todo. De acordo com dados da Nielsen BookScan, a representatividade dos livros cristãos para o mercado do livro em geral no Brasil cresceu de 1,6% do volume total em 2019, para 3,3% em 2023.
Tudo isso coloca o setor em evidência nas discussões sobre modelos de negócios, ações de comunicação e marketing e outras ferramentas conhecidas e necessárias no mercado do livro.
Ficção cristã
Sobre a ficção cristã em si: tratam-se de obras ficcionais que carregam valores e princípios da fé, escritas por um autor ou autora cristão, mas não são obras teológicas ou focadas em evangelização. As crônicas de Nárnia (HarperCollins) são um exemplo talvez mais conhecido, bem como Amor de redenção (Verus), de Francine Rivers.
No Brasil, um dos grandes sucessos do gênero é o livro Corajosas: Os contos das princesas nada encantadas (Mundo Cristão), em que quatro autoras fazem releituras de contos de fadas sob a ótica cristã: Thaís Oliveira, Maria S. Araújo, Arlene Diniz e Queren Ane. Só em 2023, o livro vendeu 50 mil exemplares.
A escritora mineira Sara Gusella é autora de ficção cristã – entre outros títulos, do novo Desejos em guerra (autopublicado). Ela também tem um título lançado pela Thomas Nelson e é a idealizadora e organizadora da FEFICC.
“As obras do gênero não são teológicas, nem focadas em evangelização. Mas nomear como cristã é importante por dois motivos: a obra é trabalhada com valores que afetam as escolhas das pessoas e suas consequências, e é um modo da gente de deixar claro que não é um clickbait”, explica. “A produção cultural é algo que está sempre no âmbito da Igreja, é sempre estimulado. As obras vão estar de acordo com os princípios, carregando alguma moral, mas não é o objetivo ser uma pregação”, comenta.
Trajetória do gênero
O editor da Mundo Cristão, Renato Fleischner, explica que o subgênero começou a quebrar algumas barreiras dentro da própria igreja evangélica nos últimos anos. “Conforme o número total de pessoas cristã cresce, determinados conceitos vão sofrendo adaptações para o mundo contemporâneo”, teoriza.
De acordo com Sara Gusella, a percepção dos cristãos sobre a cultura tem mudado no sentido de ter o entendimento do contexto em que estão inseridos. “Nós convivemos num mundo plural, com religiões e pensamentos diferentes. Então a ideia é pensar e produzir não apenas para nós, mas em obras que possam conversar com outros, como se estivéssemos numa praça”, afirma.
“O cristão às vezes tem preconceitos com a cultura. Diz que ficção é mentira, não é de Deus. O nosso trabalho vem no sentido de dizer: ‘olha, vamos olhar para as parábolas contadas por Jesus na Bíblia', por exemplo, que eram pessoas e lugares que não existiam, mas comunicavam algo. Então é entender a presença da ficção dentro da própria Bíblia, e não apenas na história de Jesus. Isso tem aberto portas”, diz a autora.
Outro fator que Renato atribui como muito importante para a consolidação do gênero é o trabalho das autoras – principalmente – em criar e manter comunidades de leitores, por meio das redes sociais e outras plataformas na web, mas também presencialmente, num trabalho que começou a ganhar força em 2023 na Bienal do Livro Rio. “Elas têm uma noção de marketing editorial fora de série”, diz.
“No meio do ano passado, durante a Bienal do Rio, teve o Corajosas, acredito que do final do ano passado até agora começamos a ver o crescimento com força da ficção cristã dentro das editoras”, nota Sara Gusella. “As editoras finalmente começaram a olhar para a ficção cristã: porque pega o público cristão leitor, mas pega em especial uma nova geração de leitores, adolescentes e jovens. É o mesmo comportamento que existe na ficção comum, YA, etc. Público bem fiel, está bem junto da gente. As editoras começam a ver esse movimento, porque é um público significativo e consegue fazer barulho”.
A editora da Thomas Nelson Brasil, Brunna Prado, explica que a casa tem investido em talentos locais. “Esses autores não apenas construíram comunidades engajadas, mas também estabeleceram padrões de qualidade e autenticidade que ressoam profundamente com os leitores brasileiros. Além disso, a editora tem apostado na diversidade de públicos e meios, com histórias em quadrinhos, obras clássicas e contemporâneas dos mais diversos gêneros – de fantasia a comédia romântica”, comenta.
“Este movimento é especialmente relevante ao considerarmos que o crescimento da ficção cristã ocorre em paralelo a uma tendência global emergente: a popularidade da healing fiction, que busca não só entreter, mas também promover o bem-estar emocional e espiritual dos leitores”, continua. “Ambos os fenômenos refletem uma demanda crescente por narrativas que ofereçam esperança, cura emocional e uma perspectiva renovada sobre a vida. A ficção cristã, portanto, não apenas está prosperando, mas também moldando o panorama literário brasileiro ao oferecer inspiração e um refúgio de conforto em um mundo cada vez mais desafiador e complexo."

Para Renato Fleischner, a ficção tem um papel interessante no sentido de as pessoas poderem se aventurar. "Muitas vezes, quando se é um leitor apenas de não ficção, a pessoa só se dá com aquilo que é um dado, digamos, concreto. O nosso objetivo maior é que as pessoas leiam, né? A gente tem um país com baixo índice de leitura. Então, não importa se a pessoa começar a ler quadrinhos ou que for o que ela achar relevante para a vida dela. Porque eu acho que isso mudaria bastante o perfil da própria população. O movimento dessas autoras da ficção cristã é importante porque pode abrir um campo interessante de desenvolvimento pessoal. Claro, elas estão lidando com segmento específico cristão, mas não importa, né? Quer dizer, o cristão, não cristão, quanto mais leitor melhor. São mais oportunidades de mercado também”, conclui.
Serviço FEFICC 2024
Programação em destaque:
A autora Fernanda Witwytzky estará na quarta feira (17), às 17h, no Palco Parábolas, em um bate papo sobre seu mais novo lançamento, o livro infantil É para o meu bem (Thomas Nelson Brasil).
O autor Rodrigo Bibo, do best-seller O Deus que destrói sonhos (Thomas Nelson Brasil), estará também na quarta-feira, às 18h, dando uma palestra sobre a relação do cristão com a cultura.
No sábado (20), três autoras do sucesso de ficção cristã Corajosas estarão presentes no Palco Parábolas, às 14h.
Editoras participantes:
- Estande do Cristão
- Coerência
- UpBooks
- Ciranda Cultural
- Thomas Nelson
- Jesus Copy
- Mundo Cristão
- 4 Ventos
- Level
- Dominik
- Debs Editora
- Cosmovisão Cristã
- Lion
- Geração Blindada
- Café com Deus Pai
- Cultura Cristã
- Purpose Paper
- Akra Editorial
- RTM
- Livraria Emmerick
Data: 17 a 20 de julho de 2024
Quarta-feira: 12h às 21h
Quinta e sexta: 10h às 21h
Sábado: 9h às 17h
Local: Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rua da Consolação, 930, São Paulo / SP
Ingressos: Sympla