Três Perguntas do PN para Liana Ferraz, autora de 'Um prefácio para Olívia Guerra'
PublishNews, Guilherme Sobota, 18/01/2024
Romance lançado pela HarperCollins se estrutura a partir de uma prosa poética vigorosa, em favor da trama criativa e surpreendente

Liana Ferraz, autora de 'Um prefácio para Olívia Guerra' | © Isabela Caldas
Liana Ferraz, autora de 'Um prefácio para Olívia Guerra' | © Isabela Caldas
A certa altura de Um prefácio para Olívia Guerra (HarperCollins), o romance de Liana Ferraz lançado em 2023, uma jornalista vai à casa da personagem principal, Maristela, para entrevistá-la sobre a mãe, Olívia, uma escritora célebre cujo fim trágico afetou de maneira definitiva a vida da filha. Após uma troca mais ou menos menos ríspida, como uma situação dessa sugere, o romance entrega a manchete, resultado da entrevista:

"Perfil – Celebridades
Apesar do passado cativante, filha de Olívia
Guerra distribui arrogância e antipatia ao falar
da mãe. 'Ela contava histórias melhor do que
escrevia poesia', afirma."

Essa mistura de narrativa com a forma do verso é como o livro se estrutura, estratégia que vem ganhando destaque na literatura brasileira contemporânea. "Escrevo improvisando", diz Liana Ferraz nesta entrevista ao PublishNews. Doutora em artes cênicas pela Unicamp, a atriz e escritora já havia publicado três livros, sendo o mais recente Sede de me beber inteira (Planeta, 2022). Com uma presença marcante nas redes sociais, a escritora ainda falou de sua estratégia de divulgação.

PublishNews – A influência da poesia (seu trabalho literário anterior) é clara na estrutura do romance, certo? Na minha leitura, essa intersecção trabalha sempre a favor da estrutura, nunca fica no seu caminho, como parece ser o costume quando se fala de prosa poética. Mas o que eu queria perguntar é: como suas outras facetas profissionais – a pesquisa universitária, as artes cênicas e, em alguma medida, a performance – entraram na composição deste "Prefácio"?

Liana Ferraz – Eu acho interessante que só penso nessas divisões quando sou perguntada sobre elas. Basicamente não as percebo durante o processo criativo. Veja, não é algo necessariamente bom. Travo diante de textos que me exijam uma estrutura rigorosa. Só tenho um doutorado porque me foi permitido escrever poeticamente; só consigo escrever peças teatrais porque vivemos um tempo de liberdade no formato dramatúrgico; quando escrevo roteiro, fico revirando os olhos por ter que seguir normas na estrutura, enfim, acho que é mais um defeito do que uma qualidade. Eu tenho uma imensa preguiça da estrutura pré-definida, mesmo que seja por mim. Eu gosto de começos. De rituais e preparações para o começo. Depois, é voo livre. O Prefácio, por exemplo, eu escrevi depois de colar três post-it na parede do lado do computador. Neles eu tinha o nome das protagonistas e da Mari 1 com suas idades e principais características. Só. Escrevo improvisando. A avó, por exemplo, apareceu convocada pela palavra. Comecei a descrever uma casa e vi que só poderia ser a casa da avó e que ela estava ali, viva. Quem escreve é a atriz ou quem improvisa é a escritora? Também não sei. Mas tenho certeza de que todos os recursos, saberes e experiências que busco como artista estão conectadas ao desejo de dar conta (um pouco e por pouco tempo) do mistério explosivo que é a vida. A minha profissão (manifestada em diversas facetas) nasce disso. Eu não sou uma artista que precisa caçar ideias. Eu sempre tive muitas ideias e precisei virar artista. Gostei que você colocou a performance na pergunta. Porque eu não tenho aprofundamento conceitual no território da performance, mas gosto muito da ideia de ter a definição de um dispositivo a partir do qual você se coloca à disposição do acaso. Talvez seja mesmo o que mais se aproxima do que eu faço como escritora. Só consegui escrever um romance porque consegui uma premissa, um território de exploração, a definição de um tempo e de um espaço para que eu pudesse criar livremente.

– A personagem se comunica o tempo todo com seu editor, mas essa comunicação não é exatamente amigável. Como você decidiu conduzir o romance a partir desse diálogo, e qual foi a ideia ao tratar literariamente a relação entre uma escritora e um editor?

A Maristela não é agradável, né? Eu adoro a Maristela porque ela é muito diferente de mim. Adoro sair de mim. Não me aguento mais (rs). Ela precisava colocar a culpa em alguém para desviar da mãe. Ela precisa conseguir perdoar a mãe. O editor é o vilão, ou melhor, representa a vilã: a literatura e suas dinâmicas tão contraditórias. Eu não gosto muito de dar pistas sobre o que a personagem sente, porque pode parecer que eu tenho a resposta definitiva. Não tenho. Mudo de ideia o tempo todo sobre o livro de acordo com o que recebo dos leitores, mas, para mim, a Maristela tem um imenso ciúmes da literatura. O fato da Olívia ser poeta e viver na condição de artista, arrancou a mãe da filha. Não só depois da morte, mas em vida também. Era uma mãe mergulhada numa sensibilidade própria, numa subjetividade solitária. E eu penso muito sobre isso: o quanto a arte nos tira da vida e o quanto nos devolve. É muito difícil equilibrar a sensibilidade exigida para a criação e a armadura exigida pela hostilidade do mundo. Se você é mulher, isso aumenta muito. Se é mãe, aumenta ainda mais. Esse tema, confesso, é meu. Maristela não é escritora e por isso ela pode falar sobre isso. Ela não tem nada a perder.

– Você tem um trabalho consistente de divulgação do seu trabalho literário e editorial, que envolve, por exemplo, a criação de comunidades nas redes sociais. Quando você começou com esse trabalho e qual a importância que você atribui a ele na sua trajetória e, mais especificamente, no lançamento de "Um prefácio para Olívia Guerra"?

Eu comecei com esse trabalho em 2018 com foco muito definido e a partir do qual eu criei uma estratégia. Minha finalidade com as redes é ter público para meus livros, meus eventos, meu grupo de escrita. Minha finalidade não é ser “famosa de instagram”. Nunca foi. Eu uso como ferramenta profissional e sempre atualizo a rota. Desde que me propus a viver de escrita, estudei formas de entrar em contato com leitores e ser vista pelas editoras. Não sou ingênua e não acho que o fato de eu ser uma boa escritora basta para estar no mercado editorial. É preciso rede de contatos, apoio, um trabalho consistente e em evidência, e um tanto de sorte. Comecei a conseguir isso pelo instagram. Fiquei uns dois anos sem mostrar minha cara. Eram textos no feed, desenho na foto de perfil. Eu queria que as pessoas, ao ouvir por aí meu nome, pensassem “aquela que escreve”. Ao mesmo tempo, eu não quero escrever no insta, eu quero escrever livros e sempre tive tudo pronto para mostrar na primeira oportunidade. Quando a Planeta me procurou, eu tinha três livros prontos. Quando a Harper me procurou, eu tinha a premissa, 40 páginas e prometi entregar em 3 meses o livro pronto. Agora eu estou em outro momento, bem menos preocupada com manter esse ou aquele número no insta, pois ocupo um lugar que sempre sonhei: contratos com editoras grandes, agenciada por uma agente incrível e com mais de uma centena de pessoas no meu grupo de escrita matinal. O Prefácio marca isso pra mim. O lançamento do romance vem junto com a vontade de não ficar dependente das redes sociais e estabelecer contatos mais reais, mesmo que em menor volume. Mas vivo no tempo presente, né? Quem é que pode se dar ao luxo de não “dar pinta” (como diz minha amiga Andréa Del Fuego) nas redes? Eu não posso. Sou uma trabalhadora da arte e meu trabalho exige isso de mim. O lado bom é que eu tenho visto essa virtualidade ganhar corpo, voz e abraço. Tem muita gente incrível por aí e adoro quando as conheço. Então hoje tenho mais vontade de mostrar minha cara do que meus textos no instagram. Quero que as pessoas me leiam no livro e conversem comigo no insta. Posso mudar de ideia amanhã, tá? Não conte com algo muito fixo por aqui.

[18/01/2024 09:28:35]