Obras de Graciliano Ramos e Jorge de Lima entram em domínio público
PublishNews, Guilherme Sobota, 04/01/2024
Entre outros autores que têm suas obras livres de direitos autorais a partir de agora, estão Albertina Bertha e Marcelo Tupinambá

Novas edições de Graciliano Ramos: Penguin-Companhia, Record, Todavia
Novas edições de Graciliano Ramos: Penguin-Companhia, Record, Todavia
Todo ano, um grupo de autores e autoras têm suas obras liberadas de direitos patrimoniais e entram em domínio público. Desde 1º de janeiro de 2024 dois escritores de vulto no cenário cultural brasileiro se encaixam nessa situação: Graciliano Ramos e Jorge de Lima.

Embora o herdeiro do espólio de Graciliano, o também escritor Ricardo Ramos Filho, tenha lamentado publicamente o fato – em entrevista ao Estadão, ele disse: "Aceitar eu não aceito, mas é a lei e tem que cumprir. Uma lei absurda" –, algumas editoras já aproveitaram os primeiros dias do ano para anunciar novas edições.

A Todavia vai iniciar a publicação da Coleção Graciliano Ramos, com organização, notas e apresentação de Thiago Mio Salla (USP), um dos principais especialistas contemporâneos na obra do autor alagoano. O primeiro livro, a sair ainda em janeiro, é Angústia. A coleção contará também com os rodapés de jornal, nunca publicados em livro, que Antonio Candido escreveu sobre os romances. Pelo selo Baião, a editora vai publicar Os filhos da Coruja, livro que nasce a partir de um texto inédito Graciliano, um poema escrito à mão, de 1923, cuja história sobre um gavião, uma coruja e seus filhotes, segundo a editora, reflete uma observação atenta do escritor sobre a sociedade e cultura brasileiras. A edição tem ilustrações do paranaense Gustavo Magalhães.

A Companhia das Letras também anunciou que em breve vai abrir a pré-venda de três romances do autor (S. Bernardo, Angústia e Vidas Secas), com estabelecimento de texto de Ieda Lebensztayn. Os livros, publicados no selo Penguin-Companhia, terão textos de Graciliano sobre a própria obra, e posfácios de Ieda Lebensztayn, Luciana de Araújo Marques e Paulo Massey.

A Record, detentora dos direitos do autor nas últimas décadas, saiu na frente e publicou, ainda em 2023, um box especial com os mesmos três romances, com um texto inédito do professor e crítico Ivan Marques (USP), além de novo projeto gráfico e livros com pintura trilateral.

Em 2018, o Estadão noticiou que os herdeiros de Graciliano e a Record renovaram seu contrato até 2029. Na época, os herdeiros defendiam que os direitos da obra seriam da família pelo tempo que Luiza Ramos Amado, 87 anos, última filha viva do autor, vivesse depois de 2024. A queixa era baseada no Código Civil de 1916, a lei vigente quando Graciliano morreu em 1953. Luiza morreu em 2022, aos 90 anos.

Outros autores

Entre os outros autores que agora têm sua obra em domínio público, está Jorge de Lima, que também morreu em 1953, assim como Graciliano. Nome influente da geração de 1930, associado tanto ao Modernismo quanto ao movimento cultural católico da época, ele vinha tendo seus livros publicados pelo selo Alfaguara, da Companhia das Letras. O mais recente foi uma edição de Calunga (1935), em 2023.

A Delirium Editora publica agora em janeiro dois romances de Jorge de Lima: Guerra dentro do beco e Calunga. Guerra dentro do beco teve a primeira edição pela editora A Noite, em 1950, enquanto Calunga, pela Livraria do Globo, em 1935. A digitalização do texto original foi feita a partir das primeiras edições desses livros, adquiridas pela Delirium em novembro do ano passado. O texto foi atualizado para o acordo ortográfico de língua portuguesa vigente.

"É um orgulho publicar um dos nossos maiores escritores. A editora procurará em seguida publicar os outros três romances do autor, mais conhecido por seus poemas. Jorge de Lima merece figurar na mídia como o seu conterrâneo mais famoso, merece ter seus livros novamente em destaque", afirma o editor Flavio P. Oliveira, da Delirium.

Outro nome associado ao Modernismo que agora entra em domínio público é o de Marcelo Tupinambá, pseudônimo de Fernando Álvares Lobo, compositor, poeta e crítico musical, amigo e colaborador de Heitor Villa-Lobos, Mário de Andrade e Guilherme de Almeida.

Um pouco menos conhecido é o nome de Albertina Bertha (1880-1953), escritora nascida no Rio e também reconhecida no Rio Grande do Sul. Feminista e defensora do voto universal, tem entre seus livros o romance Exaltação (1916), de teor erótico.

No Brasil, os direitos autorais são regidos pela Lei nº 9.610/1998. O Art. 41 prevê que os "direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento". A lei também prevê direitos morais do autor (ou de seu espólio), como o de assegurar a integridade e autoria da obra – esses, não vencem.

Em 2018, quando da assinatura do contrato entre os herdeiros de Graciliano e a Record, o colunista do PublishNews Gustavo Martins de Almeida escreveu um detalhado artigo sobre o assunto, relembrando um caso sobre o direito patrimonial no país a partir da obra de Eça de Queiroz. "O fato é que o direito autoral patrimonial é por sua natureza temporário. Geralmente o criador das obras usufrui dos proveitos patrimoniais da mesma durante sua vida, e seus herdeiros por 70 anos após a morte do criador", escreveu na ocasião. "O direito autoral moral, como se fosse um espelho do patrimonial, esse perdura para sempre, obrigando a todos a respeitar a integridade da obra e a sua autoria, identificando corretamente o criador".

[04/01/2024 10:20:00]