Feira de Frankfurt 2023: Literatura brasileira enfrenta 'ressaca' na Alemanha 10 anos depois de homenagem
PublishNews, Beatriz Sardinha, 20/10/2023
Uma década após ser o país convidado da Feira de Frankfurt, país acumulou crises e transformações, e efeitos da participação tiveram pouca continuidade

Michael Kegler, Carla Bessa e Alexandre Vidal © Divulgação
Michael Kegler, Carla Bessa e Alexandre Vidal © Divulgação
O ano de 2023 marca o aniversário de 10 anos que o Brasil foi o país homenageado na Feira do Livro de Frankfurt. No sábado (21), o painel "Brazil 2013-2023: trends, literacy discussions, political and economical challenges”, promovido pelo Itamaraty, vai refletir sobre o legado da participação. Fazem parte do painel o autor Alexandre Vidal Porto, o editor, tradutor e crítico literário alemão Michael Kegler e Carla Bessa, tradutora e vencedora do Jabuti em 2020. Em entrevista ao PublishNews, Michael Kegler e Carla Bessa observam que mesmo com perdas em relação a 2013, é possível ver pontos positivos da participação brasileira na feira.

O painel tem como objetivo traçar um paralelo com 2013, ano em que o Brasil estava no "auge de sua participação geopolítica", como descrito pelos organizadores da Feira. Os convidados devem analisar quais as continuidades, novas tendências e discussões literárias da produção editorial do Brasil, país que "passou por várias crises políticas e econômicas graves logo após 2013".

Michael Kegler diz ter observado a Alemanha descobrir uma nova geração da literatura brasileira: "Eram mais de 80 novos livros, e muitos deles de autoras e autores que nunca tinham sido traduzidos para o alemão. A Alemanha pôde 'descobrir' mais do que uma geração inteira da nova e também não tão nova literatura da época. Mídia e elogios não faltavam. Recuperou-se muito do que não tinha sido feito em termos de divulgação de literatura brasileira nos anos anteriores”.

Mas Michael e Carla alertam para um efeito de "ressaca" após a Feira, e ressaltam a necessidade de uma continuidade no esforço de difusão no mercado alemão e europeu: "O Brasil caiu numa ressaca depois do evento, as instituições responsáveis meio que encerraram as suas atividades, e depois vieram as crises políticas, e o país deixou de ser interessante a nível mundial, pelo menos literariamente. Desde 2014 o número de títulos brasileiros traduzidos para o alemão nunca passa de 4 ou 5 por ano, muitas vezes nem isso”, complementa o tradutor.

Carla Bessa comenta que a participação do Brasil criou novas possibilidades em decorrência dos contatos feitos com nomes do mercado editorial internacional. "Creio que isso se deva ao fato de eu, além de escritora, também trabalhar como tradutora de literatura alemã, de modo que ganho uma visão ampla de ambos os mercados. Tenho a oportunidade de encontrar vários agentes do mercado editorial, assim como criadores, e isso sempre amplia o próprio raio de ação”. Desde 2013, Carla assinou mais de oito contratos de tradução e publicou quatro livros, sendo dois deles para uma editora alemã.

Antes da Feira, Carla afirma que o público alemão tinha uma visão bastante cliché da literatura brasileira. “Sempre esperavam um Paulo Coelho ou um Jorge Amado”, comenta. E que, após o grande ápice vivido em 2013 e o posterior esfriamento da literatura brasileira no mercado, há uma relativa maior consciência geral da contemporaneidade e da diversidade das produções: "Estão mais abertos para o fato de que gostamos de experimentar e lidamos de uma maneira muito menos rígida com as fronteiras dos gêneros”, complementa. Kegler comenta que em 2013, a grande "novidade" era uma tal nova literatura urbana, um modo de ver que não tinha nada daquilo que o "clichê" ainda dizia da literatura brasileira, algo então "estagnado" em uma visão regionalista.

Sobre a presença e a diversidade de autores brasileiros, Carla e Michael têm visões divergentes. Kegler confessa uma decepção geral, dado que as poucas publicações e incentivos desestimulam a vinda de autores brasileiros à Alemanha e que "pequenas conquistas", comuns antes de 2013 e da projeção do Brasil com a Feira, voltaram a ser comemoradas.

"O único escritor que quase teimosamente viajou pela Alemanha ano após ano, desde 2013, foi o Luiz Ruffato, porque conseguimos, por insistência da editora alemã dele, publicar quase um livro por ano – ou (e isso foi mesmo uma conquista) alguém convidou-o como palestrante, e aproveitamos para falar também de livros. A Patrícia Melo, que já acontecia antes de 2013 e tem uma presença própria, também tem quase cada livro novo traduzido para o alemão e viaja. De resto há um ou outro acontecimento, por exemplo o Bernardo Carvalho esteve aqui uma vez a convite dos portugueses. A Ana Martins Marques apareceu num festival de poesia – e desta presença surgiu um livro em alemão. Ano passado a Tatiana Salem Levy teve Vista Chinesa traduzido por Marianne Gareis e parece que finalmente também A Chave da Casa, de 2007, será publicado aqui. Estas pequenas conquistas voltaram a contar – como antes de 2013”, explica o tradutor e crítico literário.

A autora e tradutora afirma observar uma crescente presença de autores de uma literatura contemporânea e “não-hegemônica”, ainda que inicial. Ela cita nomes como Conceição Evaristo, Itamar Vieira Júnior, Geovani Martins, Ana Paula Maia, assim como autoras e autores mais "experimentais" da linha de um Luiz Ruffato ou da poeta Angélica Freitas.

O painel será realizado no Frankfurt International Stage Public Events (Foyer Hall 5.1 / 6.1), às 15h (horário local).

[20/10/2023 09:30:00]