Projeto que regulamenta inteligência artificial no Brasil tem brecha sobre direitos autorais, aponta ABDR
PublishNews, Guilherme Sobota, 06/09/2023
Advogado Dalton Morato, da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos, alertou no Rio International Publishers Summit que o mercado editorial precisa prestar atenção na atual discussão

Advogado da ABDR, Dalton Morato participou do Rio International Publishers Summit | © SNEL
Advogado da ABDR, Dalton Morato participou do Rio International Publishers Summit | © SNEL
O mercado editorial precisa se atentar à discussão do Projeto de Lei 2.338/2023, o marco regulatório da inteligência artificial no Brasil, em pauta na comissão especial sobre o assunto no Senado. O alerta foi feito pelo advogado e diretor da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), Dalton Morato, no último dia do Rio International Publishers Summit, promovido no contexto da Bienal do Livro Rio.

O advogado comentou no encontro sobre a carta enviada, ainda em maio, a senadores envolvidos na discussão. A carta, assinada pelas principais entidades do livro (SNEL, CBL, IPA, ABDR e Abrelivros), manifesta preocupação com o artigo 42 do projeto de Lei.

De acordo com o texto, o PL – apresentado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e elaborado pela Comissão de Juristas da casa – pretende estabelecer “normas gerais de caráter nacional para o desenvolvimento, implementação e uso responsável de sistemas de inteligência artificial (IA) no Brasil, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais e garantir a implementação de sistemas seguros e confiáveis, em benefício da pessoa humana, do regime democrático e do desenvolvimento científico e tecnológico”.

O Art. 42, porém, prevê uma brecha sobre a questão dos direitos autorais. O artigo prevê que a utilização automatizada de obras por "organizações e instituições de pesquisa, de jornalismo e por museus, arquivos e bibliotecas" não constitui ofensa a direitos autorais. Por utilização, o projeto fala em "processos de extração, reprodução, armazenamento e transformação, mineração de dados e textos, por sistemas de inteligência artificial".

A carta recomenda que se “suspenda a adoção dessa exceção no contexto atual e inicie um processo rigoroso de avaliação das necessidades e impactos especificamente no domínio do direito autoral, em consulta com as indústrias criativas”.

“Este Summit é um palco para levarmos ao conhecimento do mercado editorial que o Congresso está discutindo neste momento, num prazo de 120 dias, justamente o futuro da IA no Brasil”, disse Dalton Morato nesta quarta-feira. “Será o primeiro país a legislar os usos de IA. Não entendemos a pressa. E isso sem ouvir os representantes das indústrias criativas. A obra gerada por IA (não é criada) pode vir a competir com um livro criado por um autor. Essa competição é leal, legítima? Não. No Brasil, estão querendo prestigiar as indústrias tecnológicas em prejuízo da indústria criativa”, lamentou.

Possíveis violações da Convenção de Berna

Segundo o ofício enviado aos senadores, o Art. 42 do Projeto de Lei constitui uma violação a compromissos internacionais assinados pelo Brasil na área dos direitos autorais, especialmente a Convenção de Berna.

A carta explica que a regra dos três passos da Convenção de Berna estabelece que exceções à proteção do direito de reprodução, um direito exclusivo que requer autorização para qualquer utilização, apenas são possíveis mediante três requisitos, que devem ser verificados sucessivamente e passo a passo: (1) que as exceções se apliquem apenas em certos casos especiais, (2) que não afetem a exploração normal da obra, e (3) que não cause um prejuízo injustificado aos interesses legítimos dos titulares de direitos.

Segundo o documento, o Art. 42 fere os três passos. “A exceção proposta não se restringe a certos casos especiais. Pelo contrário. Em vez disso, permite usos generalizados e em larga escala”, diz o texto.

Além de expor o Brasil em relação a obrigações internacionais, a proposta estaria em direção oposta à Recomendação da UNESCO sobre Ética da Inteligência Artificial, adotada pela 41ª Conferência Geral da UNESCO em Novembro de 2021.

“Agora é o momento da sociedade prestar atenção no perigo que pode trazer essa disciplina legal”, disse Dalton Morato. “O que isso representa para a indústria criativa. Legisladores, senadores, por favor, pensem nos criadores, pensem no autor, na cultura”.

A Comissão

De acordo com a Agência Senado, a Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA) foi instalada no dia 16 de agosto de 2023 e tem 120 dias para para analisar o anteprojeto apresentado pela Comissão de Juristas sobre Inteligência Artificial em dezembro de 2022. Os senadores Carlos Viana (Podemos-MG) e Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) foram eleitos, respectivamente, presidente e vice-presidente da comissão.

Logo após sua eleição por aclamação, Viana apontou que o objetivo do colegiado é consolidar um conjunto de regras que permita o desenvolvimento de máquinas, aplicações e sistemas inteligentes para melhorar a vida da população, “mas com a atenção a possíveis violações dos direitos dos cidadãos”. Ele apontou que a CTIA quer ouvir todos os setores envolvidos antes da entrega do relatório.

Clique aqui para ler a íntegra da carta das entidades do livro.

Clique aqui para ver a minuta do projeto de Lei.

[06/09/2023 19:01:00]