Livraria Cultura: Leitores lamentam as portas fechadas e editoras retiram seus estoques
PublishNews, Guilherme Sobota e Talita Facchini, 28/06/2023
Por decisão da Justiça, unidade do Conjunto Nacional foi lacrada; profissionais do setor se dividem entre lamentar o encerramento do espaço e criticar a gestão da rede

Quem passou pelo Conjunto Nacional, em São Paulo, na tarde de terça-feira (27) encontrou as portas da Livraria Cultura fechadas após o Tribunal de Justiça do Estado indeferir um recurso e confirmar a falência da empresa. Já a loja no Bourbon Shopping Country, em Porto Alegre, segue aberta nesta quarta (28), segundo informações da administradora do shopping. O site da Cultura também segue no ar.

Na terça, os funcionários da cafeteria A Casa de Antônia avisavam aos inúmeros leitores que a entrada na loja não seria possível, mas que o restaurante continua aberto. “Se a gente ganhasse um real para cada pessoa que veio aqui hoje, já estava comprando minha passagem para Paris”, brincou uma funcionária do café ao conversar com o PN.

“Uma surpresa muito triste ver esse espaço tão lindo fechado”, disse a leitora Claudia Corrêa ao ser barrada na porta da loja. “Eu costumo vir sempre aqui para encontrar livros e curtir um espaço acolhedor, é triste demais não poder ter mais isso”.

Editoras como a Citadel, que contavam com hubs independentes dentro da unidade, começaram a encaixotar os livros ainda na manhã de terça. “Os livros todos estavam consignados para a Catavento, então só acabou o espaço”, explicou André Fonseca, Publisher da editora, ao PN. “O estoque era da Catavento, os funcionários eram contratados pela distribuidora, então basicamente tiramos nossas coisas de lá. Já não tínhamos mais nada consignado com a Cultura”, disse.

Além do espaço da Citadel, a Catavento operava outros quatro hubs e até o final do dia irá recolher 50 mil exemplares da loja. "Estávamos ajudando as editoras na operação de alguns HUBs na Livraria Cultura, uma iniciativa interessante que estava dando bons resultados", explica o diretor da distribuidora, Roberto Novaes. "Agora é aguardar para ver como esse processo se desenrola. Esperamos de qualquer forma que a vocação para cultura e para os livros seja mantida no espaço pelo bem dos leitores, de profissionais do livro e de toda a sociedade".

Nas redes sociais, o ator e curador artístico André Acioli comunicou as interrupções das atividades do Teatro Eva Herz. “A gente tinha um desejo, um sonho de que talvez o Eva Herz pudesse continuar com sua programação, e a princípio a resposta foi negativa, mas a gente vai continuar tentando”, contou.

Também pelas redes, o humorista Paul Cabannes – que tinha um show marcado para a noite de terça no Teatro – compartilhou sua experiência na noite de ontem. Ele acabou se apresentando na frente da Livraria para um público que se reuniu para vê-lo, até que o segurança pediu para ele se retirar.

Repercussão

Via assessoria de imprensa, a Associação Nacional de Livrarias comentou a situação. "A Saraiva soltou um comunicado ao mercado de ações explicando o fechamento de 13 lojas. A ANL sente muito o fechamento de livrarias, ainda que o caso não surpreenda o mercado. Vínhamos acompanhando a situação ao longo de quase cinco anos. Todavia, nos últimos anos, o setor está reagindo positivamente e vemos, cada vez mais, o surgimento de novas livrarias no país. Acreditamos que a maior parte dessas lojas fechadas serão substituídas por novas livrarias já nos próximos meses".

Entre algumas editoras e empresas do setor consultadas pelo PublishNews, o clima era de lamento.

"É um momento perturbador para o setor, um golpe enorme na democratização do conhecimento e uma tristeza profunda para mim, cuja parte do tempo foi gasta nas muitas horas ao lado dos livros da Cultura", comentou o publisher do Grupo Editorial Alta Books, J.A. Ruggeri. "Vender livro hoje no Brasil é uma tarefa dificílima e um tanto quanto angustiante. Além dos baixos índices de leitura seguidos de uma massificação voraz que condena o pensamento mais crítico, temos um setor pouco profissional, muito conservador, paternalista e, em boa medida, desunido. A Livraria Cultura do Conjunto Nacional, com seu feitiço, sempre conseguiu congelar esses e tantos outros problemas do mercado editorial, mesmo que por instantes", completou.

Para ele, de qualquer forma, as livrarias continuam mais vivas do que nunca. "Com novos modelos, identidades e propósitos, (elas) seguem crescendo consistentemente. Torço para que o espaço do Conjunto Nacional seja a inspiração para o início de outra grande história movida a conhecimento".

O diretor geral da Distribuidora e Livraria Loyola e sócio da Drummond Livraria (também localizada no Conjunto Nacional), Vitor Tavares, lamentou o fechamento do espaço. "Ao encerrar as atividades da Livraria Cultura do Conjunto Nacional em São Paulo não se fecha as portas de um comércio comum. Em se tratando de uma mega e tradicional livraria contemporânea da nossa geração, é chocante. Nós, profissionais do setor, devemos pensar: quais fatores levaram a essa situação? Penso que se trata de um longo período de crises econômicas, desemprego, poder aquisitivo em queda, baixo índice de leitura e falta do prazer da leitura da população como um todo", comentou.

Tavares considera ser necessário lutar por políticas públicas que protejam as livrarias físicas. "Caso contrário, em breve não teremos mais esse importante equipamento de difusão do livro, da cultura e de entretenimento", disse.

O gerente comercial da Global Editora, André Luis Silvestre Cafu, comentou que a perda do espaço no Conjunto Nacional é imensurável. "A Livraria Cultura era uma referência em atendimento e variedade de livros. Era o espaço do livro e dos consumidores de livro e cultura para muitos brasileiros. Espero que a sociedade reflita sobre essa perda e reconheça a importância de ter livrarias como essa. Uma sociedade precisa de livrarias; não devemos aceitar a ausência de espaços como este, pois perdemos não apenas o livro, mas também o mercado, o consumidor e a própria sociedade", afirmou. "É uma perda que deve nos fazer refletir sobre o papel fundamental das livrarias como pilares da cultura e disseminação do conhecimento. Precisamos valorizar e apoiar esses espaços para garantir um ambiente propício ao desenvolvimento intelectual e social".

Nas redes sociais, porém, é possível notar um alto grau de insatisfação com os rumos que a rede tomou. Pelas redes sociais, o editor Paulo Verano, das Edições Barbatana, disse que o setor perde e ganha na situação.

"Vivemos tempos extremos que não nos permitem lamentar a lacração, ao que parece definitiva, da @livraria_cultura e, ao mesmo tempo, sinalizar que o sétimo prego era óbvio e chegou tarde. A Livraria Cultura, da qual a nossa @edicoesbarbatana nunca fez nem nunca faria parte, deixou um absurdo passivo para as editoras, suas teoricamente parceiras. Em tudo foi perversa: cocriou nos anos 1990 a consignação como cultura única, privilegiou os demais cocriadores nos pagamentos e deixou os demais na mão. É, como outras empresas (Abril), o triunfo da primeira geração que cria, a segunda que estabelece e a terceira que põe tudo a perder. Somando-se, em ambos os casos, a má administração com a catastrófica e veloz mudança de seus mercados. Deve-se, porém, lamentar isso tudo. Não lamento o fim específico, mas o fim do projeto. O que fica em seu lugar, melhor eticamente, mas muito diluído geograficamente, não dá conta do volume financeiro e simbólico que a livraria tradicional movimentava. O mercado do livro ganha livrando-se dessa má prática. Mas simbolicamente também perde", escreveu.

No perfil do PublishNews do Instagram, leitores também apontaram problemas na situação. "Fico muito triste pelos colaboradores. Os mais cultos e engajados com os livros que já vi. Porém, não eram tratados com o devido respeito pelos herdeiros da fundadora. A conta sempre chega, ao final", escreveu o perfil @leiturasinsones. "Eu só queria receber o que me devem. Por mim eles podem fechar e liberar aquele espaço para que alguém honesto possa recriar um espaço de cultura verdadeiro", escreveu outra leitora.

O PublishNews tenta contato com o departamento de comunicação da Livraria Cultura, mas ainda não obteve resposta.

[28/06/2023 09:00:00]