
Processo consciente e esteticamente avançado de elaboração de um luto pessoal, o livro usa a imagem do holograma como espécie de representação fantasmal, cuja relação com a tecnologia é explicitada em um verso (“o holograma é uma das tecnologias da memória”).
"Eu penso a escrita dentro de uma sala de edição muito bem equipada, onde consigo cortar, inserir, desfazer a sequência de imagens", diz Mariana, por e-mail. "Fico mais concentrada quando penso na escrita dentro dessa ilha de edição, dentro desse campo tecnológico, pois consigo articular as imagens com mais clareza. Espero não estar soando um pouco mística. Mas sendo mais objetiva, esse livro foi inteiramente pensado e escrito no computador, diferente dos anteriores, o que tem suas consequências, pois agora não consigo ver o rascunho dos poemas, como consigo ao olhar os cadernos".
Com formação em artes cênicas, Mariana traz para o livro referências de outras artes e meios, da música, do cinema, e também dos jogos. Um poema em específico, "the sims", usa o popular videogame de simulação para refletir sobre a finitude e o livre-arbítrio, empregando as qualidades narrativas dos poemas da autora.
"A minha formação teatral influencia muito. Escrever é um pouco parecido com o trabalho do ator, mas nesse caso não busco encontrar a voz de uma personagem, mas sim a voz do poema. E quando edito um poema, reescrevo, mexo aqui e ali, penso na função de uma diretora de palco", compartilha Mariana. "Acho que também é por conta do teatro que eu busco escrever poemas mais narrativos. Todos vamos ao teatro por um único motivo: história. Não acredite se disserem o contrário, no fundo, todo mundo quer ouvir uma história. É o que eu busco trazer no poema, embora ele não precise disso, certamente".
Os poemas então variam entre reflexões incisivas, como no curtíssimo "genética" ("a morte é o silêncio e a contemplação / em uma ultrassonografia"), e narrações permeadas pela memória, como em "eco":
"meu pai me chama na cozinha
deve estar querendo alguma coisa
que só eu sei onde está
o açúcar
o filtro de café
a droga da tampa do liquidificador
grito já vou
e lembro que o enterro dele
foi ontem"
Mariana – que nasceu em 1996 na cidade de Pacaembu, e em 2019 lançou O afogamento de Virginia Woolf pela Patuá – conta ainda que estudou outras autores que elaboraram literariamente o luto, como Joan Didion, Rosa Montero, Ginevra Lamberti, Rossana Campo e outras.
O livro está sendo lançado no Círculo de Poemas, coleção de poesia e clube de assinaturas das editoras Fósforo e Luna Parque. A coleção edita traduções, livros inéditos de autores brasileiros, obras reunidas e resgates de livros esquecidos. Os livros são lançados primeiro no clube de assinaturas e depois nas livrarias.
O lançamento deste sábado (15) reúne também os poetas Lucas Litrento, autor de PRETOVÍRGULA, e Marcella Faria, da plaquete Brincadeira de correr, ambos da mesma coleção.

Mariana Godoy
Círculo de Poemas (Fósforo, Luna Parque). 80 pp, R$ 54,90 (digital: R$ 34,90)