
Aos poucos se consolidando como o maior evento de criatividade e inovação do país, nos moldes do americano SXSW, o Rio2C inseriu esse ano direcionamentos mais específicos para profissionais do mercado editorial – parte importante das indústrias criativas no país. Os primeiros pitchings editoriais foram realizados nesta quarta-feira (12). O evento vai até o próximo domingo, 16, na Cidade das Artes, no Rio.
Alguns aspectos em comum se destacaram entre os projetos, selecionados por uma comissão curatorial: a diversidade dos personagens (de orientação sexual, de gênero e racial, especificamente) e a constante presença de elementos fantásticos ou sobrenaturais (o chamado "insólito").
À tarde, quatro autores e autoras apresentaram projetos de ficção, já contratados ou lançados, por editoras ou de forma independente. Um destaque foi a apresentação do jornalista e escritor Fabio M. Barreto, que apresentou seu romance Filhos do fim do mundo, publicado originalmente em 2013 pela Casa da Palavra. Segundo o autor, o livro vendeu 7 mil cópias, mas agora os direitos pertencem a ele. O romance é um thriller apocalíptico, quando uma tragédia mundial faz morrer, sem explicações, todas as crianças com menos de um ano e os animais de estimação.
“O espaço dos pitchings é interessante, porque o caminho entre literatura e audiovisual não é claro no Brasil”, diz Fabio ao PublishNews. “O processo de validação é interessante, os formulários e pedidos eram bem completos".

Os outros projetos apresentados à tarde foram A cidade de luz negra, obra inédita a ser publicada, de Osman Matos; Mistério em Tejucupapo, apresentada pela agente literária Alessandra Pires; e Hotel Fantástico – Vol. 2022, obra de 21 autores editada por Marina Quadrelli.
Mais cedo, a produtora Débora Lucas, assessora de desenvolvimento da Camisa Listrada (empresa responsável pela adaptação de Fala sério, mãe!, de 2017, e pelo sucesso recente Depois do universo, na Netflix), assistiu ao pitching de autores com obras voltadas ao público jovem adulto.
“A gente está sempre atento a conteúdos e propriedades intelectuais com potencial para adaptação audiovisual”, explica. “Quando se parte de um conteúdo editorial, geralmente a ideia é ter algo que já foi desenvolvido de certa forma, mais do que uma ideia. Tanto autor e editor podem ter também uma análise de mercado. A gente busca um conteúdo sobre o qual de certa forma já houve alguma análise, por exemplo. Depois há outros processos, para decidir qual será a mídia e por aí vai”, explica.
Ela afirma que existe uma demanda de mercado pelo conteúdo jovem adulto e com identidade brasileira, bem como produções de gênero, como suspense e thriller.
Um dos projetos apresentados foi Ignotos, trabalho do escritor e professor universitário Gabriel Billy com o ilustrador Thiago Lima, em que personagens da pouco conhecida literatura fantástica brasileira estão reunidos em uma HQ – também de fantasia e ficção científica.

As outras obras apresentadas pela manhã foram Camille & Camila, de Bella Prudêncio, Arcade Summer, de Rossano Segabinazzi e Dilacerda, e O mapa, de Andrea Maria Mello.
Entre as principais dúvidas levantadas pelos produtores durante as apresentações, muitas buscavam esclarecer quais eram os conflitos nas tramas propostas pelos autores, questões de direitos autorais e de público alvo, bem como sobre características mais específicas dos personagens.
Painel abordou adaptações literárias
Parte dessas questões foi respondida em outro espaço – ainda mais disputado – do Rio2C, a chamada Screening Room, com diversos painéis dedicados ao audiovisual. No fim da tarde, uma discussão sobre adaptações de obras literárias sugeriu tópicos interessantes para pensar a temática. A mesa reuniu Maria Camargo (criadora das séries Rota 66 e Dois irmãos, duas adaptações literárias, e roteirista do filme Babenco, premiado em Veneza); Stefano Volp (escritor e roteirista, recentemente contratado pela Boutique Filmes para adaptar seu próprio livro); e Mara Lobão (fundadora e produtora na Panorâmica), com mediação de Clarisse Goulart, diretora executiva de desenvolvimento de projetos na Conspiração.
Os participantes afirmaram que do ponto de vista do setor audiovisual, é vantajoso trabalhar obras a partir de propriedades intelectuais – obras literárias – pré-existentes. “Vejo vantagens no processo de adaptação para a produtora, o autor e o player”, disse Mara Lobão. “Há maior consistência de histórias e personagens, menos sujeitos a mudanças constantes e externas. Buscamos sempre trazer autores do livro para dentro do projeto audiovisual, em diferentes formatos, do início ao fim. Claro, todo mundo sabe quem decide, mas esse processo de trazer o autor faz muita diferença. O escritor já ficou anos trabalhando no livro, já passou por testes de público, tem retornos específicos. O autor ou autora é quem sabe dessas coisas”.
Volp concordou. “Sou testemunha de como as pessoas realmente chegam (para falar sobre o livro com o autor). Existe uma coisa engraçada, porque ao consumir autores internacionais, o feedback é no Goodreads. Autor nacional, as pessoas mandam mensagem. Todo dia no Instagram tem mensagem de alguém que leu e apontando alguma coisa. Todo dia ouço experiências e isso acaba virando termômetro, do que funcionou ou não funcionou”, afirmou.
O autor – que recentemente começou a dividir suas atenções entre os mercados editorial e audiovisual – foi também questionado sobre diversidade em ambos.

Ele citou nominalmente a editora Todavia. “É uma editora que os scouts têm que ficar de olho, porque é ficção contemporânea escrita por gente como a gente, talentos nacionais… Tudo isso pode ser muito promissor para o mercado do audiovisual. As produtoras precisam se atentar para não procurar mais do mesmo. Não precisamos de mais histórias iguais, precisamos olhar para quem está tendo oportunidade agora. Dei a sorte de estar num momento interessante no mercado literário do Brasil”, concluiu.
A produtora Mara Lobão deu uma dica semelhante, para autores e produtoras: “pensem em coisas diferentes. A literatura é muito boa para isso, ousem à vontade, não pensem no orçamento. Escrevam qualquer coisa sobre tudo, tem espaço hoje no mercado”.
Gilberto Gil
Uma das estrelas do dia foi Gilberto Gil – que na semana passada completou um ano como membro da Academia Brasileira de Letras. Presente no evento para falar de sua parceria com Andrucha Waddington e a produtora Conspiração. Em um encontro com a imprensa no camarim, Gil falou sobre um assunto que interessa também ao mercado editorial: a inteligência artificial. Veja:
*O jornalista viajou a convite do Rio2C