Vitor Tavares: 'Política tem que estar na ordem do dia da CBL constantemente'
PublishNews, Guilherme Sobota, 27/02/2023
Presidente da Câmara do Brasileira do Livro chega ao fim de seu mandato iniciado em 2019, destacando movimentações na organização e apontando para contas em dia

Vitor Tavares, presidente da CBL entre 2019 e 2023 | © CBL
Vitor Tavares, presidente da CBL entre 2019 e 2023 | © CBL
A Câmara Brasileira do Livro realiza nesta terça-feira (28) a eleição para a escolha da nova presidência para o mandato de 2023-2025: o resultado já pode ser antecipado com alguma segurança por conta da eleição ocorrer com chapa única. A diretora geral da VR Editora, Sevani de Matos Oliveira, deve ser a nova presidente. A eleição será realizada de forma presencial (na sede da CBL em São Paulo, na Rua Cristiano Viana, 91) e pode ser acompanhada de forma online, pela plataforma divulgada para os associados, entre 10h e 17h. Para as 10h, está marcada uma Assembleia de prestação de contas, também exclusiva para os associados.

Enquanto isso, uma gestão vai chegando ao fim. Vitor Tavares – que deve continuar na CBL como diretor de Distribuidores e Importadores de Livros – assumiu a instituição em 2019, em um momento de diversas crises, a começar pelo impacto no mercado das recuperações judiciais de Cultura e Saraiva. Em seguida, a pandemia impôs o cancelamento e o adiamento de eventos de toda sorte, incluindo a Bienal Internacional do Livro de São Paulo, maior evento do livro do país e um carro-chefe dos trabalhos da CBL. Entre outros destaques do período, a CBL passou a ser a agência do ISBN no Brasil, modernizou e digitalizou processos, reformulou o Prêmio Jabuti e também conviveu com outras dificuldades.

Em entrevista ao PublishNews que serviu como um balanço de sua gestão, Tavares falou sobre a missão de cortar custos e aumentar receitas frente às situações adversas, da importância da Bienal para a organização, do Prêmio Jabuti e das perspectivas de diálogo com o novo governo.

PublishNews – No evento de fim de ano, em dezembro, você mencionou o período complicado (especialmente por conta da pandemia) da sua gestão, e que houve uma missão de "corte de custos e aumento de receitas". Que exemplos você citaria de ações nesse sentido?

Vitor Tavares – Quando peguei a CBL, nós estávamos em um momento com as redes de livraria em dificuldade, com passivo de pelo menos R$ 700 milhões, isso impactou muito as editoras, principalmente médias e pequenas. A CBL perdia receita em termos de associados, era muita gente se desfiliando porque não sabia o que ia acontecer com o próprio negócio. Era uma preocupação da CBL a grande concentração que existia também, porque dessa forma um problema em um player impacta muito o comercial do nosso setor editorial. Mas eu já era diretor, e pegava uma coisa para tentar melhorar. Em 2019, já percebíamos uma recuperação, e em 2020 estávamos preparados para uma grande retomada. A CBL tinha uma conta mensal deficitária, que era coberta por uma boa Bienal do Livro. Se a Bienal fosse bem, a gente cobria os déficits. Não pode ser assim. Precisamos encontrar caminhos para aumentar a receita. Fizemos uma reestruturação interna, revimos muitos contratos, ficamos sem assessoria de imprensa por um período… aumentamos serviços (passamos a ser a agência nacional do ISBN), melhoramos outras receitas, ficha catalográfica, carta de exclusividade, registro de obra em Blockchain. Mais do que uma associação, a CBL também é uma grande empresa de serviços. Qualquer editora ou autor independente que queira publicar no Brasil, tem que passar pela CBL.

– Você também falou da necessidade da CBL ser menos dependente da Bienal (mesmo antes da pandemia). Mesmo assim, a última Bienal foi um grande sucesso de público. Qual é o papel que você enxerga para a Bienal no futuro da CBL?

O papel da Bienal, para a CBL, é o de ser um grande evento cultural, importante não apenas para a cidade, mas para a literatura brasileira e para o setor editorial. Tem que jogar as forças para fazer cada vez mais uma excelente Bienal do Livro, atrair mais gente. Acredito ainda que ela precise ser cada vez mais internacional, trazer um convidado aguça muitas curiosidades. Bienal Internacional tem que ser um grande evento não só para o público interno, mas para o de outros países. Existe uma demanda muito grande quando viajamos com o BP, com estandes nas Feiras, o interesse do acadêmico, principalmente, é muito grande. A melhor forma de fazer isso é pelo livro e pela literatura. Se a CBL estiver com as finanças em ordem, sinto ser necessário subsidiar, trazer mais jornalistas, livreiros, editores e compradores estrangeiros, até bibliotecários.

– O Prêmio Jabuti passou por uma reformulação importante na sua gestão, chegando a dobrar o número de inscritos. Na sua visão, quais foram as mudanças que possibilitaram este sucesso?

Fizemos reestruturações para tentar contemplar mais pessoas do setor editorial. Não é apenas um prêmio literário, mas buscamos premiar diversos profissionais do setor. Desde o diagramador, capista, ilustrador, tradutor… Ao mesmo tempo em que temos a preocupação de que ele se adapte às mudanças da sociedade, também temos que fazê-lo contemplar a tradição do prêmio. Contemplar diferentes categorias literárias é super importante. Uma coisa era que amigos editores falavam que o valor da inscrição era muito alto. Tivemos uma modalidade de desconto, não fizemos reajuste. Também começamos a premiar autores excelentes, em diferentes categorias, de forma um pouco mais pulverizada e inclusiva. Torto Arado, por exemplo, não foi o livro do ano, mas foi vencedor na categoria, se tornou um grande sucesso de público. Tem uma chancela que funciona comercialmente, a imprensa publica matérias, as livrarias expõem. A ideia era fazer parte também do processo da CBL mais digitalizada, a inscrição é totalmente on-line.

– Do ponto de vista contábil e de gestão, o que o próximo presidente ou presidenta da CBL vai encontrar?

Totalmente equacionada, mais de três anos superavitários. Diego Drummond, economista, ajuda muito nisso, estamos preparando um novo orçamento. Financeiramente, está confortável. Se a próxima gestão não fizer nenhuma coisa fora da curva, a tendência é estar cada vez mais com as finanças em dia. Podemos até criar novas ações para ajudar o setor. Por exemplo, desconto para os associados, podemos fazer eventos e patrocinar outros. Retomar o encontro nacional de editores, livreiros e gráficos.

– Do ponto de vista político, o setor sofreu uma derrota no final de 2022 com o arquivamento da Lei Cortez. A CBL pretende tomar alguma atitude agora no início do ano sobre a questão?

A preocupação do livro e da cultura em termos de política governamental tem que estar na ordem do dia da CBL constantemente. Independente do governo. Qualquer homem público que falar mal de livros no Brasil vai perder muito. Cultura e livro são importantes. Transformar o país e o mundo passa pela escrita e pela literatura. A gente tem que lutar para que isso esteja na ordem do dia constantemente. Foi muito chato não ter no governo passado o Minc, um canal de interlocução. Vai a Brasília, vai falar com quem? No governo atual, estamos esperançosos que as coisas evoluam. Vínhamos lutando pela Lei Cortez, com o senador Jean Paul Prates, ele encaminhou muito bem, mas não houve quórum nas sessões finais, o arquivamento foi muito triste. O projeto não está morto, temos que fazer um trabalho com a CBL, com as outras entidades. A maioria dos senadores abre as portas, conhecem a Bienal, conhecem a CBL.

– Qual é a perspectiva de diálogo com o governo federal que fica para a próxima gestão? A notícia da criação de uma Secretaria de Formação, Livro e Leitura parece ter uma boa recepção de forma unânime no setor, certo?

É importantíssimo. Com uma pessoa que é conhecedora, conheço o Fabiano (Piúba) há 25 anos, é um trabalhador dedicadíssimo à causa do livro. Temos uma possibilidade de diálogo em diversas questões, como as compras de livros pelo governo, criação e formação de bibliotecas e agentes de leitura, e outros assuntos.

– Os editores brasileiros vêm reclamando muito do preço do papel, da matéria-prima do livro. Qual a atuação da CBL em relação ao assunto?

Isso passa por todos os associados. Nos últimos anos, tivemos aumentos totalmente fora da realidade da inflação. Às vezes três ou quatro vezes maior, e isso tem que repassar para o consumidor para a editora conseguir se manter. O preço do livro também cresceu acima da inflação, por isso. Papel é commodity, reflete muito os preços de produção, combustível. No ano passado, tivemos uma reunião junto a empresas e entidades do setor, o aumento foi escalonado. A gente tem procurado fazer com que a indústria olhe com carinho e entenda que o livro não é um produto qualquer.

[27/02/2023 10:30:00]