Incertezas sobre Lojas Americanas preocupam mercado editorial
PublishNews, Guilherme Sobota e Beatriz Sgrignelli, 19/1/2023
Impacto sobre o setor livreiro ainda reside no campo da especulação, mas deve ser bem menor do que nas crises na Saraiva e na Cultura

Crise deve afetar operação física, site e marketplace | © Divulgação/Americanas
Crise deve afetar operação física, site e marketplace | © Divulgação/Americanas
Uma das gigantes do varejo no Brasil – as Lojas Americanas – viu suas ações despencarem em uma semana caótica. A crise veio a público com o anúncio da renúncia do presidente da companhia, Sergio Rial, que justificou sua saída após encontrar um rombo de (supostamente) R$ 20 bilhões nas contas da empresa. Isso aconteceu no dia 11 de janeiro. Oito dias depois, toda a cadeia produtiva ligada ao negócio – dos acionistas e investidores aos pequenos fornecedores – ainda espera por notícias mais definitivas, sinalizações, dados e números. Inclusive no mercado editorial.

Fontes ouvidas pelo PublishNews nos últimos dias avaliam que o impacto nos negócios será consideravelmente menor do que o que ocorreu com as crises de Saraiva e Cultura, mas existe, sim, preocupação – a crise envolve pelo menos as lojas físicas, o marketplace e o site Americanas.com, e o Submarino, tradicional canal de venda de livros no país, que vinha retomando a compra das editoras desde 2020. O Submarino pertence a Americanas.

O impacto pode ser menor porque o modelo de venda de livros das Lojas Americanas (a parcela física do negócio) é fortemente baseado no catálogo das editoras. A estimativa é que as Lojas trabalhem com um catálogo de 500 a mil títulos, considerado reduzido comparado ao universo total, e nem todas as editoras do país trabalham com as Americanas.

“Quando tivemos os problemas na Saraiva e na Cultura, eram problemas sistêmicos. O core dessas empresas era vender livros, elas eram os maiores clientes de qualquer editora. A Americanas terá pesos muito diferentes para as editoras de acordo com o catálogo e as estratégias comerciais”, avalia o vice-presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), Marcos da Veiga Pereira. “Em termos do varejo on-line, ele se reorganiza mais facilmente”.

O dano ao marketplace pode, porém, gerar um efeito cascata de consequências ainda imprevisíveis. Segundo o Relatório Setores E-commerce no Brasil, da consultoria Conversion, o marketplace da Americanas é o 5º maior no país, atrás de Mercado Livre, Amazon, Shoppee e Magalu (calculado a partir das audiências dos sites).

“O mercado do livro trabalha com segurança jurídica, com a previsão de receber as vendas, porque as margens são muito pequenas”, explica o presidente da Abigraf-SP, João Scortecci. “Segurança é tudo. Então não se pode isolar a Americanas dos outros marketplaces, como Magalu, Submarino, Estante virtual, e outros. Não sabemos para onde vai”, avalia. Para ele, o fato de arranhar muito a credibilidade da empresa cai com peso dobrado no mercado editorial por conta do histórico recente “muito ruim” com Saraiva e Cultura.

Como os fatos são muito recentes e a própria Americanas ainda não fez anúncios decisivos sobre os próximos passos – o mais provável é que após perder algumas batalhas judiciais ela entre mesmo em recuperação judicial –, também não há certezas em relação a como proceder por parte dos fornecedores; no caso do mercado editorial, as editoras.

“Nesse período curto, editoras pararam de fornecer”, explica Pereira. “As lojas estão vendendo o estoque normalmente, pelo que sabemos. Estou preocupado e abismado, mas acho que seja algo mais restrito do que foi a crise da Saraiva e da Cultura. Seria uma pena perder mais um canal de vendas, e um canal popular especialmente. Pensando na pequeníssima quantidade de livrarias no Brasil, um varejista com mais de 1,7 mil lojas tem um potencial grande para a nossa indústria”, lamenta.

O diretor comercial e de marketing da Rocco, Bruno Zolotar, avalia que o momento pede cautela nas negociações e no abastecimento até que a situação fique mais clara para todos. “É preciso dizer também que a Americanas, na última semana, tem se esforçado para manter o diálogo e a operação”, explica.

Para ele, no segmento do varejo eletrônico, a Amazon é a concorrente mais bem posicionada para se beneficiar desse momento. “Mas vejo aí, especialmente, uma oportunidade para o Magalu, que busca uma consolidação nesse mercado, e também para a expansão de sites de livrarias físicas que cresceram bastante em 2022, como o da Leitura, que é uma rede física que está presente em muitas cidades e que pode se beneficiar da retirada da compra on-line em loja. Para as livrarias pequenas que operam via market place ou seus próprios sites, a principal oportunidade está na venda de catálogo, na cauda longa”.

Ele explica que ainda é cedo para ter certeza de qual será o cenário em três ou seis meses. “Mas me parece claro, e isso já há algum tempo, que muitas editoras têm investido em vendas diretas, seja através da modalidade marketplace ou do seu site próprio, como uma alternativa à redução do número de clientes”, comenta. “Com as redes sociais e a formação de grande audiência em torno dos perfis das editoras, hoje é perfeitamente possível gerar tráfego a partir das redes sociais para vender também nas lojas online das próprias editoras. No entanto, há duas questões aí a se ponderar. A primeira é que gerar tráfego para uma loja online custa caro. Além das redes sociais, é preciso investir consistentemente em várias outras ferramentas de marketing digital, especialmente as de busca. A segunda é saber como, nesse modelo, trazer valor para o leitor, sem prejudicar as livrarias e sites que já vendem os nossos produtos. Estamos num momento do mercado em que o grande desafio é trazer mais público para a categoria através dos múltiplos canais de vendas para, assim, chegar onde os leitores estão”.

Algumas questões importantes para o mercado editorial se impõem no momento em relação à situação das Lojas Americanas, mas ainda não há respostas para a maioria delas. Se houver mudanças nos pagamentos aos fornecedores, é preciso se perguntar onde estaria o livro na fila do pão. As editoras vão conseguir se mobilizar para fazer pressão e exigir os pagamentos? Caso exista mesmo corte de pagamentos: qual a expectativa e qual o possível impacto no caixa das editoras (afinal, os pagamentos a receber nas próximas semanas são referentes a vendas de Black Friday e Natal)? Para quem ainda está disposto a continuar vendendo os livros: o fluxo de compra vai seguir normalmente?

Americanas x mercado editorial: Pesquisas

Nas pesquisas do mercado editorial, não há dados públicos específicos de cada varejista, mas as Americanas entram nas medições. Na Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, as lojas físicas entram na categoria Supermercados (1,8% do faturamento do setor com livros, obras gerais, vendidos ao mercado) e a loja virtual entra na categoria Livrarias exclusivamente virtuais (47% do faturamento citado). Isso em relação a 2021.

O que está acontecendo na Americanas?

  • A Americanas e suas empresas associadas já perderam grande confiança dos investidores e atraíram desconfiança de bancos. As ações caíram mais de 80%.
  • Muitos especialistas ouvidos pela imprensa nos últimos dias apontam sérios indícios de fraude. A empresa anunciou a criação de um comitê independente para investigar o caso.
  • O rombo ocorreu em uma situação comum no mercado, chamada de “risco sacado”. A empresa empresta dinheiro dos bancos para pagar os fornecedores. O banco antecipa o valor ao fornecedor, e a empresa paga depois com juros pelo empréstimo. O problema ocorreu porque essas movimentações foram registradas como despesas com fornecedores, e não como dívidas financeiras.
  • O BTG Pactual conseguiu, na tarde de quarta-feira (18), decisão na Justiça do Rio de Janeiro para reter cerca de R$ 1,2 bilhão em recursos da Americanas. Foi a primeira decisão judicial contra as Americanas no caso.
  • No marketing, quebraram o contrato master que tinham com o Big Brother Brasil 2023, deixando o patrocínio do maior reality do país para seu concorrente, Mercado Livre.
  • Há uma tentativa de negociação amigável com credores, mas o caminho mais provável neste momento é a recuperação judicial.
  • Outra possibilidade é uma injeção de capital por parte dos acionistas majoritários, o grupo chamado de 3G, dos bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira.
  • Ainda não há impacto anunciado ou efetivo nem para os trabalhadores, nem para os consumidores.
  • Se as previsões se confirmarem, o rombo pode ser de até 40 milhões e abarcar mais de cinco anos das contas da companhia.
[19/01/2023 12:01:09]