Três perguntas do PN para Eliete Eça Negreiros
PublishNews, Thales de Menezes, 27/09/2022
A cantora e filósofa reúne em um volume suas colunas de análise musical escritas para as revistas Piauí e Caros Amigos, e já tem mais um livro pronto para ser publicado

Eliete Negreiros despontou como cantora ao grande público quando teve um papel fundamental na criação do movimento que ficou conhecido como Vanguarda Paulista, nos anos 1980, ao lado de nomes como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e Ná Ozzetti. Seu álbum de estreia, Outros sons, de 1982, foi produzido por Arrigo e sua versão em vinil é disputada a tapas nas lojas de discos usados. Ela gravou na carreira seis álbuns, entre eles os elogiadíssimos Eliete Negreiros (1989) e Canção brasileira, a nossa bela alma (1992).

Ela se formou em Filosofia pela USP e lançou dois livros sobre produção musical, ambos publicados pela Ateliê: Ensaiando a canção: Paulinho da Viola e outros escritos (2011), que é adequação de sua dissertação de mestrado, e Paulinho da Viola e o elogio do amor (2016), fruto de sua tese de doutorado.

Entre 2012 e 2014, Eliete foi colunista das revistas Piauí e Caros Amigos. Agora, assinando a obra como Eliete Eça Negreiros, ela reúne textos originais dessas colunas em Amor à música: de Cartola, Paulinho da Viola, Cortázar, Nara Leão, Rogério Sganzerla..., que sai pelas Edições Sesc.

Respondendo ao PublishNews, ela fala que tem mais um livro pronto, escrito durante a pandemia, e analisa a produção de literatura sobre música no Brasil.

PublishNews - Você faz ligações entre artistas e canções em seus textos, o tempo todo, e também contextualiza um pouco o que acontecia na história do Brasil na época das produções musicais que estão sendo focadas naquele determinado texto. Não é um trabalho simples. Você criou um método de pesquisa, era muita coisa que você já tinha compilado antes? E, depois desse período de colaboração com as revistas, você continuou a escrever?

Eliete Eça Negreiros - Eu havia acabado minha tese de doutorado sobre o Paulinho da Viola, sob orientação da filósofa Olgária Matos. Então estava com uma boa disciplina, leitura, escrita. Isso ajudou muito. E também sempre gostei de escrever. Tenho a música popular como companheira desde a infância, incentivada por meu pai. Os textos para a revista Piauí eram semanais. Para a Caros Amigos, mensais. E foi um trabalho que nasceu da memória. Eu lembrava de algum artista, uma canção, um tema, e ia escrevendo. Sem uma ordem prévia. Lembrei muito do Proust, das madaleines. Em 2020, fui selecionada pelo projeto Rumos Itaú para escrever um ensaio, Caminho da existência: Carlos Cachaça, Cartola e Nelson Cavaquinho. Foi justo no período da pandemia. Trabalhei por dois anos e agora o ensaio está pronto. Sairei em breve em busca de uma editora

PN - Em sua carreira como cantora, você sempre trabalhou com um repertório sofisticado, mesmo quando escolhia canções aparentemente simples. Na verdade, só aparentemente. Os textos do livro refletem essa sofisticação na escolha dos artistas e dos temas. Você acha que esse tipo de música que você já produziu e estudou ainda teria alguma chance de sucesso popular diante da produção contemporânea de hoje? E onde fica Paulinho da Viola nesse cenário?

EEM - Eu acho que sim, apesar de ter havido muita mudança na estética da música popular brasileira. Eu sou filha do João Gilberto, do Chico, do Caetano, do Gil, do Paulinho da Viola, do Cartola. Gosto da delicadeza, de melodias belas, harmonias elaboradas, canto suave. Da música que busca um sentido pra vida. Acho que há espaço sim. Pra mim, Cartola, Nelson Cavaquinho e os que já citei são eternos. Atemporais. Acho que a música agora está muito colada à fala, ao ritmo, e à expressão da dura realidade de grande parte da população do país. Sem Tom e João não saberia viver. E acho que a obra de Paulinho da Viola é eterna. De uma beleza ímpar e traz valores humanos tão necessários nestes tempos obscuros que vivemos. Em sua obra, nos conectamos com a parte luminosa da humanidade. Ouvindo Paulinho nosso olhar torna-se mais aberto, sensível e amoroso para as coisas que estão no mundo. Amor, amizade, beleza, generosidade. E com ele toda a riqueza do samba, da nossa brasilidade.

PN - Fazendo uma comparação com países como EUA e Reino Unido, o mercado de livros sobre música de lá é muito mais volumoso do que o brasileiro, de uma maneira quase incomparável. O Brasil tem pouca coisa, e aqui são produzidas mais biografias do que livros de análise. Você vê hoje teóricos interessantes comentando a MPB?

EEM - Os americanos têm uma tradição de livros sobre música. Os ingleses não conheço. Mas, no Brasil, agora, tem muita coisa boa sendo escrita. O que eu acho problemático, tanto para os livros sobre música como para a música, é a pressa que invadiu a alma das pessoas. Sem calma você não consegue ler, nem ouvir, nem escrever, nem pensar. Sinto falta da época em que ouvíamos o disco todo e não uma música pipocando no meio de infinitas outras. Fica-se mais na superfície. Agora conheci dois críticos que têm um trabalho muito bom, Hugo Sukman e Lucas Nobile. O Hugo, entre outras, escreveu um livro sobre o primeiro disco da Nara que é um primor (Nara Leão: Nara – 1964, Editora Cobogó). E o Lucas fez uma biografia de Dona Ivone Lara (A primeira-dama do samba, Sonora Editora) e outra de Raphael Rabello (O violão em erupção, Editora 34). Duas joias. Ambos têm um conhecimento profundo da nossa música. O Hermano Vianna também, com o livro O mistério do samba (Zahar).

[27/09/2022 11:00:00]