Almanaque faz a ligação entre a Independência e o Brasil de hoje
PublishNews, Thales de Menezes, 07/09/2022
Em publicação da Ática, o historiador Jurandir Malerba explica os efeitos de 1822 no presente com o informativo e divertido 'Almanaque do Brasil nos Tempos da Independência'

'Coroação de Dom Pedro I do Brasil', de Jean Baptiste Debret, presente no 'Almanaque'
'Coroação de Dom Pedro I do Brasil', de Jean Baptiste Debret, presente no 'Almanaque'
No dia em que se comemora o bicentenário da Independência, a mídia está invadida por inúmeros produtos que têm a intenção de resgatar a história por trás da efeméride. Mas é difícil encontrar algum tão criativo quanto o Almanaque do Brasil nos tempos da Independência (312 pp, R$ 71,20), do historiador Jurandir Malerba, lançado pela Editora Ática. O autor foi buscar no formato dos antigos almanaques uma maneira de levar a um público maior seu trabalho de mais de 30 anos, que já rendeu cerca de 70 livros e publicações.

Malerba é doutor em História pela USP e professor titular livre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi pesquisador na Universidade de Oxford (Inglaterra) e professor convidado nas universidades Georgetown (EUA) e Livre de Berlim (Alemanha), na qual inaugurou a Cátedra Sérgio Buarque de Holanda de Estudos Brasileiros. Entre seus livros, um grande destaque para A corte no exílio (Companhia das Letras, 2000).

Desta vez, o autor não quis escrever mais um texto de pesquisa, com trânsito dentro do ambiente acadêmico. “É um momento histórico. Pensei no que poderia fazer como pesquisador e cidadão. Resolvi então pegar essa bagagem acumulada e falar para o grande público, sair da fronteira da academia”, diz Malerba. Em 2020, ele lançou o livro Brasil em projetos, pela Editora Fundação Getúlio Vargas. “Este é para atingir um público letrado ,adulto. Um livro que o Laurentino Gomes leria numa boa. Fala dos projetos que existiam para o Brasil no começo do século 19, dos problemas que os pesquisadores da época diagnosticaram e as soluções que eles propunham. Depois, no Brasil independente, José Bonifácio pegou muitas dessas ideias.”

O almanaque funciona então como um contraponto ao livro publicado pela FGV. “É voltado para o grande público não especializado, colecionadores de almanaque e, sobretudo, o público escolar, o público jovem de Ensino Médio. Estudei muito almanaque, tese sobre almanaque, estudei os clássicos”, conta o historiador. “Em 2020, estava em contato com a Ática dando parecer para um outro projeto e, conversando com a editora, veio a ideia de publicar o almanaque.”

Malerba é atraído pelo formato e por sua plasticidade. “É uma escrita não linear. Você pode compor temas, montar um mosaico de coisas. Veja o Almanaque Abril ou aqueles farmacêuticos, como o Almanaque Biotônico Fontoura. Eles tinham de tudo, de astrologia até palavras-cruzadas e jogo de sete erros. É um formato que me permitiu numa versão impressa colocar um pouco da lógica narrativa do hyperlink, adicionando textos sobre temas correlatos. Eu organizei o volume em datas e escolhi como núcleo principal o período entre 1808 e 1822. São duas datas específicas, um trecho consagrado da historiografia, entre a chegada da corte ao Brasil e a Independência, mas tudo foi ampliado com temas subjacentes e recorrentes.”

O autor acredita que Brasil em Projetos e Almanaque do Brasil nos tempos da Independência falam mais do nosso tempo do que do passado. “Fui adicionando temas, passando por dois séculos, pela ditadura militar e chegando até hoje, tudo isso junto e misturado. Pude incluir temas como a saúde das pessoas no Rio de Janeiro, falo dos indígenas, e vou puxando o novelo chegando até hoje. Entre temas que eu quis colocar está a questão primeira dos povos originários. Falo daquele decreto famigerado de Dom João, da “guerra justa e infinita aos índios antropófagos do rio Doce”, uma agressão que nunca parou. Falo da escravidão como um fator determinante para a explicação da Independência, porque as elites a patrocinaram para manter seu poder econômico e seu prestígio social. Os fundamentos no colonialismo continuaram, então eles abraçaram o projeto da monarquia. Falo também dos escravizados, do período pós-abolição, da contribuição das culturas africanas, chegando até o rap. Falo de indígenas, negros, meio ambiente e da questão das mulheres. O formato de almanaque me permitiu brincar com isso e linkar essas coisas todas.”

Para Malerba, respondendo sobre a importância do trabalho de historiadores e pesquisadores no momento atual, “história é entender o passado para entender o presente. Hoje, muitos grupos ideológicos estão fazendo um uso muito pernicioso do passado. Eles tentam reescrever o passado para exaltar os valores conservadores do século 19. Estamos numa encruzilhada civilizatória, com pessoas que negam a ciência, negam a história, gente que fala que o Brasil não é racista, essas atrocidades todas. Quis mostrar com o almanaque que o passado não é uma coisa morta, uma coisa que ficou lá atrás. Pelo contrário, o passado nos atinge, ele exige de nós um posicionamento hoje.”

[07/09/2022 11:00:00]