Na Europa, leis do preço fixo protegeram livrarias independentes e evitaram a subida de preços, confirma especialista
PublishNews, Leonardo Neto, 17/08/2021
Dados apresentados por Markus Gerlach mostram que Reino Unido perdeu boa parte de suas livrarias independentes, enquanto França e Alemanha, onde há regulamentação do comércio, elas foram protegidas.

The Abbey Bookshop | © Instagram theabbeybookshop
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Começou nesta segunda-feira (16), o Seminário Libre de Proteção ao Livro, que quer debater a regulamentação do comércio de livros no Brasil. A primeira mesa reuniu os professores Markus Gerlach (KOS Research, França) e Marisa Midori (ECA-USP) e o livreiro Alexandre Martins Fontes. A mediação ficou por conta do editor Haroldo Ceravolo Sereza.

Gerlach, que em 2001 lançou aqui no Brasil Proteger o livro: Desafios culturais econômicos e políticos do preço fixo (Libre), apontou o impacto político e econômico da legislação do preço fixo na França, comparando com o resto da Europa Ocidental, em especial com Reino Unido e Alemanha.

O momento é oportuno já que no último dia 11, a França comemorou os 40 anos da Lei Lang, que faz a regulamentação de preços de livros no País. Lá, o comercio varejista deve respeitar o período de dois anos de lançamento do livro, oferecendo descontos máximos de 5% na venda ao consumidor final.

O especialista apontou que, na França e Alemanha, onde existem leis de proteção ao preço do livro, os livreiros independentes resistem. Já no Reino Unido, que abandonou a sua lei em 1995, eles praticamente desapareceram. “No Reino Unido existe uma concentração mais forte em torno de cadeias de livrarias, o que gerou uma diminuição significativa no número de livrarias independentes. Provocou também uma modificação importante na tectônica da edição”, disse.

De acordo com dados apresentados por ele, entre 1995 e 2002 houve uma diminuição de 12% no número de livreiros independentes no Reino Unido. Na Alemanha, esse índice foi de 3%. E esse fenômeno se acentuou nos últimos anos, com o crescimento do comércio digital. Ainda de acordo com dados apresentados pelo professor, hoje, entre 45% e 50% das vendas de livros são feitas pela internet na Inglaterra. Na Alemanha, o índice é de 20%. Atualizando os dados do número de livreiros no país, ele conclui que, na Alemanha, 30% dos estabelecimentos que vendem livros no país são livreiros independentes. No Reino Unido, só 5%.

Ele apontou informações também sobre a evolução do preço entre 1996 e 2018. No Reino Unido, depois de abandonarem a sua lei do preço fixo, o preço médio do livro subiu 80%. Na Alemanha, o aumento de preço foi de 29% e na França, 24%.

Outro dado preocupante apresentado por Gerlach é que uma pesquisa no continente mostra que o fechamento de um único ponto de venda resulta numa perda de seis mil livros por ano que são deixados de vender. O comércio varejista não é capaz de absorver essas vendas.

A abertura

A abertura do seminário foi feita por Tomaz Adour, presidente da Liga Brasileira de Editores (Libre). No seu discurso inaugural, Tomaz defendeu a importância do debate: “Defenderemos a lei do preço comum, medida adotada em vários países do mundo, existente há 40 anos na França, e que se mostrou uma decisão acertada para beneficiar todos os elos da cadeia, permitindo que as livrarias sobrevivam sem a ameaça dos descontos predatórios do comércio eletrônico, aumentando a quantidade de livrarias, reduzindo os descontos que sacrificam as editoras, possibilitando inclusive a redução do preço dos livros e uma maior bibliodiversidade, aumentando as oportunidades de publicação para novos autores”.

Na sequência, aconteceu a mesa As leis de proteção ao livro no Brasil, que reuniu o senador Jean Paul Prates (PT/RN), José Castilho Marques Neto, ex-secretário nacional do Livro e Leitura, e Júlia Alves, do Conselho Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas-São Paulo. A mediação foi de Raquel Menezes (Libre).

A programação segue até sexta-feira e pode ser acompanhada pelo YouTube da Libre.

Leia abaixo a íntegra do discurso de abertura do evento.

Discurso de abertura – Lei de Proteção ao Livro – Tomaz Adour

É surpreendente pensar que em 2021 ainda se precise proteger o livro. Infelizmente, essa é a realidade no Brasil. Num momento onde imperam as fake news, o livro pode ser defendido por suas letras e suas mais importantes características: Liberdade, Informação, Verdade, Respeito e Oportunidade.

Não vou me estender no significado dessas palavras, pois elas são óbvias para quem reconhece a importância dos livros. Um livro não apenas te transporta para outros lugares, ele permite que você alcance objetivos que muitas vezes parecem inacessíveis no início da nossa vida.

Quem lê, percebe o que está acontecendo, questiona, avalia, aprende, descobre, entende os outros e consegue se colocar em seu lugar. E mais importante, transmite a importância que o livro tem em sua vida.

Esse seminário traz a vocês representantes de toda a cadeia do livro. Editores, livreiros, bibliotecários, leitores, autores, políticos, distribuidores, professores, pesquisadores e personalidades que vão reforçar a importância da defesa do livro contra diversas forças que têm afetado à sua existência e sobrevivência no Brasil. Todos nessa cadeia enfrentaram percalços durante a pandemia, e nesse seminário conseguiremos mostrar a força da união desses elos.

Defenderemos a lei do preço comum, medida adotada em vários países do mundo, existente há 40 anos na França, e que se mostrou uma decisão acertada para beneficiar todos os elos da cadeia, permitindo que as livrarias sobrevivam sem a ameaça dos descontos predatórios do comércio eletrônico, aumentando a quantidade de livrarias, reduzindo os descontos que sacrificam as editoras, possibilitando inclusive a redução do preço dos livros e uma maior bibliodiversidade, aumentando as oportunidades de publicação para novos autores.

É fundamental ressaltar que o livro jamais deveria ser tributado, principalmente no Brasil. As vendas de livros se mantém estáveis nas últimas três décadas, mesmo com a população quase dobrando. Precisamos trabalhar para que mais livros sejam publicados e vendidos, aumentando a capacidade de questionar da população, além de aumentar a quantidade de informação correta circulando. Não podemos nos render a argumentos rasos de que o livro pode ser tributado porque é um produto de elite, quando as pesquisas mostram que a maior parte da venda de livros é para a população que acredita na educação e nas oportunidades que irá conquistar com sua formação contínua.

Não quero me estender, sabendo que teremos discussões brilhantes durante essa semana, nem quero adiantar o que os maiores defensores do livro irão mostrar a vocês. Quero apenas convidar todos que acreditam no livro, e sei que são muitos, a participar, assistir, divulgar e assistir novamente na rede do YouTube da LIBRE, a Liga Brasileira de Editoras que está promovendo este evento com diversos parceiros.

Nesses tempos líquidos, onde as pessoas se informam pelas redes sociais, além de espalhar informações sem checar ou mesmo questionar, o livro se mostra a ferramenta mais importante para trazer de volta as pessoas à realidade. E nesse momento preciso destacar a importância dos editores, que trabalham durante meses e anos para levar o conhecimento real aos leitores, sem saber se o livro terá uma vendagem adequada para justificar a edição, mas não se importando com os resultados financeiros porque um livro traz sempre uma informação relevante, pesquisada e trabalhada durante muito tempo por autores, editores, revisores, além de todo o trabalho da equipe das editoras, do cuidado gráfico da obra à divulgação, marketing e comercialização.

Não tenho dúvidas de que ganhar um livro é um dos melhores presentes que uma pessoa inteligente pode receber. E certamente ela irá retribuir oferecendo outros livros de presente. Quem não entende a importância de abrir, ler e terminar um livro ainda tem a chance de descobrir como esse simples ato pode mudar toda uma vida. E o Brasil tem uma oportunidade incrível de crescimento de seu mercado editorial.

Desejo apenas que possamos ter um ambiente mais favorável à educação e à cultura nos próximos anos, depois do desastre que foram esses últimos três anos. Mas como a história mostrou, os medíocres voltarão ao obscurantismo e a união de todos que apoiam o livro nos elevará a outros patamares de conhecimento, esquecendo esse pesadelo recente, confiando que o atraso cultural causado nunca mais se repita neste País.

Boa leitura a todos!

[17/08/2021 09:30:00]