Que futuro vemos para o livro?
PublishNews, Raquel Menezes e Talita Camargo*, 23/04/2021
A editora Raquel Menezes e a distribuidora Talita Camargo assinam artigo em que defendem a elaboração de um censo da indústria editorial como forma de entender e planejar o futuro do mercado

Ao fazer uma viagem pela história do livro no Brasil, deparamo-nos com nomes essenciais - e nem sempre lembrados - como Francisco de Paula Brito (1809-1961), que deu início ao movimento editorial brasileiro, mais próximo do que o entendemos hoje.

Homem negro de origem modesta e sem instrução formal foi o precursor da imprensa e do mercado literário no Brasil. Tipógrafo e livreiro, tornou-se o editor preferido da elite carioca e o principal editor da sua época.

A arte, a política e a literatura tiveram papel fundamental na vida de Paula Brito. Em sua livraria, reuniam-se nomes como Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antônio de Almeida, José de Alencar, Gonçalves Dias, Francisco Manuel da Silva, Casimiro de Abreu, Joaquim de Saldanha, entre outros.

Há registros de 372 publicações não-periódicas feitas por Paula Brito, de temáticas variadas e foi ele o responsável pela publicação do primeiro texto de Machado de Assis. Exatamente, Paula Britto editou nosso clássico queridinho, e de abrangência internacional, que - diga-se de passagem - só recentemente passou a ser reconhecido efetivamente como negro pela sociedade brasileira.

Paula Britto, não bastasse isso tudo aqui já elencado, foi ativista político e o primeiro a inserir no debate político a questão racial. Após sua morte, em 1861, sua viúva Rufina Rodrigues da Costa Brito continuou o negócio, que sobreviveu até 1875.

Em suma, hoje colhemos os frutos plantados por um homem negro e pobre, que deixou seu legado nas mãos de uma mulher, que o conduziu sozinha. Mas apesar do romantismo do percurso, permanece a sensação de que tudo é apenas uma bonita história.

Hoje, 23 de abril, celebramos o Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor. Data escolhida pela Unesco, em 1995, em Paris, durante o XXVIII Congresso Geral, em referência à data da morte de três grandes escritores da história: William Shakespeare, Miguel de Cervantes e Inca Garcilaso de la Vega, que coincidentemente, morreram no mesmo 23 de abril de 1616.

É inevitável que a data traga à tona discussões importantes no cenário do livro no Brasil, que tem sofrido golpes fortes e constantes já há alguns anos e que vem se agravando com as medidas restritivas impostas devido à pandemia do coronavírus.

Mas antes de elaborarmos as previsões de quais os rumos do futuro do livro, é essencial entender quem somos, o que fazemos e de onde viemos. Olhar o passado para entender o presente são passos determinantes para mirar o futuro de modo um pouco mais certeiro.

Não podemos, portanto, falar de livro em 2021 sem pensar na questão da diversidade e pluralidade. Elementos que já estão se refletindo nas listas de mais vendidos e nos eventos literários. Falta agora, uma dissipação dessa diversidade nas ações da indústria.

Sabemos, portanto, que os livros não são homogêneos, mas é preciso lembrar, também, que os profissionais que atuam no mercado são diversos. A indústria editorial deveria ser exemplo de convivência e troca entre indivíduos diferentes em relação à etnia, gênero, orientação e identidade sexual, cultura etc. Afinal, isso é uma tendência mundial, como aponta Margot Atwell (Kickstarter), que, na Feira de Londres de 2019, apresentou cinco previsões para a indústria do livro em 2025. Nesta fala, além da descentralização, da aproximação com leitores e do uso de dados, a diversidade, está entre as cinco tendências, todas elas, bom que se diga, aceleradas pela pandemia.

É preciso quebrar as estruturas sociais que impedem ou dificultam determinados indivíduos a terem acessos a certos espaços, seja pela história de opressão a um grupo, que foram marginalizados para determinados espaços físicos e simbólicos, ou por preconceitos da sociedade.

Para isso, é urgente a tabulação em dados empíricos do cenário editorial brasileiro: quem compõe a nossa classe empresarial e trabalhadora? Quem somos? O que comemos? Onde vivemos? De onde viemos? Não haverá um Globo Repórter especial para nos desvendar, então, depende de nós mesmos nos descobrir. E só assim poderemos entender para onde vamos.

Há uma ideia de que o mercado é dominado por homens, brancos, héteros, cis: a típica camada de privilégios. Mas é essa uma ideia real ou é só a classe privilegiada acostumada a ser o destaque de sempre; e o restante manter-se no anonimato?

Não sabemos. Sabemos muito pouco. Por isso, a criação de um censo da mão-de-obra do Livro é um caminho para entendermos o nosso presente e, a partir dele, abrir caminhos ao futuro do livro.

Se olharmos para o mercado inglês, por exemplo, saberemos a partir de pesquisa realizada pela UK Publishers Association, que mais da metade dos cargos de liderança executiva e gerenciamento sênior são ocupados por mulheres (52% e 55%, respectivamente). A representação de pessoas de grupos étnicos negros, asiáticos e minoritários permaneceu em torno de 13% desde 2017. A representação LGBT + continua a aumentar com 11% dos entrevistados se identificando como lésbicas, gays ou bi, ou preferindo se autodescrever. Este número mais que dobrou desde 2017 (5%). 0,6% dos entrevistados identificados como trans. A representação de pessoas com deficiência aumentou de 2% em 2017 para 8% em 2020.

Conhecer os agentes de uma indústria, pode parecer um trabalho apenas social, que tensiona rever apagamentos históricos, mas, mais do que isso é um modo de implementar ajustes de gestão, automação, comunicação e inovação que tanto agrada os novos modelos empresariais.

Verificar que há um aumento considerável de leitores de livros sobre preconceito e racismo – como temos visto no mercado atualmente – pode ser revertido em adaptações do projeto editorial e catálogo.

Ainda citando a pesquisa inglesa, quase metade dos entrevistados teve problemas de saúde mental. Em relação ao ano anterior, passou de 40% para 46%. No momento da pesquisa, um em cada cinco estava enfrentando problemas de saúde mental.

Para responder que futuro vemos para o livro, é preciso uma pesquisa ampla e focada nestes diversos aspectos em nosso mercado. É, inegavelmente necessário ter acesso aos números de representação da diversidade – ou a falta dela-, as condições de trabalho – financeiras e físicas –, bem como descobrir e analisar outras tantas possíveis demandas que tornarão que nosso mercado mais profissionalizado e sólido no que diz respeito a equidade.


* Raquel Menezes é editora, sócia da Oficina Raquel, e ex-presidente da Liga Brasileira de Editores (Libre). Talita Camargo é jornalista, sócia da distribuidora 2Books. As duas foram ganhadoras do Prêmio Jovens Talentos, realizado pelo PublishNews.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PublishNews

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