'Ter mais e melhores informações redundará, antes de tudo, em benefícios dos negócios'
PublishNews, Lorenzo Herrero, 20/05/2020
Editor do PublishNews em Espanhol entrevista José Diego Gonzáles, coordenador da área de Ecossistema do Livro do Cerlalc sobre a publicação ‘O setor editorial ibero-americano e a emergência do covid-19’

José Diego González é coordenador da área Ecossistema do Livro do Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e Caribe (Cerlalc)
José Diego González é coordenador da área Ecossistema do Livro do Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e Caribe (Cerlalc)
Na semana passada, o PublishNews trouxe a notícia sobre o lançamento do relatório O setor editorial ibero-americano e a emergência da covid-19, um documento que não só mostra a percepção do setor editorial sobre o impacto da pandemia, como também oferece recomendações para a sua recuperação. É sobre isso que Lorenzo Herrero, editor do PublishNews em Espanhol, conversou com José Diego González, coordenador da área Ecossistema do Livro do Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e Caribe (Cerlalc) e responsável pelo estudo.

PublishNews – Pelo que se lê no relatório, estamos em grave recessão em todas as áreas do setor, como também acontece em outras indústrias. Alguma coisa teria mudado se nós estivéssemos já imersos em um mercado predominantemente digital? A pandemia serve como um aviso para que, no futuro, a indústria passe a pensar mais em multiformatos?

José Diego González – Antes de qualquer coisa, é preciso observar que o relatório oferece uma perspectiva dos atores do setor sobre as consequências da crise. As previsões de editores, livreiros, distribuidores e impressoras são de uma queda considerável na renda: mais da metade das pessoas que responderam à pesquisa indicaram que as entradas em suas empresas cairiam mais de 50%.

Obviamente, o digital tem sido uma maneira de reduzir parcialmente as perdas para os editores que tinham estratégias de publicação e distribuição por esse meio e para as livrarias que vendiam livros impressos on-line.

No entanto, em vez de pensar no que teria mudado se já estivéssemos imersos em um mercado predominantemente digital, o que definitivamente não pode ser ignorado são os avisos para o futuro relacionados à inserção do setor no ambiente digital, do qual dependerá sua competitividade.

Para os editores, é necessário acelerar a conversão de seus fundos para o formato digital e otimizar seus fluxos de trabalho com a edição multiformato em mente. E para livrarias, especialmente para pequenas, se aventurar em vendas on-line. A solução para isso pode estar em associação.

Agora, como observado no documento, isso mais uma vez revelou deficiências ainda não resolvidas, essenciais ao considerar essa reconfiguração. Por exemplo, hoje em dia, a grande maioria dos países não possui sistemas para gerenciar e trocar metadados, nem sistemas ou protocolos para a integração informacional entre os elos da cadeia.

Não se deve esquecer que falar sobre o setor editorial ibero-americano implica em se referir a um grupo heterogêneo e assimétrico, que é sobre países com diferenças marcantes, de todos os tipos que condicionaram os setores editoriais individuais considerados.

PN - A crise se assemelha a uma maré muito baixa: mostra o que estava no fundo. A própria natureza do negócio editorial gera superprodução - como indicado no relatório - algo que todos sabemos, mas preferimos ignorar. A bolha de superprodução estourou? A sustentabilidade deve ser o objetivo prioritário?

JDG - O relatório traz algumas conclusões do The Ibero-American Space of Book 2018, um livro publicado pelo Cerlalc a cada dois anos desde 2006. Na edição de 2018, dedicamos um capítulo à análise dos quatro principais mercados de livros da América Latina - Argentina, Brasil, Colômbia e México - no período 2009-2016, para os quais foram utilizados relatórios publicados pelas câmaras de livros desses países.

Essa análise revelou vários fatos. Primeiro, apesar de ter tido uma redução de receita, os títulos publicados não diminuíram necessariamente - um fenômeno, é preciso dizer, que foi verificado em outros mercados do mundo.

Segundo, a diminuição progressiva das tiragens médias e a terceira, principalmente no caso da Argentina, a baixa participação das reedições em comparação com as novidades.

Algo parecido foi encontrado pela analista brasileira Marian Bueno em um estudo do comportamento dos mercados editoriais de oito países durante a última década. Ao comparar o comportamento do PIB desses países (Alemanha, Brasil, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, França, México e Reino Unido), ela encontrou um denominador comum: os mercados editoriais mostram certa estabilidade em períodos de crescimento econômico e declínios mais pronunciados do que os das economias, quando estas se contraem.

Tudo isso para dizer que o setor editorial tem sofrido considerável pressão econômica e que uma das estratégias para compensar a queda de receita e das tiragens foi a publicação de mais e mais títulos, o que derivou em aumentos das devoluções, em uma altíssima taxa de rotação que não permite que os títulos encontrem seus públicos, etc.

PN - Qual seria o perfil de uma editora digital e sustentável?

JDG - A questão é altamente complexa porque, para respondê-la, dois aspectos intimamente relacionados do ecossistema da mídia cultural não podem ser ignorados: a superabundância de conteúdo digital e a concorrência acirrada pela atenção dos leitores. Isso coloca os editores na frente de perguntas cujas respostas não são diretas.

Primeiro, o da visibilidade de sua oferta em meio a um contexto de superprodução e, segundo, o de ajustar a oferta a tanta demanda de nicho. Quanto dessa superprodução de títulos mencionados na pergunta anterior não tem a ver com uma maneira de os editores tentarem se tornar competitivos?

Dito isto, para se tornar sustentável na esfera digital, uma editora deve fortalecer seus canais de comunicação com os leitores e conhecê-los melhor. Fazer do gerenciamento da visibilidade de seus títulos uma obsessão. E isso começa com o cuidado com os metadados.

PN - O relatório não é apenas um balanço de danos: existem recomendações para recuperação e uma seleção de auxílios estatais. Em alguns países, essa crise se soma às existentes, mas ao mesmo tempo é apontada uma falta de fluxo de informações no setor - outra das deficiências que foram reveladas no momento. É possível que as informações sobre ajuda e as recomendações não atingem todos os envolvidos. Outro objetivo prioritário é fortalecer nossos canais de comunicação e coletar e analisar dados?

JDG - De fato, como indicado no documento, essa situação de emergência revelou uma falta, que está longe de ser nova, relacionada à escassez de informações sobre o setor editorial em duas frentes: mapeamento e caracterização dos agentes e relatórios periódicos sobre produção e venda. Por exemplo, muito foi dito sobre a vulnerabilidade das livrarias, mas apenas alguns países sabem quantas livrarias existem, que tipo de livrarias e qual o seu tamanho.

Os relatórios periódicos sobre produção e vendas seriam muito úteis agora para ter estimativas mais fundamentadas das perdas econômicas que essa emergência acarretará para os setores editoriais de cada um dos países. Em termos gerais, ter estatísticas atualizadas nos permite saber o que realmente é a saúde do setor editorial, identificar tendências, diferenças entre os diferentes subsetores e, em uma perspectiva mais geral, entender o lugar do livro na sociedade.

O Cerlalc enfatizou fortemente a importância de se fazer medições do setor. Os relatórios que são feitos hoje em países como Brasil, Colômbia ou México devem muito a um guia metodológico publicado pelo Cerlalc em 2003.

Recentemente, buscamos adicionar à análise dos registros ISBN, outras informações sobre a venda e o consumo de livros dos países membros do centro, para que os resultados tenham um valor mais prático. É essencial que o setor como um todo entenda que ter mais e melhores informações redundará, antes de tudo, em benefícios dos negócios.

Os canais de comunicação entre o próprio setor e entre ele e os governos devem ser fortalecidos. Mais do que nunca, é essencial que o setor seja entendido como tal, que seja considerada a formação de um comitê de crise que possa coordenar uma estratégia abrangente.

Não menos importante será a complementaridade de esforços entre o público e o privado; portanto, o documento foi levantado a partir de considerações de políticas públicas como compras do governo, vínculos culturais de consumo, empréstimos flexíveis à implementação de campanhas destinadas a promover livro e leitura, estratégias de crowdfunding ou desenvolvimento de plataformas conjuntas de vendas on-line.

[20/05/2020 10:00:00]