Chegar à China já é, por si, uma aventura. Saber que é preciso um “convite” para entrar no país já vai longe do que o mundo ocidental considera o que seja turismo. Mas o que percebemos é que o turismo interno é muito forte, afinal, nem nos hotéis há preocupação em apresentar informações em inglês. Afinal, com milhões de chineses visitando a grande capital do Império do Meio não há muito motivo para se preocupar com uns poucos estrangeiros.
Recebi um convite para apresentar a Liga Brasileira de Editores (Libre) em um evento editorial internacional chinês e decidi aceitar o desafio. A organização do evento encaminhou o convite por e-mail e lá fui eu ao Consulado da Muniz Barreto, em Botafogo, para tirar o visto. Custou-me R$ 460 para 30 dias, mas eu poderia ter pedido por até um ano. O visto até saiu rápido, mas orientaram que eu também tirasse o certificado internacional de vacinação contra a febre amarela - como a China é um país que possui os vetores certos e muita gente junta, não quer correr o risco de enfrentar grandes epidemias vindas do exterior.
Tudo feito, pediram que eu encaminhasse por e-mail com antecedência o conteúdo das minhas apresentações (para que se pudesse traduzir a tempo) e enviaram um cronograma com todo o planejamento da minha viagem: tudo foi cronometrado minuciosamente pelo Secretariado da Conferência e por uma atenciosa acompanhante, a jovem estudante Zhang Qianru, que possuía um bom domínio de inglês e disse-me que estava disponível para comprar o que eu quisesse consumir. Toda a viagem foi paga pelo Secretariado da Conferência, e nós duas devemos ter o cuidado de pedir todas as notas para o reembolso.
Ao chegar no Aeroporto Internacional de Beijing, nós turistas estranhamos um pouco. O Aeroporto tem wi-fi grátis, porém de impossível acesso. Foram pedidas informações em um pequeno papel sobre o endereço de destino do viajante - o qual eu só tinha no meu e-mail… do Gmail!! (para quem não sabe, todos os serviços Google são bloqueados aqui). Também foi necessária a coleta de todas as minhas digitais e de atravessar um corredor no qual se tomava a temperatura corporal (quem estivesse com febre, seguiria para quarentena).
Na saída do aeroporto, um tumulto enorme: todos os chineses apresentavam placas com nomes dos estrangeiros, centenas delas à esquerda e à direita, e eu passei bem devagar tentando olhar todos os nomes, em busca do meu.
Logo encontrei a gentil Qianru - uma jovem de seus 20 anos, e descobri que o primeiro nome é o de família, e o segundo nome é o da pessoa, de modo que eu a devia chamar sempre por Qianru. Além disso, Qianru tem um número de identificação pessoal, o qual é usado como referência principal no endereço de e-mail dela. Seria, por exemplo, como se tivéssemos o CPF ao invés do nome ou do nickname em nossos e-mails e perfis virtuais.
Ela me pôs rapidamente em um táxi. Se reclamamos dos taxistas no mundo, é porque ainda não viemos à China. Ele quase bateu umas quatro vezes no percurso, e eu decidi fechar os olhos, rezar e pegar no sono. Dormi até a porta do hotel, foi quase 1 hora de viagem, mas chegamos sãs e salvas.
Qianru me convidou para comer algo e eu aceitei de pronto. Não quis deixá-la esperando que eu descansasse e fomos logo para um Centro Gastronômico (chamam aqui de Food Court) na rua em frente ao hotel. Devia estar -11ºC, nunca tinha enfrentado uma temperatura tão fria. Aliás, nas tradições orientais, o inferno é frio, e não quente como pintaram os renascentistas cristãos.
Bastou atravessar a rua, entrar no Food Court, e era possível sentir o sangue formigando no retorno à pele. Os ossos deixavam lentamente de doer. Comi um chamado “hambúrguer chinês”, que estava muito bom e pedi noodles - porém o prato que eu pedi era servido frio, e os chefs do quiosque recusaram-se a esquentá-lo na frigideira.
Com muita dificuldade habilitei o chip chinês que eu havia comprado pela Amazon. Também foi um alívio ter pago por um VPN: era isso ou eu voltaria à “idade dos lápis e cadernos”, onde tudo teria que ser escrito e trazido em folhas de papel. A única coisa mais difícil é que o WeChat me bloqueou e parece que eu preciso ser desbloqueada por outro usuário do WeChat que garanta que eu existo de verdade.
Voltei ao hotel e Qianru avisou-me sobre os horários e programação do dia seguinte, em que pegaríamos o trem de alta velocidade para a cidade Tai’an da Província de Shandong, onde acontecerá a Conferência. Despedi-me de Qianru e dei-lhe uma caixa de bombons. Ela agradeceu de um jeito que parecia que eu lhe estava dando um par de brincos de diamantes. Acho que conquistei uma amiga para todo o meu percurso na China.
*Paula Cajaty é editora da brasileira Jaguatirica e da portuguesa Gato Bravo, escritora e Diretora de Comunicação da Libre.