Uma aventura na China: O copo meio cheio e o copo meio vazio
PublishNews, Paula Cajaty*, 14/12/2018
No último capítulo do seu diário da China, Paula Cajaty se pergunta: quanto tempo levaria até passar esse bom momento do mercado chinês de livros e publicações?

Antes das 8h da manhã, esperando a primeira conferência começar, tive uma conversa curiosa com um chinês, editor. Que não falava português, nem inglês, mas queria muito, demais, falar comigo. Queria meu QR Code (coisa que o WeChat me impediu de ter). E falava, e mostrava o celular com seu neto, um daqueles chinesinhos mais lindos de seus dois anos. Falava comigo a despeito de saber que eu não entenderia, mas ele não ia desistir.

Logo eu encontrei um jeito de escrever em português o que eu queria, e o Tradutor do Google falava pra ele em chinês. Pronto! Ele adorou a ideia e, por sua vez, falava chinês ao celular: o resultado da tradução saía na tela do celular dele, em inglês, para que eu lesse. De certa forma, ao pensar depois sobre isso, fiquei emocionada, de verdade. O desejo infinito dos humanos por um encontro significativo é capaz de quebrar todas as barreiras: de idade, de cultura, de língua. What a world!

Enquanto isso, eu teclava com o Julio Silveira e ele traduziu o nome em Han que eles me deram como Bau-la, aquela que “puxa a riqueza”. Não sei bem se foi algo pensado a partir da sonoridade do nome, ou se é apenas um “wishful thinking” deles quanto às relações econômicas com o Brasil. O fato é que os chineses são um povo exuberante, alegre e muito gentil, de uma maneira encantadoramente respeitosa.

E então às 8h20 iniciou a primeira conferência com abertura de Cheng Li, a empoderada vice-prefeita da cidade de Tai’an e Wu Shiloh, ex-Membro do Partido & Deputado Diretor Geral da Chinese Publishing Association. Ela abriu a cerimônia falando de que, apesar do Monte Tai já estar com neve, podia perceber o calor dos corações dos presentes, e contou também um pouco da lenda de Pagu, o Deus que criou o mundo. Depois, Mr. Wu Shiloh falou, em resumo, que a Comunicação é a chave para revitalizar a China e a posição de Tai’an é muito importante dentro da Estratégia Belt and Road e da Nova Silk Road. Em 2018 comemorava-se 40 anos da Abertura e ele deu alguns números: o PIB deles aumentou para 360 bilhões! Perguntava-se retoricamente: como será contada a história para as próximas gerações, considerando que só se haviam passado apenas 80 anos depois da Segunda Guerra Mundial? Ele disse que esses anos seriam lembrados como de grande bonança e sucesso, no qual a China pôde experimentar um significativo aumento da expectativa de vida, e de qualidade de vida. Refletiu ele: o que outros países demoraram 100 anos para fazer, levou apenas 40 anos para a China realizar. O que acontecerá nos próximos 40 anos?

Entre outras coisas, Mr. Wu Shiloh disse que as publicações chinesas já são em maior número do que as publicações dos outros países do BRI (60 países envolvidos na Estratégia “Belt and Road” e da Nova Rota da Seda) combinadas e que agora já é a segunda matriz de publicações, após o conteúdo escrito em inglês. E daí ele concluiu que está faltando somente comunicar para o exterior (foreign people, tipo, “nós o resto do mundo”) os feitos da China. Ou seja, segura, meu povo, que eles vão botar o bloco na rua! Parece que será um período sensacional para produtores de conteúdo, agências e analistas de marketing, desenvolvimento de conteúdo digital e até para jornalistas na China.

Terminada a primeira conferência, seguimos para o “Fórum Internacional de Aprofundamento da Integração, Transformação & Atualização da Indústria de Impressão e de Publicações”.

Hongmei Sun, Gerente Geral da CNKI, uma companhia de publicação e distribuição falou da importância da China ter suas próprias plataformas, na medida em que o conteúdo chinês tem pequena presença nas plataformas internacionais (nos catálogos da Wiley, DeGruyter e outras grandes editoras). Para que haja integração global, é necessário que o conteúdo esteja disponível para os interessados. Vê importância também na avaliação do comportamento de consumo dos chineses. No CNKI-ebooks já há mais de 5 mil e-books, porém eles desejam criar uma grande plataforma de conteúdo científico. Mostrou também preocupação com a integração entre as plataformas internacionais e com a quantidade de conteúdo bilíngue para atravessar as barreiras da linguagem.

Outra apresentação interessante foi do Mr. Jin Wen, Membro do Partido e Diretor da China Forest Edições e do Centro de Publicações Digitais, que fica na região de Sichahai, em Beijing. Lembrou das várias formas de escrita na China (onde se escreve desde quase nove mil anos atrás até em ossos de animais e em cascos de tartaruga), e das características geográficas do país, que ainda não estaria pronto para implementar completamente a revolução digital já percebida nas grandes cidades.

Novamente, um dos melhores painéis do dia foi o do Mr. Robert Baensch. Em suma, ele voltou a falar sobre o novo papel do editor em um mundo conectado e digital. Trouxe números significativos dos mercados da China e do mundo, e uma análise consciente e que buscava olhar os dados sem o otimismo exagerado comum aos chineses. Lembrou que este otimismo, sem a observância dos números, poderia levar a vários erros estratégicos e a grandes perdas econômicas e financeiras.

Por fim, foi a apresentação do Mr. Oleg Zimarin, editor chefe da Ves Mir Publicações (Ves Mir significa “O mundo inteiro” - pois a palavra Mir pode ser o universo, a paz, ou a comunidade de pessoas), fundada em Moscou em 1994 sobre Ciências Sociais e Humanidades. Trouxe dados da Rússia na Era Digital e a tal visão do copo meio vazio: quanto tempo levaria até passar esse bom momento do conteúdo de livros/publicações digitais? Trouxe a reflexão sobre o que estamos fazendo e o que devemos fazer no futuro, em termos de troca de informação e conteúdo.

As palestras de Mr. Robert e de Mr. Oleg, contudo, tiveram uma nota de desânimo e não foram tão motivacionais como a fala do fundador do Partido Mr. Wu Shiloh e de outros editores chineses. Longe do tom ufanista e auto-elogiativo que percebe o copo meio cheio, trouxeram o Lado B da história, ou a percepção do copo meio vazio. Analisando números, os dois percebem que há no momento presente um grande potencial de ganho em países que estão na “fase 2” do jogo do crescimento mundial (Brasil, China, Rússia, etc), porém, no médio-longo prazo, a tendência é a estagnação e a redução da importância do conteúdo publicado, perante os demais meios de obtenção de informações (Aka: Apps), tal como vêm ocorrendo com os EUA e Reino Unido, e os europeus em geral, de modo que o conteúdo publicado deveria adaptar-se aos novos modelos de troca de informação.

Depois do almoço já seria o momento de empacotar tudo para iniciar a viagem de retorno. Contabilizei mais de 40 cartões, na maior parte escritos em mandarim, de editores ávidos por “cooperation” com as editoras e associações de editores brasileiros. Prometi a muitos deles referências de ilustradores (eles querem se aproximar de uma imagética mais europeia), de associações, de editoras universitárias, e sobretudo de editoras de conteúdo jovem e de quadrinhos.

Tudo certo e arrumado, saímos à tarde com o dia ensolarado, a -1ºC (a máxima da temperatura do dia) para a estação de Tai’an, com a bela vista da cidade com o Monte Tai ao fundo. Vi passar Jinan, a capital da província de Shandong, que reúne 95 milhões de habitantes (tipo, só meio Brasil, sabe?) e várias cidades gigantes no horizonte. Meu voo era ao estilo corujão: acordei 1h50 para seguir ao aeroporto.

A despedida foi emocionada, à moda chinesa. Qianru disse que gostaria muito que eu viesse de novo, com um carinho enorme na voz. Ms. Iris, a coordenadora do evento, disse que veria a possibilidade de me chamar para a próxima BIBF, a Beijing International Book Fair. Missão cumprida, com muitas sensações no peito, ideias na cabeça e cartões na bolsa, me peguei cantarolando “These are the days to remember”, do 10.000 Maniacs e tive uma boa sensação de que 2019 nos trará um belo final de década. É, pode ser o Natal me fazendo ver o copo mais pra cheio.

Por que ainda não inventaram isso no Brasil?? Ervilha salgadinha, super aprovada!
Por que ainda não inventaram isso no Brasil?? Ervilha salgadinha, super aprovada!

A cidade de Jinan, capital da província de Shandong, que tem 95 milhões de habitantes.
A cidade de Jinan, capital da província de Shandong, que tem 95 milhões de habitantes.

Foto do Mao Tsé-Tung, autor do best seller Chinês ‘O livro vermelho’ (pra dizer o mínimo).
Foto do Mao Tsé-Tung, autor do best seller Chinês ‘O livro vermelho’ (pra dizer o mínimo).

Viagem de 21 horas tem dessas visões do mundo. O Himalaya!!
Viagem de 21 horas tem dessas visões do mundo. O Himalaya!!

Segundo trecho Dubai-Lisboa. Ao fundo o Burj Khalifa.
Segundo trecho Dubai-Lisboa. Ao fundo o Burj Khalifa.



*Paula Cajaty é editora da brasileira Jaguatirica e da portuguesa Gato Bravo, escritora e Diretora de Comunicação da Libre.

[14/12/2018 08:00:00]