Cultura pede recuperação judicial
PublishNews, Leonardo Neto e Talita Facchini, 25/10/2018
Livraria já vinha fechando lojas, enxugando quadros de funcionários e renegociando pagamentos, mas, segundo comunicado oficial, não foi suficiente

Livraria Cultura pede recuperação judicial | © Divulgação
Livraria Cultura pede recuperação judicial | © Divulgação
Em uma reunião na última terça-feira (23) com os seus maiores fornecedores, a Livraria Cultura anunciou que entraria com pedido de recuperação judicial. A medida visa a superação da situação econômico-financeira da empresa, que não é das melhores já há dois anos, desde quando começou a renegociar suas dívidas com fornecedores. Apesar de a empresa não confirmar, estima-se que essas dívidas ultrapassem os R$ 70 milhões.

Em comunicado oficial, a empresa comandada pela família Herz informa que o movimento visa “normalizar, em curto espaço de tempo, compromissos firmados com nossos fornecedores, preservando a saúde da empresa criada por Eva Herz em 1947, a manutenção de empregos e gerando mais estímulo para crescer”.

A Cultura aponta que o mercado editorial encolheu 40% desde 2014 e que a sua situação é resultado desse cenário. Diz ainda que nos últimos três meses tem encabeçado um duro programa de ajustes, com a eliminação de lojas de baixo resultado; redimensionamento do quadro de funcionários; cortes de despesas de toda ordem, além de uma revisão profunda do planejamento de curto e médio prazo. Quando apresentou esse plano de reestruturação aos editores, em julho passado, pediu um financiamento das suas dívidas junto a eles em 24 vezes, com carência de 90 dias. No entanto, desde então, a rede passou a operar com níveis muito baixos de estoque, não produzindo receitas suficientes para honrar os acordos e nem os vencimentos correntes.

Com isso, em setembro, chamou novamente seus fornecedores para mais uma rodada de conversas. Foi nesse momento que os editores ouviram, pela primeira vez, a expressão “recuperação judicial”.

Na reunião de terça-feira passada, a direção da Cultura apresentou todos os esforços feitos para o saneamento das finanças, mostrou aos editores as perdas de margens acumuladas por conta das guerras de preços e terminou constatando que eles não teriam capacidade de honrar os acordos que fizeram e que, portanto, a recuperação judicial seria a única solução para a continuidade da empresa. No dia seguinte, a empresa entrou com o pedido.

“Eu acho que de certa forma é melhor lidar com esse fato do que lidar com as incertezas”, disse Marcos da Veiga Pereira, presidente da Sextante e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) ao PublishNews na manhã desta quinta-feira. “Agora sei que não conto com o futuro próximo. Agora sabemos que vamos ter que esperar o plano que ela mesma vai propor pra gente saber quais as condições, a carência e o prazo. Assim a gente começa a viver vida nova”, completou.

Pereira ressaltou ainda que, com suas 15 lojas, a Cultura é um player relevante e defendeu que “a gente precisa construir um futuro juntos”.

O presidente do SNEL apontou a corrosão do preço do livro como um dos problemas sérios e graves que levaram o setor livreiro à atual crise, apontada por ele mesmo como sem precedentes na história do livro no Brasil. Mas não só isso. “Ele vem aliado com a diminuição do consumo de livros, que tem a ver com uma questão comportamental dos consumidores e as novas mídias, e, sobretudo, tem a ver com a questão da recessão brasileira e com o desemprego. Isso tem um impacto enorme no setor”, concluiu.

Pereira apontou ainda a canibalização do e-commerce como um fator importante na crise. “Esse é um problema muito sério. Veja a rede Leitura, por exemplo, que hoje tem cerca de 80 lojas. Ela não tem presença digital e consegue vender o livro praticamente pelo preço de capa. Aliás, o preço de capa já é tão barato, que não faz nenhum sentido existir essa guerra de preços”, concluiu Marcos. Ele cita A sutil arte de ligar o foda-se (Intrínseca), o livro mais vendido no Brasil em 2018, que tem como preço de capa R$ 29,90. “É mais barato do que uma corrida de táxi do Leblon até o centro do Rio de Janeiro. Não tem por que ter guerra de preço!”, finalizou.

“A situação é bastante delicada”, comentou Luís Antonio Torelli, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL) em conversa que teve com o PublishNews na manhã desta quinta-feira. Torelli lembrou ainda que o setor precisa de pontos de vendas e perder a Cultura seria catastrófico. “Eu acredito que, nesse momento, [o pedido de recuperação judicial] foi o caminho mais viável. É muito ruim, é péssimo, mas não via outra alternativa. A recuperação judicial incorre em uma série de penalidades para quem tem títulos a receber, mas de tudo o que se apresentava, foi a melhor opção. Se eles realmente têm um bom plano e precisam de prazo, eles terão nosso apoio”, completou.

Torelli lembrou ainda da Medida Provisória que está estacionada na Casa Civil, resultado o Grupo de Trabalho (GT) da Crise encabeçado pelo Ministério da Cultura (MinC). A propositura legislativa quer apresentar uma “Política Nacional de Regulação do Comércio de Livros” cujo objetivo é fortalecer o setor e torná-lo mais saudável. “[O caso da Cultura] atesta o que a gente vem dizendo. A gente precisa de um instrumento para sair dessa crise. Não temos mais tempo. Não faz sentido isso não andar com a celeridade que a situação exige. Sei que a gente está num momento político conturbado, com as atenções todas voltadas para domingo [quando acontece o segundo turno das eleições presidenciais], mas a crise é monstruosa e precisamos pressa”, disse.

Pereira disse ao PublishNews que passou a sua manhã desta quinta-feira ligando para pessoas-chave pedindo o avanço dessa MP. “É fundamental que o governo se sensibilize e aprove aquilo com a maior urgência possível. A gente tem que olhar para frente. A gente tem que pensar no futuro. A gente está num momento dramático e temos que criar um ambiente de futuro mais saudável”, finalizou.

Torelli lembrou que duas outras empresas ligadas ao setor editorial e livreiro pediram recuperação judicial recentemente: Abril e BookPartners, sem contar no pedido de falência da LaSelva.

Editores internacionais

Sérgio Herz, CEO da empresa, viajou para a Alemanha durante a Feira do Livro de Frankfurt, onde se encontrou com editores internacionais, com quem também tem contas em aberto. Segundo fontes ouvidas pelo PublishNews lá, o discurso era de cooperação, mas, editores internacionais acenaram negativamente e reafirmaram que não manteriam o fornecimento de produtos.

Ex-funcionários

Na semana passada, junto com a notícia de que a Cultura deixava o Rio de Janeiro e fechava a última Fnac do Brasil, ex-funcionários da empresa se reuniram na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, para protestar pedindo o acerto de rescisões do contrato de trabalho.

Uma semana depois, a situação continua a mesma. O PublishNews conversou com um ex-funcionária da Cultura que confirmou o caso. “Ainda não recebemos nossas rescisões e não temos nenhuma resposta concreta. Toda vez que entramos em contato com o RH eles dizem que não têm informações, muito menos sobre o agendamento para retirar o FGTS e nossos outros direitos”.

Sobre o pedido de recuperação judicial da empresa, a ex-funcionária que não quis se identificar disse que isso já era esperado. “Quando estávamos lá dentro, víamos as coisas mudando muito rápido e várias mudanças graves ao longo do tempo que culminaram nessa situação, mas nosso receio é sempre o de não receber”, contou ao PN.

Outro assunto que pesa os demitidos é a decisão da Cultura de abrir uma nova loja em Goiânia no próximo ano. “Não entendemos esse plano de abrir uma nova loja, porque isso com certeza representa gastos, então porque não pensar primeiro em pagar os antigos funcionários?”, questionou.

Saraiva

Editores ouvidos pelo PublishNews demonstraram preocupação também com a Saraiva, que vive momento de crise e novos atrasos de pagamento. A varejista fez um reescalonamento de suas dívidas e vinha cumprindo seus compromissos correntes até um mês atrás, quando atrasou o pagamento da primeira parcela da renegociação. “O impacto [disso] nas editoras tem proporções dramáticas. Eu estou acompanhando de perto. A gente tem se falado constantemente. Sei que eles estão trabalhando furiosamente para resolver o problema que não é trivial”, comentou Marcos Pereira.

Próximos passos

Caso o juiz acate o pedido, é nomeado um administrador judicial e a Cultura terá de 60 a 90 dias para apresentar um plano de recuperação judicial, que também precisa ser aprovado pela Justiça e pelos seus credores em assembleia. Estando a recuperação judicial em curso, os credores ficam impedidos de acionar a empresa na Justiça e de protestar títulos em aberto. A empresa também precisa cumprir à risca os prazos de pagamento daquilo que foi acordado.

[25/10/2018 10:16:00]